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Relatora da comissão acusa ex-presidente de ser autor moral e intelectual dos ataques aos Três Poderes; ele nega crimes

Eliziane Gama pediu o indiciamento de Bolsonaro mais sessenta pessoas -  (crédito: Getty Images)

Eliziane Gama pediu o indiciamento de Bolsonaro mais sessenta pessoas – (crédito: Getty Images)

O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, apresentado nesta terça-feira (17/10) pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de ter sido autor moral e intelectual dos ataques aos Três Poderes.

No documento que reúne as conclusões da investigação, ela pede o indiciamento (abertura de um inquérito criminal) contra o ex-presidente por quatro possíveis crimes previstos no Código Penal: associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Bolsonaro não se pronunciou sobre o relatório de Gama. Ele sempre negou o envolvimento no 8 de janeiro e, sem apresentar provas, chegou a acusar “pessoas de esquerda” de terem programado as invasões.

O relatório da senadora propõe ainda o indiciamento de mais sessenta pessoas, incluindo a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e ex-ministros do governo Bolsonaro, como Anderson Torres (Justiça) e os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), general Walter Braga Netto (Casa Civil) e general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência da República). Todos também tem negado responsabilidades pelos ataques.

“O Oito de Janeiro é obra do bolsonarismo. Diferentemente do que defendem os bolsonaristas, o Oito de Janeiro não foi um movimento espontâneo ou desorganizado: foi uma mobilização idealizada, planejada e preparada com antecedência”, diz o relatório.

Como o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem maioria na CPMI, a expectativa é que o documento seja aprovado nesta quarta-feira (18/10) pela comissão, em votação apertada.

Parlamentares de oposição criticaram as conclusões da senadora e apresentaram relatório alternativo pedindo o indiciamento de autoridades do atual governo que, supostamente, teriam sido omissas na defesa das sedes dos Três Poderes, com objetivo de colher frutos políticos.

Entre os acusados pela oposição estão o presidente Lula, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Marco Edson Gonçalves Dias.

“Deixaram mil vândalos quebrar tudo e não fizeram nada”, acusou o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), um dos parlamentares de oposição que assinam o relatório alternativo.

A base governista, por sua vez, diz que a defesa da Praça dos Três Poderes era função da polícia do Distrito Federal, que na ocasião era comandada por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

Iniciada a partir de pedidos da oposição, a CPMI acabou controlada pela base governista. Lideranças importantes dos dois lados acabaram poupados de comparecer à comissão. A comissão concluiu seus trabalhos sem realizar depoimentos de Bolsonaro e Braga Netto, mas também não ouviu Flavio Dino.

O que acontece com a conclusão da CPMI?

Independentemente de qual relatório seja aprovado na CPMI, todos poderão ser encaminhados para análise do Ministério Público, disse à BBC News Brasil o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles.

Ele ressalta que a CPMI apenas recomenda o indiciamento de suspeitos, mas é o Ministério Público que tem a prerrogativa de dar prosseguimento às investigações ou mesmo, em caso de avaliar que existem provas suficientes, já apresentar uma denúncia contra os acusados. Outra opção é considerar que não há elementos para investigar ou denunciar e, simplesmente, arquivar o caso.

Na avaliação de Fonteles, as conclusões da CPMI serão analisadas pela Procuradoria-Geral da República, já que a existência de ao menos uma pessoa com foro privilegiado mantém todo o caso na PGR.

A PGR está sob comando interino da subprocuradora-geral Elizeta Ramos, desde que acabou o mandato de Augusto Aras como PGR. Cabe a Lula indicar o novo procurador-geral da República, que ainda terá que ser aprovado no Senado. O presidente, porém, ainda não tomou sua decisão.

“Isso é lamentável. Como um interino vai poder se manifestar sobre fatos tão graves? Impossível. Não tem tranquilidade, não tem segurança (para atuar nos casos). Dada a gravidade do momento, o fim dos trabalhos da CPMI, não podemos mais ficar nessa inércia da nomeação”, criticou.

Possíveis indiciados já são investigados

Fonteles lembra que já existem inquéritos tramitando no Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro e autoridades do seu governo por suposto envolvimento nos atos de 8 de janeiro. Dessa forma, ressalta, caberá à PGR comparar as conclusões da CPMI com essas investigações presididas pelo ministro Alexandre de Moraes para avaliar se há novidades.

