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São quase 14 mil de crianças de até seis aos na fila, o que impede as mães trabalharem ou avançarem na carreira

As aulas da rede pública de ensino do Distrito Federal começam nesta segunda-feira (19), mas quase 14 mil bebês e crianças pequenas ainda aguardam uma vaga para estudar neste ano. A informação foi confirmada pela Secretaria de Educação do DF (SEE), que, em 2024, está ofertando 31.496 vagas em creches, das quais 27.627 são disponibilizadas por instituições parceiras — organizações da sociedade civil que recebem recursos do governo para gerir escolas que são consideradas públicas, apesar de não estarem diretamente sob a administração da SEE.

Além disso, 6.257 famílias são beneficiárias do programa Cartão Creche, que paga um valor mensal que deve ser destinado à matrícula dos pequenos em uma organização privada, credenciada pela Secretaria.

Segundo um levantamento do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), de 2021, a população de crianças na primeira infância, no DF, é de cerca de 280 mil. Ou seja, apenas 13% dos estudantes de até seis anos de idade são assistidos, em alguma modalidade, pela rede de ensino

A subsecretária de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação da SEE, Francis Ferreira, diz que o GDF planeja ofertar mais 1.139 vagas este ano
A subsecretária de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação da SEE, Francis Ferreira, diz que o GDF planeja ofertar mais 1.139 vagas este ano(foto: Arquivo pessoal)

A subsecretária de educação, Francis Ferreira, explica que, das quase 32 mil vagas, 28.500 são reservadas às crianças que já estão matriculadas e estudando, e apenas migraram para a série seguinte da educação infantil. Isso significa que, de 2023 para cá, o Governo do Distrito Federal (GDF) ampliou em 3 mil vagas o atendimento da rede.

A pasta informa que está concluindo seu planejamento anual e que há uma previsão, ainda não confirmada, do aumento de mais 1.139 vagas para crianças de 0 a 3 anos, possibilitadas pelo pedido de ampliação por parte das instituições de ensino parceiras.

Para sanar de forma definitiva a imensa lista de espera, Francis afirma que a Secretaria de Educação tem empenhado esforços para ampliar o número de vagas para toda a rede. “Realizamos, recentemente, a revisão do Manual de Creches, para dar mais celeridade ao encaminhamento da fila. Também estamos em fase de execução do Plano de Obras, que prevê novas creches para 2024. Além disso, publicamos um decreto que permitiu o atendimento » Priscila Crispi A subsecretária de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação da SEE, Francis Ferreira, diz que o GDF deve inaugurar 18 creches públicas em 2024 Arquivo pessoal superior a 200 crianças por instituição escolar”, lista a subsecretária.

Na visão do presidente da Comissão de Educação da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CESC/CLDF), Gabriel Magno (PT), mesmo com o aumento anunciado de 3 mil vagas, o deficit segue muito grande. “A estratégia do GDF para diminuir a fila é o Cartão Creche, que é um processo de precarização, para contratação de creche privada. Dessa forma, se desresponsabiliza o poder público da oferta e controle de qualidade da educação infantil”, defende o deputado distrital.

Gael Inácio, 2 anos, frequenta uma creche particular. O preço da mensalidade pesa no orçamento da mãe, Bruna Cabral
Gael Inácio, 2 anos, frequenta uma creche particular. O preço da mensalidade pesa no orçamento da mãe, Bruna Cabral(foto: Fotos: Joana Cabral/CB)

Bruna dos Santos Cabral, 30 anos, é consultora de vendas e mãe de Gael Inácio, de 2. A família mora em Samambaia Norte. Ela conta que cadastrou o menino na fila de espera da Secretaria quando ele completou quatro meses, idade mínima para ingressar em uma creche, mas, até hoje, não foi contemplada com uma vaga. “Precisava voltar ao trabalho ao fim da minha licença e, como a vaga não saiu a tempo, tive que sair do emprego e ficar em casa com ele”, lembra.

