Presidente destacou desigualdade urbana, mudanças climáticas e necessidade de novos pactos para transformar cidades em motores de desenvolvimento
247 – Durante a abertura do Urban 20 (U20), no Rio de Janeiro, neste domingo (17), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a reforma da governança global será uma das prioridades da presidência brasileira do G20. Em um discurso abrangente, Lula enfatizou a centralidade das cidades na luta contra desigualdades, na ação climática e na construção de um futuro sustentável e inclusivo.
“A imensa riqueza gerada nas megalópoles não chega ao bolso dos trabalhadores que as habitam”, destacou o presidente, apontando para as contradições urbanas na América Latina, a região mais desigual do mundo. Para Lula, cidades como Nova York, Santiago, Paris e Rio de Janeiro ilustram o potencial econômico, mas também as disparidades sociais que precisam ser enfrentadas de forma coordenada.
Desigualdade e o papel das cidades
Mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas, responsáveis por 80% do PIB global, mas muitos enfrentam pobreza extrema e exclusão. Segundo Lula, a desigualdade é especialmente evidente no Brasil, onde mulheres negras são a maioria nos assentamentos precários. “Seus filhos são as maiores vítimas da violência urbana, que anualmente ceifa vidas em números comparáveis aos de guerras”, disse.
O presidente também mencionou o impacto das mudanças climáticas, que desproporcionalmente afetam os centros urbanos. “As cidades são responsáveis por 70% das emissões de gases de efeito estufa e 75% do consumo global de energia, mas também enfrentam as consequências mais severas das mudanças climáticas, como enchentes e ondas de calor.”
Governança e financiamento: desafios para a transformação
A reforma da arquitetura financeira global foi outro ponto-chave. Lula argumentou que cidades, especialmente no Sul Global, enfrentam um déficit crítico de financiamento que impede avanços na infraestrutura urbana e na transição ecológica. “Não será possível construir uma Nova Agenda Urbana sem investimento e sem governança multilateral adequada”, afirmou, reiterando a necessidade de repensar os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento.
Lula também homenageou a liderança de Anacláudia Rossbach à frente do ONU-Habitat, destacando sua importância para políticas públicas baseadas na ciência e na inclusão.
Ação local e global para um futuro sustentável
O presidente encerrou seu discurso citando a vereadora Marielle Franco, lembrando sua luta por uma cidade mais inclusiva. “A luta de Marielle é imperativa para criar cidades sustentáveis e que atendam às necessidades de todos.” Lula também sublinhou a importância de iniciativas como o C-40, rede global de cidades comprometidas com o combate à crise climática.
“A presença de tantas prefeitas e prefeitos aqui hoje é prova de que os governos locais querem e podem fazer sua parte”, concluiu, reforçando que as cidades devem ser protagonistas nas soluções globais e que o G20 no Brasil buscará pavimentar esse caminho.
Leia a íntegra do discurso:
“É fundamental que este encontro ocorra às vésperas da Cúpula de Líderes do G20.
Há milênios, os assentamentos urbanos atraem as esperanças de milhões de pessoas.
Seus mercados e comércios são pontos de contato entre sociedades muitas vezes distantes.
De suas universidades e bibliotecas, vieram grandes inovações.
Em suas ruas e praças, ideias se tornam realidade.
Os municípios são catalizadores de mudanças profundas.
Mais da metade da população mundial vive em cidades, que geram 80% do PIB global.
Algumas megalópoles como Nova York, Santiago, Paris e Rio de Janeiro produzem mais riquezas do que muitos países inteiros.
Ao mesmo tempo, vilarejos empobrecidos lutam contra o êxodo de jovens para se manterem vivos e viáveis financeiramente.
Nas cidades os adjetivos costumam ser superlativos. E os contrastes também.
Isso é particularmente verdadeiro na América Latina, que, segundo o PNUD, é o continente mais desigual do mundo e experimentou uma das urbanizações mais aceleradas da História.
A imensa riqueza gerada nas megalópoles não chega ao bolso dos trabalhadores que as habitam. O conhecimento criado muitas vezes não alcança suas crianças.
Os três eixos prioritários escolhidos pela presidência brasileira do G20 dialogam diretamente com os desafios que milhares de prefeitos de todo o planeta enfrentam no cotidiano de suas cidades.
O combate às desigualdades, à fome e à pobreza é essencial para a implementação do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 11 sobre cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis.
Em sociedades cada vez mais desiguais, o lugar onde uma pessoa mora é determinante no seu acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à segurança pública.
