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Antônio Aggio Junior, ligado ao Deops, comandou a Folha da Tarde e empregou inúmeros agentes da repressão; Rose Nogueira, por sua vez, foi demitida enquanto estava simultaneamente encarcerada e de licença maternidade

Ficha funcional informa que Rose Nogueira foi demitida por “abandono de emprego” quando estava presa | Crédito: Divulgação/UFRJ

A contratação de agentes da repressão como jornalistas foi uma prática comum no Grupo Folha durante a ditadura, segundo confirma pesquisa que investigou as relações entre a empresa e o regime militar. O estudo também cita violações trabalhistas, incluindo a demissão de profissionais que sofreram perseguição política no período.

A pesquisa foi conduzida por especialistas de diversas universidades. A coordenação foi da professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Paula Goulart, que é referência em estudos envolvendo mídia e memória social. O grupo foi selecionado em um dos editais abertos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) para investigar o envolvimento de diferentes empresas em violações durante a ditadura.

Os recursos que financiam essas pesquisas são provenientes de um acordo com a Volkswagen. Em 2020, a montadora admitiu sua cumplicidade na perseguição de seus trabalhadores durante o regime militar e pactuou com o MPF um conjunto de medidas para reparação de danos. Entre elas, foram destinados R$ 4,5 milhões para as pesquisas coordenadas pela Unifesp. Dentre as empresas investigadas, a Folha de S. Paulo é a única empresa de mídia. Além de mergulhar em acervos já existentes em busca de documentos vinculados ao assunto, os pesquisadores entrevistaram mais de 40 pessoas.

Segundo concluíram, o alinhamento ao regime ganhou contornos mais explícitos após o Ato Institucional número 5 (AI-5). Decretado no final de 1968, ele abriu caminho para que as violações de direitos se aprofundassem. No Grupo Folha, a autocensura teria sido adotada de forma sistemática a partir de então, através de um rígido controle interno. De acordo com os pesquisadores, o policial civil Luiz Carlos Rocha Pinto, contratado como jornalista na Agência Folha, atuava como interlocutor dos censores.

A Folha da Tarde, atualmente extinta, foi a publicação do Grupo Folha mais enfática na manifestação de apoio ao regime militar. Ela foi entregue ao comando de Antônio Aggio Junior, que anos antes ocupava um cargo na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e guardava ligações com o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), órgão envolvido na repressão. Segundo a pesquisa, foi sob a gestão de Aggio que o jornal empregou como jornalistas diversos policiais e agentes do regime.

Um inquérito produzido pelo Superior Tribunal Militar (STM) em 1973 e agregado ao estudo evidencia a jornada dupla de agentes do Deops. Nele, consta que o carcereiro Messias Ayrton Scatena era também jornalista do Última Hora, um dos periódicos do Grupo Folha. Ele foi investigado e detido pelos militares por supostamente vazar informações sobre as ações da polícia à sua amante na época, Helena Miranda de Figueiredo, jornalista da Folha de S. Paulo.

A pesquisa coordenada por Ana Paula Goulart teve o mérito de reunir nomes de diversos policiais empregados e descrever de forma mais detalhada como se davam essas contratações. Mas essa prática, comum não apenas na Folha da Tarde mas também em outros veículos do Grupo Folha, já foi citada em outros estudos anteriormente. No livro Cães de guarda: jornalistas e censores, publicado em 2004 como resultado da pesquisa de doutorado de Beatriz Kushnir na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), menciona-se que “existiram policiais que cumpriram expediente nas redações, narrando e assinando colunas e artigos”.

A própria Folha de S. Paulo assume a prática. Em junho do ano passado, quando tomou conhecimento de achados da pesquisa, o jornal publicou trechos de um memorial interno escrito pelo jornalista Oscar Pilagallo. Embora produzido em 2005, ele não foi publicado na época. Segundo a Folha, boa parte das informações foi usada pelo jornalista no livro História da Imprensa Paulista, de 2011.

