A Lava Jato completa quatro anos e, a essa altura, o montante calculado pela força-tarefa a ser ressarcido aos cofres públicos é de R$ 44,4 bilhões. A soma é pleiteada nas diversas ações judiciais propostas por procuradores federais em Curitiba e no Rio de Janeiro.
“Das nossas ações cíveis, apesar da tramitação no Paraná ser mais rápida, não tivemos nenhuma julgada em primeiro grau. Nosso processo judicial é muito lento, muito difícil”, afirma à BBC Brasil, o procurador Paulo Galvão, integrante da força-tarefa no Paraná, referindo-se aos pedidos judiciais de reparação de danos que em Curitiba somam R$ 38,1 bilhões e, no Rio, R$ 2,34 bilhões.
Os valores reivindicados na Justiça – nos quais estão incluídos os R$ 3,2 bilhões bloqueados judicialmente entre bens e contas de réus – só poderão ser repassado às vítimas diretas dos crimes investigados pela Lava Jato quando não houver mais a possibilidade de recursos judiciais.
Um desses bens bloqueados é o triplex do Guarujá, que o Ministério Público Federal diz ter sido dado pela OAS como propina ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nega a acusação. O imóvel vai a leilão em maio, e o dinheiro da venda será depositado numa conta judicial até o fim da ação.
“A tendência, se não houver acordo, é que (os valores) fiquem bloqueados por anos a fio, até o final do processo”, diz o procurador.”Essa é a principal dificuldade porque, no nosso sistema, esses processos contra crimes de colarinho branco simplesmente não andam, dificilmente chegam ao final”, lamenta Galvão.
Ainda assim, o procurador afirma que as cifras alcançadas pela Lava Jato até o momento não são apenas expressivas, mas também históricas.
Por meio de acordos de colaboração e de leniência, procuradores do Rio e de Curitiba já conseguiram assegurar que
Isso porque há empresas e réus que ainda estão pagando os valores que concordaram em restituir aos cofres públicos. Alguns acordos preveem devolução em até duas décadas. Desde 2015, a Petrobras já recebeu 14 repasses, que totalizam R$ 1,5 bilhão, ou o equivalente a cerca de 13% do dinheiro recuperado.
“Vai demorar um pouco para quitar, mas é um dinheiro que não tem controvérsia. Tem prazo para pagar”, pondera Galvão, dizendo que os R$ 11,5 bilhões em processo de repatriação serão praticamente todos devolvidos diretamente às vítimas.
Questionada com que tipo de atividades e iniciativas a empresa usou o dinheiro, a Petrobras se limitou a responder que “os valores retornam para o caixa da companhia”.
A Petrobras também tenta recuperar dinheiro que foi desviado de seus cofres. “Reconhecida pelas autoridades como vítima da corrupção investigada, a Petrobras adota medidas jurídicas contra empresas e pessoas, inclusive ex-funcionários e políticos, que causaram danos financeiros e à imagem da companhia”, informou a empresa à BBC Brasil.
A companhia é coautora, com o MPF e a União, de 13 ações de improbidade administrativa em andamento e é assistente de acusação em 43 ações penais.
Mas nem todo o dinheiro que o MPF diz já ter recuperado vai para a Petrobras. “Há diversas outras vítimas. Tem Eletrobras, tem Estados, municípios, Caixa Econômica, uma série de outros órgãos. No caso da Andrade (Gutierrez), tem os estádios da Copa. Não é só Petrobras, tem diversas entidades públicas lesadas ao redor do Brasil”, explica Paulo Galvão.
Diferentemente das investigações conduzidas em Curitiba, que identificou vítimas determinadas, o procurador explica que, no Rio de Janeiro, até o momento, o maior lesado foi o próprio Estado. Por isso, no Rio, é possível que se defina previamente como o dinheiro devolvido deve ser usado. Isso significa que, a depender da Justiça, pode-se determinar que o montante restituído seja aplicado, por exemplo, em segurança pública.
A força-tarefa da Lava Jato no Rio recuperou, até o momento, R$ 451,5 milhões em 16 acordos de colaboração já homologados. Deste total, R$ 250 milhões já foram devolvidos ao governo do Estado em março de 2017 e permitiram o pagamento do 13º salário atrasado de cerca de 146 mil aposentados.
Exigência
Antes da Lava Jato, o procurador Paulo Galvão diz que, somados todos os casos da história de corrupção do país, o Brasil tinha recuperado US$ 15 milhões, algo em torno de R$ 148 milhões em valores atuais. Só de valores no exterior, a Lava Jato já recuperou um montante cinco vezes maior: R$ 763 milhões.
Isso só foi possível, de acordo com o procurador, porque quem assina acordo de delação autoriza obrigatoriamente o repatriamento do dinheiro que mantém no exterior. Autoridades brasileiras conseguiram uma sintonia inédita com o Ministério Público da Suíça. O país é o favorito de grande maioria dos investigados e réus da Lava Jato para guardar dinheiro.
Normalmente, os procuradores suíços conseguem o bloqueio imediato de contas sob suspeita, mas só devolvem os valores depois que o processo chegue ao fim e não haja mais possibilidade de recursos.
“Uma condenação até a última instância no Brasil é tão difícil, principalmente nos casos de colarinho branco, de empresários e políticos, que corremos o risco de devolverem o dinheiro (ao corrupto) ao invés de mandarem o dinheiro de volta para cá. Isso mostra, na verdade, a ineficiência do nosso sistema de Justiça para punir as pessoas”, observa Paulo Galvão.
Mil contas
Depois que a Lava jato foi deflagrada, os dois países passaram a atuar de forma alinhada. Além de trocarem informações, a Suíça também transferiu suas próprias investigações ao Brasil, como aconteceu no caso do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que está preso desde outubro de 2016.
Ele sempre negou manter contas no exterior, mas autoridades da Suíça encaminharam à Procuradoria Geral da República (PGR) documentos que comprovaram contas bancárias secretas do deputado, da mulher e da filha no país europeu. Além da reprodução dos documentos pessoais como passaporte, assinatura e dados pessoais do ex-deputado, os arquivos enviados pela Suíça mostraram que o emedebista manteve uma conta bancária nos Estados Unidos ao longo de 17 anos.
Paulo Galvão conta ainda que a Suíça mantém no momento 1 mil contas bloqueadas de brasileiros investigados pela Lava Jato. Uma das frentes de investigação dos procuradores tem sido os titulares dessas contas.
Segundo o procurador, o próprio Ministério Público da Suíça já afirmou que a Lava Jato é “o maior caso de lavagem de dinheiro da história do país”.
Além da Suíça, o Brasil apresentou 215 pedidos de cooperação a 41 países diferentes. A maioria deles, segundo o MPF, está relacionada a contas dos investigados no exterior.
Apesar de afirmar que há acordos sendo negociados, Paulo Galvão admite que o número de colaborações têm diminuído.
“Existe uma fila grande de empresas batendo na nossa porta para fazer acordo com todos, mas a gente entende que não cabe acordo com todos; senão a gente desmoraliza a punição da investigação”, argumenta, emendando que ainda há muito material a ser analisado e dinheiro a ser devolvido do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro descoberto pela Lava Jato.
O procurador explica, contudo, que na hora de assinar uma colaboração, “um dos fatores a considerar é o da recuperação do dinheiro”. Por isso ele diz que há ainda mais acordos por vir.
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