“O trabalho é de garimpo. Se debruçar sobre o relatório (da senadora) e sobre os inquéritos do Alexandre de Moraes para ver se ela repetiu tudo ou se trouxe algo de novo que se casa com a apuração que ocorreu no Supremo”, diz Fonteles.

A leitura do relatório de Gama indica que as conclusões da CPMI se basearam, em boa parte, nas investigações da Polícia Federal que correm no STF.

Entre os elementos citados para embasar as acusações contra o ex-presidente está a delação sigilosa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A comissão, porém, cita trechos da delação revelados na imprensa – não houve acesso ao conteúdo do acordo porque a Polícia Federal ainda está realizando diligências.

Segundo reportagens do portal UOL e do jornal O Globo que tiveram acesso à delação, Cid narrou à PF que Bolsonaro teria participado de uma suposta reunião com militares do alto escalão em 24 de novembro do ano passado, com intenção golpista de impedir a posse de Lula, eleito em outubro. No suposto encontro, teria sido discutida a minuta de um ato presidencial para convocar novas eleições e prender adversários.

As reportagens não apontam os nomes de todos os oficiais que teriam participado dessa reunião. Mas afirmam, citando a delação de Cid, que o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, teria demonstrado apoio à suposta tentativa de impedir a posse de Lula. O relatório de Gama, inclusive, também pede o indiciamento de Garnier, com base nas reportagens.

Nas acusações contra Bolsonaro, a senadora também cita os diversos ataques do ex-presidente ao sistema eleitoral ao longo de anos e a atuação da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno da eleição presidencial, quando centenas de ônibus foram interceptados, principalmente no Nordeste, supostamente com a intenção de dificultar que eleitores da base de Lula chegassem às zonas eleitorais.

A atuação da PRF também é alvo de investigação no STF e o ex-diretor-geral da instituição Silvinei Vasques está preso preventivamente desde agosto. Seu indiciamento também foi pedido no relatório de Gama.

Outro elemento trazido pela senadora contra Bolsonaro foi o depoimento prestado a CPMI pelo programador Walter Delgatti Neto, mais conhecido como “hacker da Vaza Jato”.

Em depoimento à comissão, ele acusou a campanha de Bolsonaro de querer forjar uma invasão de uma urna eletrônica, a menos de um mês das eleições. O intuito seria minar a confiança no processo eleitoral e manipular a opinião pública.

Também afirmou que o ex-presidente lhe pediu que assumisse a autoria de um suposto grampo contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Delgatti disse ainda que o ex-presidente lhe prometeu um indulto caso fosse preso pela ação contra as urnas eletrônicas. Mas o hacker não apresentou nenhuma prova de suas acusações.

Na ocasião desse depoimento, a defesa de Bolsonaro se manifestou por meio de nota, dizendo que Delgatti “apresentou informações e alegações falsas, totalmente desprovidas de qualquer tipo de prova, inclusive cometendo, em tese, o crime de calúnia”.

“A defesa esclarece ainda que, diante de informações prestadas pelo Sr. Walter Delgatti Neto, quando de sua passagem pelo Palácio da Alvorada, acerca de suposta vulnerabilidade no sistema eleitoral, o então Presidente da República, na presença de testemunhas, determinou ao Ministério da Defesa a apuração das alegações, de acordo com os procedimentos legais e em conformidade com os princípios republicanos, seguindo o mesmo padrão de conduta observado em todas as suas ações enquanto chefe de Estado”, disse ainda a defesa de Bolsonaro na ocasião.

Apesar de haver redundância entre o trabalho da CPMI e as investigações já em curso, a professora de direito constitucional da FGV Eloísa Machado elogiou o relatório de Gama por apresentar “um raio-x da degradação democrática promovida por Bolsonaro”.

“É o primeiro documento oficial de instituições brasileiras a imputar à cúpula do governo Bolsonaro o crime de golpe de Estado. Com os indiciamentos, o relatório expõe o que ainda não apareceu nos inquéritos do STF. Afinal, quem comandou a tentativa de golpe e como? O relatório responde: Bolsonaro e seus generais Braga Netto, Heleno, Luiz Eduardo Ramos”, escreveu na rede social X, antigo Twitter.

Já Cláudio Fonteles avalia que, independentemente das conclusões da CPMI, a PGR já teria elementos suficientes nas investigações contra Bolsonaro no STF para denunciar o ex-presidente por responsabilidade nos atos de 8 de janeiro.

“Já há fatos bastantes para denunciar pelo comando dos atos, não seria nem investigar. E ele (Bolsonaro) vai se defender (em um eventual processo)”, disse Fonteles.

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