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Por Mauro Lopes

A questão da presença de Geraldo Alckmin na chapa de Lula em 2022 como candidato a vice atravessou as fronteiras e foi tema da entrevista coletiva do ex-presidente em Bruxelas, nesta segunda-feira (15). O tema é sensível e divide a esquerda.

Lula iniciou a resposta sobre Alckmin em Bruxelas dizendo que já tem “22 vices e oito ministros da Economia”, ironizando as especulações sobre o tema e reafirmou que é cedo para tratar do assunto. Em seguida, foi delicado, disse de seu “profundo respeito” pelo ex-governador de São Paulo e sinalizou que não tem problema nenhum em compor politicamente com ele: “Não há nada do que aconteceu entre o Alckmin e eu que não possa ser reconciliado”.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer: a discussão sobre o vice de Lula está deslocada no tempo. Como diz Marcos Coimbra, guru das pesquisas no país, “ninguém discute vice um ano antes das eleições”. As variáveis são tamanhas, do ponto de vista do cenário eleitoral e arranjos políticos, que seria primarismo qualquer pré-candidato a presidente decidir seu vice um ano antes do pleito. E Lula não tem nada de primário. Portanto, podemos especular na irresponsabilidade de jornalistas e analistas políticos, mas os profissionais da política não entram nessa -a discussão pra valer acontecerá apenas em 2022.

Vou então entrar nesse tema com a leveza dessa irresponsabilidade de quem analisa sem o ônus da consequência.

A primeira questão é a que se refere ao debate do que apelidei de “fator Alckmin” -pois não se trata diretamente do ex-governador de São Paulo, mas da amplitude da aliança que deve levar Lula de volta à Presidência se ele vencer a eleição em 2022. 

Bem, não creio que este seja propriamente um tema eleitoral. Primeiro porque o timing está errado se a questão for enfrentada por este prisma, como Lula e Coimbra indicaram. Segundo porque, com os números disponíveis das pesquisas presenciais, se a eleição fosse hoje provavelmente o nome do vice teria pouco impacto na votação de Lula, fosse ele Geraldo ou Maria ou João ou Tereza.

A questão não é eleitoral. 

Creio que vale voltar no tempo e relembrar a aula de Lula a Sergio Moro durante seu depoimento ao juiz ladrão em 2017. Enquanto Moro dizia que a composição do governo era tudo “corrupção”, Lula explicou pacientemente que no Brasil vige um “presidencialismo de coalizão”, ou seja, que todo presidente da República precisa de uma base de sustentação parlamentar que implica, a não ser na hipótese implausível de sua legenda conquistar 50% mais um das cadeiras na Câmara e no Senado, na costura de uma aliança multipartidária, uma coalizão, que viabilize o governo. É o be-a-bá da governabilidade no Brasil -como de resto, em todos os países democráticos onde há mais de dois partidos com expressão político-eleitoral.

Isso valeu em todos os governos desde a redemocratização. Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, todos tiveram que estruturar coalizões majoritárias para governar. Quem não conseguiu, foi derrubado, como aconteceu com Collor e Dilma.

Na verdade, talvez valha a pena pensar em semipresidencialismo no Brasil. Com o crescente poder parlamentar desde a Constituição de 1988 e especialmente depois do golpe contra Dilma, o que vemos hoje é o presidente da Câmara, Arthur Lira, ter a cada dia mais poderes executivos, numa espécie de cogoverno com Bolsonaro. 

Mais ainda: o que assistimos com Collor, Dilma, Temer e Bolsonaro é a consolidação de uma tendência na qual, na prática, um presidente da República precisa, ao longo de seu mandato, derrubar pelo menos uma tentativa de impeachment, como se fosse uma “eleição indireta” de confirmação de seu mandato. Collor e Dilma foram derrotados e caíram. Temer e Bolsonaro conseguiram sobreviver, no primeiro caso inviabilizando a formação da Comissão Especial que analisaria o pedido e, no segundo, com Lira impedindo que o tema fosse discutido.

Nos casos de FHC, Lula e Dilma no primeiro mandato, eles tinham maioria suficiente na Câmara para que o assunto fosse cogitado apenas lateralmente e sem maior repercussão. 

As três maiorias-chave

São três maiorias-chave na Câmara dos Deputados -vou cingir este breve artigo à Câmara mas, mutatis mutantis, vale também para o Senado.

A primeira maioria-chave é a que aprendemos dolorosamente com Dilma: uma coalização que garanta ⅓ dos deputados e deputadas, o que assegura o bloqueio dos pedidos de impeachment.

Isso significa uma bancada de 171 parlamentares, capaz de bloquear a maioria de ⅔ de 342 votos mais 1 para aprovar a admissão do pedido de impeachment. Na votação da admissão do pedido contra Dilma, tivemos apenas 137 votos. 

Pode parecer pouco ter ⅓ da Câmara. Há quem diga que a esquerda facilmente conseguirá isso em 2022, o que deixaria o mandato de Lula imune ao impeachment. Deus queira -e os eleitores, sobretudo.

