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A grande disputa geoestratégica mundial está claramente posta. De um lado estão grandes países emergentes e seus aliados como China, Rússia, Índia, Turquia, Irã etc, que estão propugnando por uma ordem politicamente multipolar e economicamente mais equilibrada, na qual todos os países possam conviver de forma mais harmônica e simétrica. De outro, estão os EUA e alguns aliados, que tentam desesperadamente restaurar a hegemonia antes inconteste da grande superpotência mundial e impor uma ordem mundial unipolar e profundamente assimétrica.

Por isso, a nova doutrina de segurança dos EUA, completamente ignorada pela obtusa imprensa brasileira, não considera mais o combate ao terrorismo como seu alvo prioritário. Segundo o Secretário de Defesa, Jim Mattis, o “Cachorro Louco” que visitou recentemente o Brasil, “a grande competição pelo poder (mundial) – e não o terrorismo – é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA”.

E quem são os principais “inimigos” dos EUA nessa competição pelo poder mundial? Está lá escrito com todas as letras na Nuclear Posture Review, a nova política nuclear norte-americana, divulgada em fevereiro: China e Rússia. Eles e eventuais aliados.

Assim, os EUA declararam guerra às novas potências emergentes e à progressiva constituição de uma ordem mundial mais equilibrada e multipolar. Querem sua hegemonia absoluta de volta. Querem a restauração geopolítica da antiga ordem.

Tal restauração está fadada ao fracasso. Assim como Metternich, o famoso chanceler austríaco, acabou fracassando na sua tentativa de conter o avanço do liberalismo político na Europa, Trump fracassará em conter o avanço inexorável da China, Rússia e outros emergentes. Fracassará em impedir a liberalização e descentralização da ordem política mundial. Não há como deter a história.

Na realidade, no complexo tabuleiro geoestratégico do mundo, EUA e aliados estão na defensiva, na maior parte do globo.

No Oriente Médio, a intervenção da Rússia na Síria equilibrou um jogo de posições que pendia unicamente para os interesses dos EUA, Israel e aliados conservadores, como Arábia Saudita. A Turquia, país chave da região, passará a integrar a Shanghai Cooperation Organization (SCO. Também já anunciou que quer integrar o BRICS e participar da “des-dolarização” do comércio mundial e do Arranjo Contingente de Reservas do grupo, o que viria bem a calhar com o atual ataque especulativo à lira turca. Por isso, a imprensa tupiniquim, profundamente obtusa e ignorante em assuntos estratégicos, já começa a chamar Erdogan de “ditador”.

Na Ásia Central, a iniciativa da China do One Belt, One Road, colocará toda a região sob sua órbita geoeconômica. A China será a principal potência econômica mundial em breve. Não há forma de evitar isso. No Extremo Oriente, a Coreia do Sul mandou às favas os interesses belicistas norte-americanos e está se aproximando da Coreia do Norte de forma autônoma, visando, no futuro, a integração e unificação da península coreana.

Mesmo na Europa, já há fraturas na aliança antes sólida com os EUA. Contribui para isso a política protecionista agressiva de Trump, que vem fazendo adversários no mundo todo. Na América do Norte, a recente eleição de López Obrador, em boa parte motivada pelas humilhações impostas por Trump ao México, tende a redefinir uma relação profundamente assimétrica.

Aparentemente, a única região onde as forças da restauração conservadora norte-americana estão ganhando terreno é a América do Sul. Graças em grande parte, é claro, ao golpe no Brasil.

Com efeito, com o golpe, o nosso país passou rapidamente de grande ator internacional, criador do BRICS, cortejado e respeitado no mundo todo, a mero peão dos EUA em sua luta pela restauração de sua hegemonia.

Uma combinação abominável de subserviência política, sabujice ideológica, cegueira estratégica e interesses inconfessáveis substituiu, num átimo, a política externa ativa e altiva, que tanto nos elevou, por uma política passiva e submissa, que nos faz rastejar no tabuleiro de xadrez mundial como pária das relações internacionais.

O Brasil tornou-se vergonha mundial. Abdicou da integração regional, que tanto o beneficiava, para tornar-se capitão-do-mato dos interesses do Império. Obedecendo cegamente aos seus novos donos, dedica-se a perseguir países como a Venezuela e a dar pontapés em antigos aliados, como o pequenino Uruguai. Inviabilizou-se como mediador de conflitos e já não participa de quaisquer decisões sobre conflitos regionais. Perde protagonismo no mundo todo. Protagonismo diplomático e também econômico, já que a Lava Jato e o golpe destruíram nossas grandes empresas exportadoras de serviços.

Some-se a isso os retrocessos gritantes na política de Defesa, evidenciados pela participação dos EUA em exercícios militares na Amazônia e pela venda da Embraer à Boeing e temos um caso de país em profunda erosão de sua soberania. Um país que tende inexoravelmente à irrelevância.

O pior é que, como no passado neoliberal, esse ressuscitada subserviência não confere nenhuma vantagem econômica ou diplomática ao país. Ao contrário, quanto maior a subserviência, mais o Brasil é tratado a pontapés pelos EUA. Assim, a tentativa do governo golpista de ingressar rapidamente na OCDE, o “Clube dos Ricos”, sofreu veto imediato de Washington. Os EUA também não hesitaram em incluir o “comportadinho” Brasil do golpe na sua lista de países que sofreriam sobretaxas sobre aço e outros produtos.

Agora, vêm regularmente ao Brasil autoridades “subs” para nos esculachar em público, como fez recentemente o sub Pence. Num discurso inacreditável, feito em pleno Palácio do Itamaraty, em plena casa do Rio Branco, o sub esfregou na cara de Temer uma ação mais efetiva contra a Venezuela. Com mais de 50 crianças brasileiras presas em masmorras norte-americanas, sequer teve a decência de se desculpar pela prática nazista. Ao contrário, fez ameaças claras contra países que não respeitam as fronteiras dos EUA.

É que o se ganha com subserviência e cegueira estratégica. Pontapés, sobretaxas e vetos. As nossas “elites”, que vivem ideologicamente em Miami, não aprenderam que a restauração da hegemonia dos EUA exige vassalagem e assimetria.

Os EUA sabem muito bem que o Brasil é, agora, o “elo fraco” do BRICS e o peão que pode pender o equilíbrio de poder para seu lado na América Latina, região vital para a reafirmação da sua hegemonia. Por tal razão, é vital que a agenda entreguista e de subserviência geoestratégica promovida pelo golpe se aprofunde e se consolide.

As eleições presidenciais brasileiras têm, dessa forma, grande importância para o jogo geoestratégico mundial. Nelas, se vai se decidir se seremos, de novo, um grande país que defende seus interesses nacionais e uma ordem multipolar ou se continuaremos a ser mero peão dos EUA, condenados à eterna irrelevância de colônia vira-lata.

Entenderam porque Lula precisa continuar preso? Ou precisa desenhar?

MARCELO ZERO

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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