É muito estranho vermos setores progressistas, de esquerda, democráticos e vinculados aos valores republicanos defender a urna eletrônica sem impressão do voto. O voto invisível.
Anuncia-se amplamente que em nenhum lugar do mundo, ou quase, esta urna sem impressão do voto é utilizada.
Assistimos, recentemente, na eleição americana, os eleitores colocarem a cédula na máquina, que lê o voto e o computa, e a cédula cair numa urna e lá ficar guardado.
Trump quis desacreditar as eleições e tentou contestar a vitória de Biden. Os votos foram recontados em quatro estados e Trump ficou falando sozinho.
Só conseguiu algumas dezenas de fanáticos celerados para invadir o Capitólio e saiu ainda mais desmoralizado. Os votos recontados celebraram a vitória de Biden, que saiu ainda mais legitimado.
No Brasil, nenhuma recontagem pode ser feita porque não existe voto para ser recontado. É invisível.
Muitos alegam que nenhuma fraude foi apontada em 25 anos.
Claro, não há o que apontar, ninguém vê nada, tudo depende da maquininha e das pessoas que preparam e operam a maquininha. O eleitor tem que confiar nos espíritos, ficar possuído de imensa fé.
Na chamada República Velha, a falava-se de “eleição a bico de pena”. A pena fazia as atas que proclamavam os eleitos.
Contra isto se fez a Revolução de 1930, chefiada por Getúlio Vargas. O voto passou a ser feito em cédulas, contadas e recontadas.
Com o avanço tecnológico, disseram-nos que a urna eletrônica eliminaria fraudes verificadas em muitos pontos do País.
Celebramos. Só que as fraudes, que efetivamente aconteciam em muitos lugares, podiam ser desmanchadas por recontagens sob o crivo de juízes da Justiça Eleitoral, muitas vezes dedicados.
E agora, com voto invisível? Nenhuma fraude pode ser apontada, muito menos apurada.
Na última eleição, o candidato a vereador na cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, Diamante Negro, brizolista de tradição, líder de seu bairro populoso, agora candidato pelo PT, impressionava pelas movimentações que fazia, o candidato a prefeito se encantava com suas caminhadas.
No final, uma ninharia de votos. Estupefato e com reação indignada dos moradores do bairro, que reclamavam seus votos, correu à Justiça Eleitoral.
Lá mostraram pra ele uma folhinha da urna com seus minguados votos, nada mais podia ser feito.
Na República Velha, exibiam as atas feitas a bico de pena; agora, a folhinha da urna eletrônica.
Aliás, o prefeito bolsonarista eleito naquela cidade surpreendeu todas as expectativas, foi eleito da noite pro dia. Muitos dizem, na noite da contagem dos votos pela urna eletrônica.
A urna eletrônica surgiu com muita publicidade pelos meios de comunicação. O cineasta Arnaldo Jabor, algo porta-voz do governo FHC no horário nobre de televisão, fez verdadeiras poesias de louvor à urna eletrônica.
Muitos externaram preocupação, a figura de Leonel Brizola à frente, com sua força política e moral, e tentaram agregar a impressão do voto à urna eletrônica.
Simples assim: o eleitor veria o voto dado, se estivesse de acordo, apertaria “confirma” e o voto cairia em uma urna.
Se houvesse contestação válida aos votos daquela urna, o juiz determinaria abrir e recontar os votos.
Como deputado federal batalhei muito para isto, ao lado de Brizola.
Técnicos e especialistas sempre apontavam as possibilidades de fraude. Mas o TSE se movimentava, o presidente na época, Nelson Jobim, à frente, nada conseguimos.
Mais tarde, deputados e senadores, que entendem mais de eleição do que juízes, aprovaram lei determinando a impressão do voto agregada à maquininha, com apoio do Presidente da República, que a sancionou.
O TSE escorregou, tergiversou, não aplicou a lei.
Levanta pretextos de custos, distorcidos, pois calculavam não apenas as peças agregadas, mas todo o custo da urna com impressão.
Acontece que os orçamentos da República são feitos pelo Congresso, não pelo Judiciário.
Aliás, o TSE construiu imenso prédio em Brasília, altamente luxuoso.
O Congresso fez mais duas leis e o TSE acionou a Procuradoria Geral da República para levar o caso ao STF, que considerou a lei inconstitucional.
De estarrecer: violaria o sigilo do voto.
Como, se o voto ficaria guardado na urna?
Aliás, a respeito, a Suprema Corte da Alemanha considerou que não imprimir o voto, e este ficar invisível, sem controle material, sem possibilidade de recontagem, viola os direitos do eleitor, fere o regime democrático e desacredita a República.
É séria e grave a preocupação com a urna eletrônica sem voto impresso.
De um lado, o mesmo grupo comanda o TSE na preparação e operação da urna e a mesma empresa ganha todas as licitações, quando são feitas. Ninguém os conhece, sem nenhuma responsabilidade pública.
Por outro lado, os que defendem a urna sem voto impresso são os setores conservadores “mais modernos”, com apoio dos meios de comunicação, que sempre tiveram atuação política nítida nos últimos tempos da vida brasileira.
Sempre de maneira contrária aos interesses populares e nacionais. E os que estão à frente do TSE impedindo a adoção do voto impresso já revelaram às escâncaras seus posicionamentos.
Agora, o Ministro Roberto Barroso acaba de fazer pronunciamento nacional (é incrível, mas um juiz se dirige à nação para se posicionar sobre processo eleitoral, usando recursos públicos para defender sua posição política).
Aliás, o Ministro Roberto Barroso assumiu posição muito incisiva votando pela manutenção da prisão do Presidente Lula na questão da prisão em segunda instância, coisa estranha que o STF criou no direito brasileiro contra texto da Constituição.
E mais incisivo ainda foi agora ao votar favorável ao Moro, decretado suspeito pelo Supremo, e pela continuidade dos processos contra Lula pela Lava Jato de Curitiba, considerados nulos.
Surge estarrecedora a posição de alguns da área progressista favorável à urna eletrônica sem voto impresso, ao lado do conservadorismo mais requintado.
E dizem ser contra porque Bolsonaro está defendendo a impressão do voto, como muitos da esquerda o fazem e já o fizeram.
Talvez, pela primeira vez, Bolsonaro defenda uma coisa com sentido. E dizem que Bolsonaro faz isto porque tem vínculos com a milícia, a impressão do voto beneficiaria a milícia.
Mas como, se o voto fica guardado na urna? O problema da milícia é grave, mas submeter as estratégias políticas progressistas à questão da milícia é pensar política de maneira muito estreita.
A impressão do voto agregada à urna eletrônica nos livraria de um problema delicado: como está pintando a derrota de Bolsonaro, com a recontagem ele e sua turma ficariam sem base para contestar a eleição de Lula.
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