Jacqueline Rolim, que é pastora da Assembleia de Deus, votou no presidente em 2018. Durante a pandemia, se arrependeu tanto da escolha que fez que chegou a postar um vídeo nas redes sociais pedindo perdão. Foto: BBC Brasil
‘Fez piada com falta de ar’: a evangélica que pediu perdão público por voto em Bolsonaro
Por Nathalia Passarinho – @npassarinho, da BBC News Brasil em Londres
“Venho publicamente pedir perdão pelo meu voto equivocado para presidente da República do Brasil”.
Essa frase foi dita pela pastora Jacqueline Rolim, da Assembleia de Deus, em Brasília, em vídeo postado nas redes sociais. Com as mãos unidas em formato de prece, ela convida outros evangélicos a participarem de um protesto contra Jair Bolsonaro.
Eleitora do presidente em 2018, Jacqueline diz que a “gota d’água” para que se arrependesse a ponto de pedir perdão publicamente foi o dia em que Bolsonaro imitou pessoas com covid com falta de ar.
“Mudei de opinião durante a pandemia, quando ele começou a imitar alguém que estivesse morrendo sem ar. Ele não comprava vacina e ficava dizendo: ‘é só uma gripezinha e ficava imitando alguém arfando, tentando respirar’”, lembra.
“Eu tenho bronquite asmática. Eu sei o que é ficar sem ar. Isso me doeu e eu entendi que ele estava agindo com impiedade, como um anti-cristão totalmente.”
O vídeo do pedido de perdão, publicado em setembro do ano passado no Instagram e Facebook, chocou parentes e colegas de Jacqueline na igreja.
Ela chegou a ser excluída do convívio de alguns pastores. Mas acabou conhecendo e se aproximando de outras evangélicas que, como ela, se decepcionaram com Bolsonaro.
“Minha irmã me chamou de comunista no WhatsApp, ficou escandalizada. Pessoas da igreja me abandonaram e me rejeitaram. Até pessoas que eu conheço desde criança, que são pastoras, deixaram de me seguir nas redes sociais e não têm mais contato comigo, não querem conversa”, contou ela em entrevista à BBC News Brasil.
“Mas eu também conheci um grupo de mulheres evangélicas negras que pensam como eu e que querem mudar o que está acontecendo com o Brasil.”
Pesquisas de intenção de voto mostram que homens evangélicos continuam com Bolsonaro, mas as mulheres estão praticamente divididas entre Lula e o presidente. Foto: BBC Brasil
Em 2018, quase 70% dos evangélicos votaram em Jair Bolsonaro — apoio maciço que ajudou a alimentar a ideia de que seriam um grupo quase homogêneo, que vota em bloco.
Naquele ano, os evangélicos definiram o resultado, dando 11 milhões de votos a mais a Bolsonaro na disputa com o candidato do PT, Fernando Haddad.
Mas, neste ano, pesquisas de intenção de voto mostram que a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa tem provocado rachas nesse eleitorado — homens evangélicos continuam com Bolsonaro, mas as mulheres estão praticamente divididas entre os dois candidatos, conforme as últimas pesquisas de opinião.
E, segundo especialistas, são as evangélicas, que em sua maioria são de baixa renda, pretas e pardas, que poderão definir quem vai presidir o Brasil a partir de 2023. Afinal, elas são quase 60% dos evangélicos no Brasil.
“Eu não tenho dúvida de que as evangélicas negras vão decidir essas eleições”, diz a antropóloga Jacqueline Teixeira, professora da Universidade de São Paulo e autora de livros e artigos sobre crescimento evangélico no Brasil.
Casada e mãe de quatro filhos, Jacqueline está entre as 31% de mulheres que migraram o voto de Bolsonaro para Lula, conforme a pesquisa de opinião Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira (11/05).
“Hoje eu voto no Lula porque é o único dos candidatos que se apresentam que correspondem às necessidades do povo trabalhador, do pobre, e que tem uma agenda pacificadora”, explica a pastora.
Mas qual foi a mensagem de Bolsonaro que atraiu o voto de Jacqueline em 2018?
De Lula para Bolsonaro e de volta a Lula
Jacqueline Rolin conta que foi excluída do convívio de alguns pastores e parentes após declarar voto em Lula e criticar publicamente Bolsonaro. Foto: BBC Brasil
A pastora de Brasília conta que votou em Lula na eleição de 2002, mas se frustrou com o petista quando ele se aliou a partidos de centro-direita para governar, como o PMDB e o PP.
“Quando o Lula foi eleito em 2002, pela primeira vez, foi uma festa. Só que logo ele começou a negociar com o pessoal da direita”, diz.
“Quem gostava das ideias que ele pregava antes, como os trabalhadores, ficou decepcionado. Foi o meu caso. Eu fiquei muito decepcionada, eu me senti traída.”
Na eleição de 2018, Jacqueline votou em Marina Silva no primeiro turno. “Era uma mulher preta, evangélica, que tinha boas propostas para o país.”
No segundo turno, se viu obrigada a escolher entre o candidato do PT, Fernando Haddad, e Bolsonaro.
“A gente ficou entre a cruz e a espada. Eu não confiava no candidato petista. E eu não concordava com o Bolsonaro, mas também não o conhecia, porque quando me senti traída eu me alienei. Não quis mais saber de política, não queria me envolver mais”, conta.
Jacqueline, então, optou por Bolsonaro por ele se dizer cristão e falar constantemente em Deus.
“Escolhi ir lá sem compromisso, sem conhecimento. Eu pensei: ‘Vou arriscar. Não me importo mais. Ele está fazendo uso do nome de Deus, usando o versículo. Quem sabe ele faz alguma coisa por causa de princípios cristãos, né’.”
Na entrevista à BBC News Brasil, ela se emocionou algumas vezes ao falar do momento em que se arrependeu do voto em Bolsonaro.
“Jesus é amor. O meu compromisso é com o amor e eu vejo meus irmãos que dizem pregar o amor e que ainda estão com Bolsonaro. Eles ainda não perceberem que o governo é totalmente contrário à atitude de amor, de inclusão e de acolhimento às pessoas que não têm recursos.”
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