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O juiz da Suprema Corte brasileira, