Especialista diz que o principal nó do crescimento econômico do Brasil é falta de educação básica gratuita, um consenso na literatura e grande diferencial dos países desenvolvidos
Doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP), com passagens por algumas das maiores instituições financeiras do país, Zeina ressalta que o país tem vários nós a desatar, sendo o principal deles, o da educação pública – (crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)
A atual militarização do governo, com excesso de fardados ocupando cargos estratégicos, é um atraso para o país e ajuda a minar a credibilidade das Forças Armadas. É o que diz a economista Zeina Latif, que vê a volta dos militares ao poder como reflexo, em grande parte, da falta de organização das elites, que deixam um vácuo para as interferências históricas das Forças Armadas.
“Ao fazerem isso, enfraqueceram a nossa democracia. E as escolhas feitas vão cobrando seu custo”, afirma. Para ela, “os militares têm que voltar para os quartéis”. “O regime militar, em boa medida, foi responsável pela década perdida de 1980. Não que não tenhamos cometido os nossos próprios erros”, enfatiza.
Doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP), com passagens por algumas das maiores instituições financeiras do país, Zeina ressalta que o país tem vários nós a desatar, sendo o principal deles, o da educação pública. No entender dela, da forma como está estruturado hoje, o sistema educacional agrava as desigualdades sociais.
Ela ainda chama a atenção para a visão corporativista dos professores, que estão mais interessados em obter vantagens pessoais do que preocupados com a melhoria do ensino. Esse “pecado original”, acredita, trava o crescimento econômico e compromete o futuro. “O Brasil não investe pouco em educação, o problema é que continua aplicando mal os recursos”, diz.
Apesar dos percalços, Zeina demonstra um certo otimismo com o país, mas ressalva que é preciso olhar para os erros do passado para não cometê-los novamente nas eleições de 2022. “Essa questão da educação básica gratuita é um consenso na literatura econômica, pela importância na formação do capital humano, no exercício da cidadania e da construção democrática de um país”, frisa. “Houve avanços ao longo do tempo e a redemocratização foi um passo muito importante para a universalização, mas o fato é que pecamos muito na qualidade da nossa educação”, acrescenta.
Zeina está lançando o livro “Nós do Brasil, nossas heranças e nossas escolhas”, no qual ressalta a fragilidade da democracia brasileira, que “nasceu como nação outro dia” e teve períodos prolongados de ditaduras, cujos custos estão sendo pagos até hoje. Ela detalha ainda a falta de uma identidade nacional e de capital cívico, que limita o desenvolvimento da sociedade, já que não exerce seus direitos e deveres, exigindo serviços públicos melhores.
Na opinião dela, muitos cidadãos não gostam de cumprir regras mínimas de civilidade, retrato de uma sociedade violenta e desigual. A seguir, os principais trechos da entrevista da especialista, que integra a equipe que elabora o programa econômico do pré-candidato à Presidência da República João Dória (PSDB).
Nós do Brasil, nossa herança, nossas escolhas. Por que a escolha desse título para o livro que está lançando?
Primeiro, quando eu uso a palavra nós, estou me referindo aos nós que seguram o crescimento econômico do país. O economista sempre dá ênfase no crescimento econômico, porque é a variável de estudo mais fácil, mas, no fundo, sempre acaba falando do desenvolvimento. Além disso, nós, brasileiros, temos parcela de responsabilidade pelas escolhas que fazemos. Tem uma literatura que não é de agora, lá fora e aqui dentro, para analisar as raízes históricas e que remetem à nossa origem, para explicar parte dos nossos problemas. Mas não podemos nos esquecer de que não há todo esse determinismo histórico. Fomos fazendo escolhas ao longo do tempo e, muitas vezes, distinguindo o país de outros países, vizinhos e de emergentes. Primeiro é isso, nós que seguram o crescimento e nós, também, como brasileiros.
As escolhas do Brasil, no geral, sempre foram erradas? O país sempre optou pelo caminho errado?
Acho que seria injusto dizer isso. Bem ou mal, houve avanços democráticos. Mas, à luz do que era a promessa do Brasil grande, parece que está bastante claro que cometemos alguns erros que nos custaram muito. E o principal é a negligência com a educação básica, historicamente. E, mesmo hoje, temos um gasto com educação que não é baixo, mas que não entrega um ensino de qualidade e, portanto, igualdade de oportunidade, o que explica esse abismo entre as classes sociais.
Ter ainda uma desigualdade tão grande de oportunidade e o efeito do baixo investimento do passado, principalmente, em educação e capital humano, que se acumulam, vamos carregando frutos de escolhas equivocadas. Óbvio que há casos de países que também falharam, mas o fato é que perdemos oportunidades de dar esse foco para a educação básica. Estados Unidos e Canadá são uma referência em oferecer educação básica de qualidade, pensando nas Américas.
Mas, mesmo quando olhamos lá atrás, países, como Chile e Argentina também tiveram preocupação maior com a educação. E a sociedade se organizou para oferecer educação básica gratuita. Resumindo, sim, cometemos erros e acho que, a julgar pela própria literatura econômica, quando analisamos os países, se tem uma coisa que é consenso é a importância do cuidado com a educação básica. Na verdade, quando eu falo que o país errou foi porque olhei para o que aconteceu no passado.
E, no livro, eu procuro, o tempo todo, fazer essa análise. Olho as referências históricas, mas a análise é da economista sobre as variáveis que fazem alguns países crescerem mais e ficarem mais ricos do que outros. E essa questão da educação básica gratuita é um consenso na literatura econômica pela importância na formação do capital humano e pelo exercício da cidadania e da construção democrática de um país. Isso vai muito além da qualidade da mão de obra. A educação extrapola tudo. A falta de educação básica gratuita de qualidade é o que eu chamo de nosso pecado original.
E quando começou esse erro histórico?
Na verdade, o país, como colônia, já teve implicações. E, quando comparamos os indicadores e tudo o que tem de disponível nos textos históricos, vemos que a colonização que não tinha preocupação com a educação. Diferentemente dos Estados Unidos, que era uma colônia de povoamento, com núcleos que se organizavam e contavam com recursos para terem escolas, no caso do Brasil, a primeira inflexão na questão da educação foi a vinda da família real, foi quando surgiu a preocupação com o ensino superior.
Quando olhamos os pleitos, são pleitos para a categoria. A bancada da educação (no Congresso) não é exatamente da educação. Ela atende os pleitos do grupo. Essas coisas se misturam, mas o peso maior é a falta de uma classe média representativa, homogênea, usuária de serviços públicos, que pressiona pela volta das escolas. Não vimos protestos para voltar às escolas (durante a pandemia). Talvez, se a classe média e a classe alta tivessem filhos na escola pública, houvesse mais pressão para voltar. De outro lado, o corporativismo se protege, defende as suas pautas e acaba distorcendo o debate público. E esse é um debate que precisamos avançar.
Ainda tem a questão da democracia.
Eu coloquei no início do primeiro capítulo, da introdução, na linha de Douglass North (economista norte-americano), das instituições, de como os países se diferenciam em relação à capacidade de crescer e de se desenvolver em função das instituições, mas no sentido mais amplo, envolvendo valores, costumes. Não é só no sentido tradicional que as pessoas analisam, mas envolvendo as regras do jogo e as formas como elas funcionam. O objetivo é destrinchar, a julgar pela própria literatura, os fatores que representam esses nós. Nesse sentido, eu destaco o fato de a democracia ter chegado tardiamente, com ritos políticos acentuados. Um país que nasceu como nação outro dia, como o Brasil, teve períodos acidentados demais, com ciclos políticos muito acentuados e períodos prolongados de ditaduras.