No memorial, Pilagallo atesta que houve um núcleo de funcionários ligados à polícia trabalhando nas redações da empresa. Ele cita inclusive que um deles circulava com uma pistola automática entre os colegas. Em pelo menos um caso, ele assegura que o contratado recebia dois salários: um do Grupo Folha e um do órgão policial. O texto divulgado pela Folha, no entanto, sinaliza que o contexto em que a prática foi adotada oferece uma justificativa: “Não haveria como resistir a pressões. Enfrentar o governo seria bravata”.

André Bonsanto, pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG) e um dos envolvidos na nova pesquisa, contesta um papel passivo do jornal. “A nossa investigação mostra o contrário. A Folha teve sim um protagonismo político muito claro”, disse durante um seminário para apresentação do estudo realizado no final do ano passado. Além de policiais, o Grupo Folha apostaria também na contratação de ex-militantes de esquerda que, quando estiveram presos, colaboraram com os militares. Segundo aponta a pesquisa, o pedido por emprego para estes “arrependidos” era, ocasionalmente, feito por agentes da repressão que tinham trânsito fácil na Folha.

Direitos trabalhistas

Ao mesmo tempo, foram mencionados casos específicos de demissão de trabalhadores que foram alvos de perseguição política pelos militares. Um deles envolve a jornalista Rose Nogueira, que foi demitida enquanto estava simultaneamente encarcerada e de licença maternidade. Segundo comprovaram os pesquisadores, em sua ficha funcional, foi registrado abandono de emprego.

A jornalista trabalhava na redação da Folha da Tarde quando foi presa em novembro de 1969, apenas 34 dias após o nascimento de seu filho. O próprio periódico fez referência à sua prisão e de outros jornalistas em matéria intitulada “Contra a subversão, polícia arma jogo da paciência”. De acordo com os pesquisadores, o Grupo Folha sabia do caráter político das prisões de seus empregados, mas mesmo assim os classificavam como terroristas.

Rose só soube da demissão por abandono de emprego quando foi solta em julho de 1970. “Quem preso vai trabalhar no jornal? Quem na licença maternidade vai? Eu estava com as duas coisas: licença maternidade e prisão”, questionou em seu depoimento para a pesquisa.

Ela também afirmou que houve adulteração da sua ficha cadastral. “Meu filho nasceu em 30 de setembro de 1969, no hospital 9 de Julho, na rua Peixoto Gomide. Eu fiquei internada 24 dias porque tive grande movimento de bexiga no parto. Eu trabalhei até um dia antes dele nascer. E aqui a Folha escreve que meu filho nasceu em 9 de agosto. Meu filho nasceu em 30 de setembro. Para que [a adulteração]? Para me dar o abandono de emprego no começo de dezembro.”

Procurado pela reportagem, o Grupo Folha afirmou, através de sua ombudsman Alexandra Moraes, que tudo o que o jornal apurou sobre os temas tratados pela pesquisa constam no conteúdo publicado em junho do ano passado que com base no memorial escrito pelo jornalista Oscar Pilagallo. Ele escreveu sobre o caso de Rose Nogueira. “Não é possível afirmar que, nesse caso, o Grupo Folha tivesse agido de acordo com os interesses da repressão. Não existem indícios suficientes de que isso tenha de fato ocorrido. O que há, apenas, é uma suspeita levantada pela vítima, com base em coincidência de datas. Por outro lado, não existe explicação para a versão que consta de sua ficha profissional”, diz o texto.

A jornalista Rose Nogueira | Foto: Memórias da Ditadura

Dados falseados também estão presentes na ficha cadastral do jornalista José Maria Domingues dos Santos, preso em 4 de novembro de 1969 acusado de subversão. A Folha o demitiu por justa causa e se esquivou de pagar verbas rescisórias. A prisão ocorreu após o fim de sua jornada de trabalho. “O Grupo Folha, para não configurar vínculo funcional na ocasião do encarceramento, colocou a data da sua desvinculação da empresa para a véspera, 03/11/1969”, observaram os pesquisadores.

