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“O sistema educacional está seriamente ameaçado. E o pior: o governo não está levando isso a sério. Enquanto tudo isso acontece, o ministro brinca de meme.” A opinião é de Renato Janine Ribeiro, professor da USP e da Unifesp, além de ex-ministro da educação. Em entrevista à coluna de Guilherme Amado (Época), Janine afirma não ver na gestão Jair Bolsonaro (PSL) nenhuma proposta razoável para a Educação. Confira trechos da entrevista.

Época: Como vai a Educação brasileira?
Renato Janine Ribeiro: É muito preocupante. Primeiro, falta dinheiro. A situação econômica só tem piorado desde 2015. O governo Temer nem sequer colocou no Orçamento para 2019 as bolsas do CNPq. Isso nunca tinha acontecido. O governo atual está piorando, porque está cortando o custeio das próprias universidades. É o primeiro governo em muitos anos que se elege sem nenhuma proposta a favor da Educação. Ao contrário: criticando a Educação, dizendo que retrocederia 50 anos nos costumes. Essa suposta degradação dos costumes, que eles acham que houve, eles culpam muito a Educação, o Paulo Freire. Com isso eles rompem um consenso suprapartidário.

Época: Como o senhor avalia o Future-se (programa anunciado pelo governo federal que prevê parcerias privadas para financiar universidades públicas)?
RJR: Muito confuso, para dizer o mínimo. Não está sequer claro se o Future-se é um adicional, e o governo continuaria mantendo o custeio das universidades, ou se substitui o custeio. Dá a entender que a flutuação de bolsa vai ter de dar conta de salário, de luz, de telefone, de bolsas. Isso não vai funcionar.

Época: E a educação cívico-militar?
RJR: É uma gota no oceano. Estão pegando um pequeno número de escolas e querem colocar mais dinheiro nelas. Isso não resolve. Mexendo em algumas dezenas, dentro de um sistema de 150 mil escolas públicas. A grande questão da Educação hoje é a criatividade – não é a disciplina. Eles acham que o problema da Educação é enquadrar o aluno disciplinarmente, fazê-los obedecer. Criatividade sempre supõe um pouco de indisciplina. A questão não é disciplina versus indisciplina. O cientista Roberto Lent tratou das competências socioeducacionais, que pretendem que o aluno tenha confiança em si, tenha foco, que entenda o que ele faz. É claro que esse aluno que desenvolveu as competências vai prestar atenção na aula. O que o ensino cívico-militar pretende? Fazer o aluno marchar, bater continência, obedecer. Você não vai ter criatividade econômica e tecnológica apenas com gente obediente. Substituir essas competências por bandeira, hino, continência e uniforme não resolve nada.

Época: As conquistas do governo Fernando Henrique para cá estão em risco?
RJR: Sim. Era um processo em andamento, que exigia a manutenção de uma série de questões, avaliações, exames. Até agora, o que está definido sobre o Enem? O Enem vai acontecer já já. Fora as bolsas cortadas em profusão. Você está com um sistema seriamente ameaçado. E o pior: o governo não está levando isso a sério. Enquanto tudo isso acontece, o ministro brinca de meme. Ele tinha de discutir como manter recursos, melhorar a estrutura. A última ideia, de misturar Capes e CNPq, tem tudo para ser um desastre.

Época: Como avalia o jeito Weintraub de comandar o Ministério da Educação?
RJR: Ele deveria se ocupar dos assuntos sérios do ministério. Ele pode ser engraçado ou não. Isso não tem a menor importância. O que importa é que realmente haja um projeto para a educação básica, para o ensino superior, mantendo o que foi conquistado. O que a gente vê é um desinteresse muito grande do governo por isso tudo. Esse é o problema. A conduta pessoal dele não me interessa, e sim qual política ele está conduzindo. E não estou vendo essa política. Vejo uma hostilidade em relação ao sistema universitário. Parece que virou regra nomear o terceiro colocado nas eleições para as eleições de reitor. Está errado. Inverteram as coisas. Escolhem quem tem menos apoio e liderança na universidade. É muito difícil de funcionar.