Hoje, Bruna, que é separada do pai da criança, fica com o menino todas as manhãs e conta com a ajuda da mãe e da irmã para levar e buscar o filho na creche particular, que ela se esforça para conseguir pagar, pela tarde, durante o turno oposto do seu trabalho. A avó cuida de Gael depois que ele sai da creche até que Bruna retorne do serviço, somente às 20h30. “Eu não tinha muitas opções, precisava tirar a sobrecarga da minha mãe de ficar o dia todo com ele, até porque ela trabalha em home office, então, ter uma criança pequena dependendo dela atrapalha bastante”, diz.

Ela pondera que receber, ao menos, o benefício do Cartão Creche seria um alívio nas contas do mês. “Toda ajuda é bem-vinda, porque não tenho somente o gasto com a mensalidade, tem uniforme, lanche, material escolar…”, enumera.

Obras

Gabriel Magno acredita que, apesar do Cartão Creche ser uma ajuda emergencial válida, somente a construção de creches públicas pode resolver, a longo prazo, o problema. Segundo o GDF, em 2023, houve a inauguração de duas creches rurais localizadas no Paranoá e em Planaltina, além de três novos Centros de Educação da Primeira Infância (Cepi) em Planaltina e Ceilândia. Para 2024, há a previsão de entrega de mais 18 Cepis, a começar por Santa Maria, inaugurado para o início do ano letivo.

“O que nos preocupa é que o governador disse que esse seria o ano de entregas de escolas, mas o orçamento para a educação infantil diminuiu. Não há, por exemplo, uma única linha no Plano Plurianual sobre a construção de creches, e o orçamento para essas instituições de ensino ficou zerado na Lei Orçamentária Anual”, afirma o deputado.

Ele diz que, das 19 novas creches anunciadas pelo GDF para serem inauguradas em 2024, 14 foram construídas com recursos federais, liberados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. “O orçamento do governo federal é importante para nós, mas qual parte do orçamento próprio do GDF vem sendo investido para isso? E mais, qual o estado dessas obras? Acompanhamos várias delas ano passado, nenhuma das prometidas foi entregue, estavam todas em estado muito inicial. Eles prometem, mas quando você vai checar, a obra está paralisada”, cobra.

De acordo com levantamento da Comissão de Educação, 99% das creches públicas do DF são conveniadas. “O setor privado é insuficiente, recebemos, toda semana, denúncias na Comissão vindas de famílias que não encontram vaga nem nas creches conveniadas. É preciso construir novos prédios urgentemente”, completa Magno.

Superlotação


Por determinação da Secretaria, todas as instituições credenciadas precisam respeitar o número mínimo e máximo de crianças por sala, que varia de 8 a 28, a depender da infraestrutura da escola e da faixa etária dos pequenos. Para o Berçário 1, por exemplo, o máximo é de 15 crianças por turma.

“As organizações com quem temos um termo de colaboração, mas atendem em prédios próprios, são verificadas pela Secretaria. Temos uma área que faz inspeção de infraestrutura e também um setor de inspeção pedagógica. No caso do Cartão Creche, a gente apenas manifesta uma anuência para habilitar a creche interessada. Essa anuência também acontece após visitas iniciais desses dois setores. Então, nossos termos sempre incluem um quantitativo mínimo e máximo de alunos”, explica a subsecretária Francis.

Ela afirma que, no caso dos termos de colaboração com escolas parceiras, há um acompanhamento semanal para checar se estas estão cumprindo o contrato, o que inclui a inspeção desde a merenda oferecida até a enturmação, que é o processo de alocação de alunos por salas. Para as creches cadastradas no programa de auxílio-creche, porém, só é feita uma nova visita no caso de solicitação de ampliação da oferta de vagas ou denúncia.

A CLDF diz que vem recebendo denúncias de creches credenciadas que apresentam superlotação ou irregularidades na contratação das equipes de educação infantil.

