o sociólogo Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, demonstra como governos impopulares foram derrotados nas grandes cidades desde o fim da ditadura; ele prevê que o governo Bolsonaro estará mal avaliado em outubro e pondera: “A principal tarefa política de 2020 é ganhar a eleição municipal”
A menos que seja impedido, o povo brasileiro vai se fazer ouvir em outubro de 2020, quando as urnas da eleição municipal forem abertas. Sem intermediários, diretamente, sem que ninguém possa dizer que é seu intérprete. Será a melhor pesquisa de opinião possível. Todas as cidadãs e cidadãos vão participar.
A eleição municipal não é um termômetro exato dos sentimentos populares a respeito do País e do governo federal (ou dos estaduais). Ainda assim, no modo como a democracia foi institucionalizada no Brasil, é a janela que existe para conhecer o estado de espírito da população no intervalo entre uma eleição geral e outra.
Nossas elites não gostam de perguntar às pessoas o que pensam. Preferem atribuir-lhes opiniões e palavras, provavelmente as que acreditam que deveriam ter. Em nenhum lugar do mundo, é tão notável a ausência de pesquisas. Enquanto nos Estados Unidos (e na maioria dos países europeus) são dezenas todo mês, aqui tivemos uma meia dúzia ao longo do ano passado inteiro. O Datafolha, oráculo da grande imprensa, publicou quatro, a mais recente na primeira semana de dezembro. Foram tão poucas que essa última gera manchetes até hoje.
No silêncio que é assim fabricado, sobra espaço para invencionismos. Qualquer um pode posar de grande líder, qualquer um pode inventar que é candidato imbatível a presidente. Nas pesquisas patrocinadas por nossa imprensa, pergunta-se pouco, em muitos casos às pessoas erradas, lhes fazendo perguntas irrelevantes.
Do fim da ditadura para cá, fizemos oito eleições municipais comparáveis, incluindo as capitais estaduais e os municípios que os militares chamavam de “segurança nacional”. Não faz muito sentido procurar o recado geral que transmitiram, ainda que, ao cabo de cada uma, os analistas sempre se apressam a encontrá-lo.
Uma coisa, no entanto, parece clara: candidatos alinhados com governos federais bem avaliados tendem a vencer nas principais cidades, em especial nas capitais estaduais. Vice-versa, costumam sair-se mal os candidatos associados a governos centrais com baixa popularidade.
Em 1996, Fernando Henrique foi bem em quase todas as capitais, elegendo prefeitos tucanos ou de partidos que integravam sua base em 22 delas. O PT venceu somente em duas e seus aliados em outras tantas. Inversamente, em 2000, enquanto o governo do PSDB naufragava, o PT e seus aliados venceram em nove capitais, entre as quais na joia da coroa, o município de São Paulo. Ao PSDB, restou o consolo de ganhar em Boa Vista, Cuiabá, Teresina e Vitória.
Nos dois governos de Lula, o PT venceu (sozinho ou em coligação) em 13 capitais em 2004 e em 11 em 2008. Com Dilma, em 2012, foram 10 capitais, de novo tendo São Paulo como destaque. No conjunto dos municípios brasileiros, naquelas eleições, o PT só fez menos prefeitos que o PMDB (então seu aliado), quase empatando com o PSDB, que governava São Paulo e Minas Gerais, os dois estados com o maior número de municípios.
Nos anos em que esteve bem em termos de imagem nacional, o PT se saiu bem nas eleições locais, mas, quando passou a estar mal, afundou: em 2016, venceu sozinho em apenas uma capital e em outra em coligação. De segundo maior vencedor em 2012, ficou, quatro anos depois, em décimo lugar no número total de vitórias.
E agora? Não é preciso ser adivinho para estimar que o governo do capitão estará mal em outubro. Só os bolsonaristas mais lunáticos acreditam que, até lá, suas realizações terão calado os críticos e levado a maioria da população a apoiá-lo. Ao contrário, o mais provável é que a soma de descalabros administrativos, denúncias sem resposta, evidências de desvios de personalidade do capitão e seus compadres levem sua imagem a uma impopularidade ainda maior.
Será muito bom, para o futuro da democracia no Brasil, que isso aconteça, que as tendências que podemos atualmente discernir se confirmem. A vitória questionável em 2018 levou a direita (e sua parcela ultrarreacionária) a se achar muito maior do que, de fato, é. A eleição municipal é uma oportunidade para dar-lhe o tamanho real, reduzindo sua arrogância e fazendo com que os anos que lhe restarem de poder sejam menos danosos para o futuro do País.
Daí sua importância e a necessidade de que todas as forças genuinamente democráticas definam estratégias para vencê-las, do jeito que for possível. A principal tarefa política de 2020 é ganhar a eleição municipal.
Marcos Coimbra
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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