Outro caso que chama a atenção é o de José Vidal Pola Galé, que trabalhava como jornalista da Agência Folha. Ele foi detido em novembro de 1975, dentro do próprio prédio da empresa. Segundo seu depoimento aos pesquisadores, o telefone de sua mesa tocou: era da portaria informando sobre a chegada de uma amiga. Na verdade, ele estava sendo esperado por dois agentes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão subordinado ao Exército. Quando ele desceu, foi abordado antes de pisar na calçada. “Provavelmente, quem pediu para ligar foram esses caras do DOI-Codi. Eles que armaram para eu descer e ser preso ali”, relatou.

Galé ainda teria seus dados pessoais expostos pelo próprio Grupo Folha. Um mês após ser preso, a Folha da Tarde publicou, sob a manchete “Dops arrasa o bando do nazismo vermelho”, a íntegra de um inquérito do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) que incluía seu nome junto a de outros 64 acusados de subversão. Foram acrescentadas ainda informações como idade, nome dos pais, data de nascimento, estado civil e endereço residencial completo de cada um.

Grupo Folha noticiou a prisão de seu próprio jornalista como sendo de “bando do nazismo vermelho” | Crédito: Reprodução

Amanda Romanelli, estudante de doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que também integrou a pesquisa, considera que o episódio ilustra como a relação entre o Grupo Folha e o regime militar tinha contornos específicos. “Óbvio que nesse período, principalmente depois do AI-5 e com o intenso controle das informações, a imprensa de uma forma geral publicava tudo vinha que de oficial das forças de segurança. Então havia um monte de nota oficial sendo reproduzida nos veículos de comunicação com maior ou menor contextualização. Mas a publicação de um relatório de inquérito do Dops na sua integralidade é um pouco demais”, avalia.

Demissões também ocorreram em 1979 por ocasião de uma greve liderada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, com duração de 12 dias. O Grupo Folha passou a dispensar empregados envolvidos na paralisação. O total de desligamentos gera divergências. Teriam sido 43 segundo o Serviço Nacional de Informações (SNI). O órgão do regime militar realizou um levantamento cujo documento integra o acervo do Arquivo Nacional. Mas com base em sua própria apuração, o Sindicato de Jornalistas sustenta que foram 64 demitidos, dos quais 32 da Folha de São Paulo, 21 da Folha da Tarde, sete do Notícias Populares, dois da Gazeta Esportiva e dois de A Gazeta.

Danos morais e materiais

Para os pesquisadores a presença de agentes da repressão na redação, bem como as demissões arbitrárias, causaram danos coletivos diretos que atingiram o corpo de trabalhadores do Grupo Folha e também danos morais e materiais individuais para aqueles que foram desligados. Eles sustentam que, diante da presença dos policiais, os jornalistas foram submetidos a situações vexatórias e obrigados a trabalhar em condições perigosas e insalubres. “A Folha deve pedir desculpas às vítimas e aos seus familiares, bem como promover formas de indenização pelos danos morais e materiais causados”, registra o relatório.

O MPF irá avaliar se cobrará reparação pelas violações identificadas na pesquisa. A conclusão dos trabalhos dos pesquisadores era aguardada para dar prosseguimento a um inquérito civil aberto em 2022 para apurar a relação entre a Folha de S. Paulo e o regime militar. O relatório já foi recebido, mas o MPF informa que aguarda o envio de todo o material na íntegra “para efetuar a análise e definir os próximos passos”.

A contratação de agentes do regime e as violações de direitos trabalhistas foram apenas duas questões abordadas pela pesquisa. Outras práticas como o empréstimo de carros do jornal para ações de repressão, além do posicionamento editorial e do crescimento econômico do Grupo Folha também foram pesquisadas. Uma eventual ação civil pública do MPF poderá adentrar em todos esses temas.

Recentemente, um inquérito também já foi aberto pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). A decisão foi tomada no final de janeiro pelo promotor Reynaldo Mapelli Júnior e pelo analista jurídico Lucas Martins Bergamini. Eles receberam o relatório do MPF e pontuaram que a pesquisa descreveu a atuação da Folha de São Paulo “de modo minucioso”, apontando o apoio ao regime militar, a legitimação do regime, a obtenção de benefícios econômicos, a contratação de militares e policiais na ativa, o apoio material ao aparato repressivo, a violação de leis trabalhistas e os danos aos trabalhadores presos e perseguidos.

Com informações do Diário do Centro do Mundo

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