Deste Armazém da Utopia vemos o Morro da Providência, a favela mais antiga do Brasil.
Estamos, também, a apenas dez quilômetros da favela da Maré, berço da vereadora Marielle Franco, barbaramente assassinada por sua luta pelo direito à cidade e pelos direitos humanos – a quem rendo a minha homenagem.
Um quarto dos habitantes do planeta vive em assentamentos precários.
No Brasil, as mulheres negras são maioria nesses territórios.
Seus filhos são as maiores vítimas da desigualdade e da violência urbana, que todos os anos cobra um número de vidas semelhante aos das guerras mais violentas.
Por essa razão, tenho defendido um novo pacto federativo, com o envolvimento de todos os Poderes, para colocar a segurança pública como prioridade nacional e manter nossa juventude viva.
Também estamos implementando uma nova etapa do nosso maior programa habitacional, o Minha Casa, Minha Vida, que articula modalidades inovadoras de incentivos a um mercado habitacional mais sustentável.
A luta de Marielle por uma cidade mais inclusiva, uma educação pública transformadora, e pelo acesso a todos a um serviço publico de qualidade é imperativa para criar cidades sustentáveis e que atendam às necessidades de todos.
O planejamento urbano também terá um papel crucial na transição ecológica e no enfrentamento à mudança do clima – segunda prioridade do nosso G20.
As cidades são responsáveis por 70% das emissões de gases de efeito de estufa e 75% do consumo global de energia.
Esses mesmos centros urbanos estão desproporcionalmente expostos às consequências das mudanças climáticas, à subida do nível dos oceanos, às ondas de calor, à insegurança hídrica e a enchentes avassaladoras, como as que vimos recentemente no Sul do Brasil, na Colômbia e na Espanha.
A ação climática pode servir como ferramenta para uma agenda urbana mais ampla de inclusão e justiça social.
A transição ecológica é uma oportunidade valiosa de gerar emprego e renda para a juventude nos grandes centros urbanos.
As cidades não podem custear sozinhas a transformação urbana.
Elas não podem ser negligenciadas nos novos mecanismos de financiamento da transição climática.
Infelizmente, os governos esbarram em uma enorme lacuna de financiamento no Sul Global.
Apenas uma parcela dos recursos necessários chega aos países em desenvolvimento e uma parte ainda menor alcança nossas metrópoles.
Existe um déficit no financiamento urbano, que não consegue acompanhar o ritmo da urbanização desordenada em muitas partes do mundo, como a África, a Ásia e a América Latina.
Por isso, a terceira prioridade da presidência brasileira do G20 é a reforma da governança global, inclusive de sua arquitetura financeira e dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento.
Não será possível construir uma Nova Agenda Urbana sem investimento e sem governança multilateral adequada.
Temos muito orgulho de ter a brasileira Anacláudia Rossbach à frente do ONU-Habitat. Sua liderança será central para apoiar governos nacionais e locais a enfrentar a crise urbana, com base em políticas públicas sólidas e amparadas na ciência. Bem vinda companheira Ana e boa sorte para você.
Falar em reforma da governança também implica em repudiar a destruição das guerras.
A Faixa de Gaza, um dos mais antigos assentamentos urbanos da humanidade (4000 A.C), teve dois terços de seu território destruídos por bombardeios indiscriminados. 80% de suas instalações de saúde já não existem mais.
Sob seus escombros jazem mais de 40 mil vidas ceifadas.
Não haverá paz nas cidades se não houver paz no mundo.
Minhas amigas e meus amigos,
As cidades concentram desafios, mas nelas também encontramos as soluções que buscamos.
Elas são o lar dos agentes da mudança que almejamos realizar.
A presença de tantas prefeitas e prefeitos aqui hoje é prova de que os governos locais querem e podem fazer sua parte.
O C-40, que hoje já conta com quase 100 cidades afiliadas, está empenhado em enfrentar a crise climática e contribuir para limitar o aquecimento global a um grau e meio e, ao mesmo tempo, construir comunidades saudáveis, equitativas e resilientes.
No Brasil temos mais de cinco mil municípios. Todos os anos, essas lideranças locais vão a Brasília, na Marcha Nacional dos Prefeitos, fazer suas reinvindicações.
É preciso escutar a voz das cidades e eu estou confiante de que os trabalhos desta reunião do U20 serão muito produtivos.
Como diz o compositor Hilton Acioli: “Uma cidade parece pequena se comparada a um país, mas é na minha, e na sua cidade, que se começa a ser feliz”.
Muito obrigado!
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