Mas a história mostra que a tarefa é mais difícil do que parece. Na eleição de 2010, quando Lula estava deixando o governo com 87% de popularidade e havia euforia ao redor da eleição de Dilma, a esquerda não elegeu 171 deputados. O PT, que fez a maior bancada da história, elegeu 86, o PSB fez 35, o PDT elegeu 27, o PC do B conquistou 15 cadeiras e o PSOL, 3 – um total de 166, cinco a menos que o número mágico de 171. Reforço: nunca, antes ou depois disso, a esquerda teve uma bancada tão grande.

Hoje o cenário é muito mais difícil. A bancada de esquerda, integrada pelos mesmos partidos, tem 33 parlamentares a menos: 133. A distância dos 171 é enorme: 38 deputadas e deputados.

Sejamos minimamente realistas: o que alimenta a crença de que a esquerda terá 171 parlamentares? Claro que a votação de Lula irá puxar uma bancada bem mais expressiva que a atual, mas não há qualquer garantia hoje de uma bancada ao redor de 180 nomes -seria um número razoável para dar algum conforto ao presidente. 

Mais realismo: a eleição à Câmara, apesar de formalmente proporcional, tem um duplo caráter, na prática. Parte das deputadas e deputados são eleitos com “espírito distrital”. Ou seja, são representantes de suas regiões, um conjunto de bairros numa megalópole como São Paulo, um município ou conjunto deles. Essa característica tem se acentuado ao longo dos anos. E a eleição de 2022 acontecerá debaixo da maior chuva de dinheiro da história na base parlamentar de extrema direita e direita, dos bolsonaristas ao Centrão, o que faz crer que a disputa será duríssima na composição da nova Câmara.

Para chegar aos 180 deputados e deputadas que indiquei acima, a esquerda precisará crescer sua bancada em 35% – o desafio é enorme.

Pois bem.

A segunda maioria-chave é a de 50% + 1, ou seja, 257 parlamentares, para aprovar os projetos de lei e medidas provisórias medidas importantes para o governo e o redesenho do Estado brasileiro. Para a aprovação da maior parte dessas medidas, basta maioria simples, 50% + 1 dos presentes na sessão, mas é claro que uma bancada efetivamente majoritária é a única garantia de aprovação dos projetos e medidas. Para essa maioria, a esquerda teria que eleger 124 deputadas e deputados a mais que hoje, um incremento de 123% em relação à bancada atual. Alguém aposta nisso?

A terceira maioria-chave seria o nirvana do terceiro mandato de Lula: eleger ⅔: 342 deputadas e deputados. Só esse número garantiria a aprovação das PECs (Proposta de Emenda à Constituição) que garantiriam a reversão de toda a destruição do país com a desconstrução da Constituição de 1988 realizada pela dupla Temer-Bolsonaro. Para tanto, a esquerda teria que eleger uma bancada quase três vezes maior que a atual. Alguém sustenta essa ilusão?

Governo de coalizão

Pode haver quem dentro da esquerda imagine um governo que sem essas maiorias-chave, possa ser sustentado por intensa mobilização popular. Mais uma vez apelo ao realismo: onde está tal mobilização? Onde esteve, na resistência ao golpe? Houve um levante popular contra os governos Temer e Bolsonaro? Sabemos dos limites da mobilização do Fora Bolsonaro e da destruição dos sindicatos, que ao longo da história foram um vetor de mobilização popular no país.

Se alguém de fato acredita que uma mobilização popular ampla e permanente irá sustentar o governo Lula, que apresente evidências minimamente palpáveis.

Sem ela, Lula terá que governar com base num governo de coalizão – aprendamos com o que foram os governos do PT, com o que está acontecendo neste exato instante com a formação do governo alemão depois da vitória do SPD (Partido Social-Democrata) nas últimas eleições, com a lição dramática do golpe contra Dilma.

Lula sabe que precisará de um governo de coalizão. E governo de coalizão não é governo de “nós com nós”. Um governo do PT, PSB, PDT, PSOL e PCdoB seria um encontro de amigos que falam mal uns dos outros mas são amigos. E Lula teria que enfrentar a articulação de um pedido de impeachment na tarde de 1º de janeiro de 2023.

Se quiser 1) não ser derrubado e 2) fazer um governo que dê conta de algumas tarefas fundamentais para o país, Lula sabe que seu governo será expressão novamente do presidencialismo de coalizão. E aí, o “fator Alckmin” será decisivo.

Isso limitará o alcance do governo? Sim, mas a vida é assim. Não teremos um governo socialista, camaradas. Nem mesmo democrático-popular ao estilo boliviano. Será um governo de reconstrução do Brasil, de retomada do desenvolvimento, de restabelecimento de políticas sociais. E isso será ótimo.

Não é possível dizer se Alckmin será vice e, na verdade, o tema é irrelevante agora. Mas quem acha que será possível governar sem o apoio do ex-governador de São Paulo, que se apresente e indique de maneira realista como será esse governo “de esquerda”. Lula já indicou que com ele não será assim.

Este artigo surgiu depois de uma dica fundamental do amigo Rogério Tomaz, um ativista e analista político de primeira, sobre a eleição de 2010

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