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Um quis mais mandatos, o outro não, mas o ódio alcançou a ambos

O novo argumento da direita boliviana, e também a brasileira, é responsabilizar Evo Morales pelo crise na Bolívia.

“Evo Morales nos levou a um plebiscito (sobre se ele poderia obter um quarto mandato) e as pessoas disseram que não. Não respeitar o voto é um mecanismo de conduta típico dos governos socialistas do século 21”, disse a presidente autoproclamada Jeanine Añez.

É o argumento que ela usa para concluir: foi Evo que causou toda essa confusão em nossa país. Se estamos tendo protesto, a culpa é dele.

Mentira.

Evo Morales poderia, de fato, não se candidatar ao quarto mandato, e apoiar alguém do seu próprio partido, o Movimento ao Socialismo (Mas).

Em vez disso, preferiu recorrer à Justiça do seu país e reivindicar o direito de se candidatar novamente, com o argumento de que impedir sua candidatura feriria um direito humano.

Obteve o direito de disputar e a oposição concordou, ao participar do pleito.

Mas, retrocedendo ao dia em que perdeu o plebiscito, nada garante que, não disputando — mas indicando outra pessoa —, a Bolívia não viveria esta crise.

Com certeza, viveria. E o exemplo é o próprio Brasil.

Em 2010, apesar de estimulado a mudar a Constituição e disputar um terceiro mandato, Lula preferiu manter a Constituição como estava, e indicar Dilma Rousseff.

Saiu de cena, e a bem da verdade pouco se meteu na administração da sucessora. No livro “A Verdade Vencerá”, ele conta que esteve com ela algumas vezes e fez algumas sugestões de mudanças, que não foram acatadas.

Dilma, no entanto, se manteve leal às diretrizes do projeto iniciado por Lula, com desenvolvimento a partir da inclusão social. A prioridade, nos dois casos, era o combate à pobreza.

No último ano em que Dilma conseguiu governar num quadro de relativa normalidade, o Brasil teve a menor taxa de desemprego e manteve altas reservas cambiais, apesar do crescimento baixo, 0,5%.

Nos seus quatro anos de governo, no entanto, a média de crescimento foi de 2,2%, muito acima do que se verifica hoje.

Em 2015, a recessão foi pesada, mas Dilma já não governava, engessada que foi pelo movimento político que teve em Eduardo Cunha um importante ator.

Também enfrentava a Lava Jato, que, com suas ações e prisões espetaculares contra a Petrobras e outras empresas brasileiras, inviabilizou novos investimentos.

Numa tentativa de salvar o governo e recuperar a economia, ela tentou nomear Lula chefe da Casa Civil em março de 2016, mas o Judiciário, aliado à velha imprensa, não permitiu.

Do ponto de vista institucional, Lula fez tudo certo, e acabou condenado e preso.

O problema, tanto na Bolívia quanto no Brasil, não era Lula ou Evo Morales, é o que eles representam.

Eles são líderes das classes populares e, nesse sentido, são os políticos adequados para resolver o maior problema dos países da América do Sul: a gigantesca desigualdade social.

Reduzindo a pobreza, tanto Lula quanto Morales tiveram êxito na economia. A média de crescimento anual do PIB nos oito anos de Lula foi 4,1%,

Na Bolívia, com Evo, a média ficou em 4,5%.

Considere-se que, pelo tamanho da economia brasileira, o crescimento é mais difícil.

Evo quis ficar, e caiu. Lula poderia ter ficado, mas saiu. Acabou condenado sem provas num processo conduzido por um juiz com ambições políticas, que se tornaria ministro do seu oponente.

Já Evo, mesmo que tivesse se curvado ao resultado do plebiscito sobre seu quarto mandato, estaria hoje em dificuldades.

Um candidato apoiado por ele venceria as eleições, mas a direita boliviana também não aceitaria o resultado.

Como disse, o problema não é ele, é o que ele representa. Assim como Lula.

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