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De todos os discursos no ato de apoio a Lula, realizado ontem no Rio, o que mais me ficou na memória – além do de Lula, em nada abatido pela perseguição desumana que sofre –  foi o do diretor teatral Aderbal Freire Filho, baseado em texto do filósofo e linguista norte-americano Noam Chomsky. Trata de dois “mundos”: o “oficial” –  composto pelos políticos, pelos donos do dinheiro, pela mídia e seus comentaristas e pelas instituições – e o real, imenso e quase sempre mudo, onde habita a imensa maioria da população.

Talvez só a capacidade de gente que lida com a percepção alheia – em lugar de centrar-se em seu próprio universo social – seja capaz de perceber que isso acontece, como poucas vezes, no Brasil de hoje, onde se cavou um abismo entre o poder – e não só o de Temer – sem voto e o povo que se quer, furiosamente, impedir de votar.

Creio que isso está se tornando tão forte que, a esta altura, esta percepção transborda o leito da esquerda e começa a se generalizar entre os que não se cegaram de ódio.

Está nítido que a exclusão de Lula – ao menos com um processo no mínimo controverso e com a legitimidade comprometida pela flagrante militância política de seus agentes – manterá o país já não mais mo pântano em que se encontra de desencontro entre o país real e o imaginado pelos que nele mandam, mas não comandam.

O processo de radicalização que se quer atribuir a Lula não é a sua marca e a experiência real, vivida e comprovada, o mostra.  Quem acha isso, que imagine por dez minutos ser apontado como culpado de todos os males, acusado de todos os crimes e desqualificado de todas as formas e veja o quanto se indignaria.

A mobilização em favor da normalização das relações políticas e da amplitude do processo eleitoral não é um apelo à guerra, mas um chamado ao mínimo de civilidade e liberdades que a democracia precisa para funcionar e que um país precisa para ser governado.

Embora improvável, pelo grau das pressões que sobre eles desaba e,  verdade, pelo fato de habitarem, em corpo e mente, o “Brasil” entre aspas, é possível que a algum dos desembargadores que irão sentenciar Lula no dia 24 chegue à lembrança um velho latinismo jurídico: ubi societas, ibi jus, onde está a sociedade, está o Direito.

Se esquecerem disso, afastarão o Direito e o Judiciário da sociedade da qual já tão divorciados estão. Talvez possam recordar-se que um dos círculos do Inferno de Dante abriga os semeadores de discórdia, que separam também, pela espada, um corpo social e sua cabeça política.

Se não o fizerem abrirão o último portão que nos separa de um caminho escuro e apavorante para o abismo político.

POR FERNANDO BRITO