Mães prejudicadas

A socióloga Camila Galetti pesquisa mulheres no mercado de trabalho: creches são importantes para equidade de gênero
A socióloga Camila Galetti pesquisa mulheres no mercado de trabalho: creches são importantes para equidade de gênero(foto: Arquivo pessoal)

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) demonstrou que, entre os anos de 2012 e 2022, o número de domicílios com mães solo cresceu 17,8% no Brasil, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões. Ou seja, em uma década, ocorreu um aumento de 1,7 milhão de mães solo nas famílias brasileiras, em especial entre mulheres pretas e pardas

Além disso, a maior parte das mães solo (72,4%) vive em domicílios monoparentais, sendo compostos apenas por elas e seus filhos. São mulheres que não moram com parentes que teriam o potencial de ajudar nas responsabilidades familiares. No Distrito Federal, o quantitativo de domicílios em que a referência era uma mãe solo, em 2022, chegou a 15,6%.

O estudo também observou que uma parcela expressiva dessas mães não possui ensino superior. Mais da metade possui, no máximo, ensino fundamental completo, e menos de 14% tem graduação.

“O fato de não ter vaga em creches implica diretamente em que a mulher não possa se especializar, fazer uma graduação, uma pós-graduação. E aí ela vai ficando cada vez mais para trás no mercado de trabalho. Quando essa mulher consegue uma vaga numa creche pública, ela vai conseguir amenizar, diminuir a sobrecarga do trabalho de cuidado. Creches particulares são, em sua maioria, para pessoas de classe média alta, que vão conseguir pagar esse valor de mensalidade. Por isso, as mães mais vulneráveis vão sendo jogadas para subempregos. Isso aumenta a precariedade e a jornada de trabalho dessas mulheres”, explica Camila Galetti, socióloga e doutoranda da Universidade de Brasília em teoria feminista.

Outra pesquisa, realizada pela empresa de mobilidade ECA International, demonstrou que os custos dos cuidados infantis aumentaram 6%, somente no ano passado, no mundo todo. No Brasil, com o alto preço das mensalidades, apenas 30% das crianças com menos de três anos estão matriculadas em creches.

A organização concluiu que a alta dos custos com a Mães prejudicadas Acesso à educação educação de crianças pequenas, causada pelo aumento da inflação observado desde a pandemia, e a consequente limitação da força de trabalho feminina têm provocado, por fim, queda em toda a economia.

Oportunidade perdida

Eduarda chegou a ir à Justiça para tentar uma vaga para Sophia — "Ia resolver toda a minha vida, ia conseguir terminar meus estudos"
Eduarda chegou a ir à Justiça para tentar uma vaga para Sophia — “Ia resolver toda a minha vida, ia conseguir terminar meus estudos”(foto: Fotos: Arquivo pessoal)

Eduarda Lima é uma das 14 mil mães à espera de uma vaga que vêem as portas para inserção profissional se fecharem em função da maternidade. Aos 18 anos, é mãe de Sophia, de 2. Está na fila por uma vaga em creche pública ou pelo auxílio-creche do GDF há mais de um ano e chegou a ir à Justiça para tentar garantir o direito da criança, mas perdeu a ação.

Quando engravidou, teve que interromper os estudos. Agora, precisa completar o terceiro ano do ensino médio para conseguir realizar o sonho de cursar uma graduação em enfermagem.

A garota vive no Setor de Mansões de Sobradinho, sozinha, com a filha. A mãe e a irmã não conseguem ajudar no cuidado com Sophia porque trabalham o dia todo — o pai só vê a criança aos fins de semana. Sem condições de arcar com a mensalidade de uma creche particular, Eduarda passou a contar com a ajuda da madrinha de Sophia, sua prima, e, assim, conseguiu uma vaga, pela noite, em um curso técnico de enfermagem que não exigia o diploma de conclusão do ensino básico.

A rotina é puxada: Eduarda deixa a menina com a madrinha em Sobradinho 1 e corre para o trabalho. Pela tarde, busca Sophia e fica com ela até a noite, quando tem que deixar a filha novamente aos cuidados da prima para estudar.

“Se eu conseguisse essa vaga, ia resolver tudo na minha vida! Ia terminar o ensino médio, poderia arrumar um emprego em que receba mais para pagar a faculdade… Eu já até terminei as matérias do curso técnico, só faltam os estágios, estou indo atrás, mas todos que aparecem são para o dia todo”, conta.

Com informações do Correio Braziliense

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