O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista exclusiva ao Granma, principal jornal cubano. O teólogo Frei Betto foi o intermediário entre a reportagem e Lula, levando as perguntas à Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde o ex-presidente está detido há mais de dois meses, e transcrevendo suas respostas.
A entrevista, segundo o jornalista cubano Elson Concepción Pérez, que assina o texto, é “um valioso material que agrega valor aos leitores cubanos e também àqueles de todo o mundo”.
Leia trechos:
Como candidato à presidência do Brasil com o maior apoio popular e que todas as pesquisas indicam como favorito, como você classifica esta perseguição e prisão a que foi submetido?
É um processo político, uma prisão política. O processo contra mim não aponta um crime, nem há provas. Eles tiveram que desrespeitar a Constituição para me prender. O que está se tornando cada vez mais transparente para a sociedade brasileira e para o mundo é que eles querem me tirar das eleições de 2018. O golpe em 2016, com a retirada de um presidente eleito, indica que eles não admitem que as pessoas votem em quem quiserem votar.
A prisão tem sido, para muitos líderes presos pelo simples fato de lutar pelo povo, um lugar de reflexão e organização de ideias para continuar a luta. No seu caso, como você enfrenta esses primeiros dias, já que não consegue entrar em contato com as pessoas?
Estou lendo e pensando muito, é um momento de muita reflexão sobre o Brasil e principalmente no que tem acontecido nos últimos tempos. Estou em paz com a minha consciência e duvido que todos os que mentiram contra mim durmam com a tranquilidade com que durmo. Claro que eu gostaria de ter liberdade e estar fazendo o que fiz durante toda a minha vida: diálogo com as pessoas. Mas estou ciente de que a injustiça que está sendo cometida contra mim também é uma injustiça contra o povo brasileiro.
Quão importante é saber que em todos os estados brasileiros há milhares de compatriotas a favor de sua libertação?
A relação que tenho construído ao longo de décadas com o povo brasileiro, com as entidades dos movimentos sociais, é de muita confiança e é algo que eu aprecio, porque na minha carreira política sempre insisti em nunca trair essa confiança. E eu não trairia essa confiança por nenhum dinheiro, por um apartamento, por nada. Foi assim antes de ser presidente, durante a presidência e depois dela. Então, para mim, essa solidariedade é algo que me empolga e me encoraja a permanecer firme.
Como definir o conceito de democracia imposto por um patrono da oligarquia para descartar os líderes de esquerda e que não ocupam o poder?
A América Latina viveu nas últimas décadas seu momento mais forte de democracia e conquistas sociais. Mas recentemente as elites da região estão tentando impor um modelo onde o jogo democrático só é válido quando eles ganham, o que, claro, não é democracia. Então é uma tentativa de democracia sem povo. Quando não sai do jeito que eles querem, eles mudam as regras do jogo para beneficiar a visão de uma pequena minoria. Isso é muito sério. E estamos vendo isso, não só na América Latina, mas em todo o mundo, um aumento da intolerância e perseguição política. Isso aconteceu no Brasil, na Argentina, no Equador e em outros países.
Que mensagem você envia para todos aqueles que, no Brasil e no mundo, são solidários com você e exigem sua libertação imediata?
Eu agradeço toda a solidariedade. É necessário estar em solidariedade com o povo brasileiro. Desemprego aumenta, mais de um milhão de famílias voltaram a cozinhar com lenha por causa do aumento do preço do gás de cozinha, milhões que deixaram a miséria não estão mais comendo, e até mesmo a classe média perdeu emprego e renda.
O Brasil estava em uma trajetória de décadas de progresso democrático, de participação política e junto com os avanços sociais, que se aceleraram com os governos do PT, que venceram quatro eleições consecutivas.
Eles não atacaram apenas contra o PT. Eles não me prenderam apenas para prejudicar Lula. Eles o fizeram contra um modelo de desenvolvimento nacional e inclusão social. O golpe foi feito para eliminar os direitos dos trabalhadores e aposentados, conquistados nos últimos 60 anos. E as pessoas estão percebendo isso. E vamos precisar de muita organização para voltar a ter um governo popular, com soberania, inclusão social e desenvolvimento econômico no Brasil.
Fonte: Brasil de Fato