Época: O ministro acusa as universidades federais de balbúrdia.
RJR: Isso também é um erro tremendo. É desconhecer a realidade da universidade pública. Quase toda pesquisa que gera patente no Brasil, quase toda formação de qualidade vem de universidade pública. Estamos numa situação de descaso do governo pelo que foi construído em décadas.

Época
: O governo nutre rancor pelos professores?
RJR: Sim. É muito errado. A carreira de professor, da educação básica à universidade, não é um trabalho fácil. Tem de ser prestigiado, tem de deixar claro que é um trabalho fundamental para o desenvolvimento do país. Desmerecer quem faz esse trabalho não é uma boa política. Não podem fazer generalizações indevidas para gente com um alto nível de pesquisa.

Época: O Escola Sem Partido foi abandonado pelo governo?
RJR: Ficou claro que o Escola Sem Partido era inconstitucional. O presidente da Câmara já disse que não passa na Câmara, já houve parecer da Procuradoria-Geral da República e decisões judiciais. Continua havendo um discurso próximo a esse projeto, de desqualificação do professor. Ataques, desrespeito, desvalorização salarial e moral. Apenas parou a ideia de fazer uma lei para punir professores. Nenhum país cresce sem uma boa educação. E não há boa educação sem professores valorizados.

Época: O ensino superior deve ser privatizado?
RJR: As melhores universidades são as públicas. Todos os indicadores mostram que, entre as 20 melhores universidades brasileiras, as duas ou três que não são públicas são católicas e sem fins lucrativos. Têm perfil de universidade pública. Privatizar universidade pública seria provavelmente piorar a qualidade delas. Tomara que as particulares cheguem ao mesmo nível. Mas o correto é melhorar o nível das particulares, e não baixar o nível das públicas.

Época: O que o senhor faria diferente se fosse ministro novamente?
RJR: Tive uma dificuldade muito grande no ministério. Primeiro, não havia verba. Segundo, dos seis meses que eu passei lá, quatro foram de greves nas universidades federais. E depois não fizeram greve contra Temer nem contra Bolsonaro. Fizeram greve contra um governo que apoiava as universidades federais, e não fizeram contra governos negativos para elas. A principal medida seria dar excelência para o ensino superior federal a distância. Outra coisa que eu deixei pronta, mas não foi feita, seria o curso de formação de diretores. E o terceiro ponto seria acelerar a base curricular. São medidas que demandariam menos dinheiro, mas poderiam ter impacto.

Época: O toma lá dá cá impõe que o ministro da Educação não seja técnico?
RJR: Não. O que aconteceu é que o governo Dilma estava muito impopular, e houve uma fúria muito grande em destituí-la sem base legal. Tanto a extrema-direita quanto o Aécio Neves estavam com a faca nos dentes e queriam tirar o governo a todo custo. O governo Dilma não conseguiu apoio para ficar no poder. Se fosse o Lula, talvez tivesse conseguido. Não faria diferença quem era o ministro da Educação. Eu saí, entrou Aloizio Mercadante, um ministro altamente político, e não fez diferença alguma. O governo caiu igual.

Época: Bolsonaro tem essa capacidade [de se comunicar politicamente]?
RJR: Nenhuma. Bolsonaro tem capacidade de comunicar ódio, não de comunicar coisas construtivas. Você não vê nada de construtivo no atual governo. A Educação é uma construção laboriosa. É péssimo você ter uma estrada ruim. Mas se você destruir a Educação, não sobra nada. É uma ilusão gigantesca do empresariado acreditar que Bolsonaro pode trazer algo de bom para a economia brasileira. Você não melhora a economia se não melhorar a Educação. O empresariado está cego pelo ódio anti-PT. Aumentar o PIB de forma sustentável é essencial, mas não acontece sem aumentar a Educação. Não sendo isso, aumenta o PIB por quê? Aumentou a demanda de algum produto. Isso não é sustentável. Sustentável é ter inteligência para agregar o valor aos produtos. O Brasil continua dependendo sobretudo de matéria-prima, e não de matéria cinzenta.

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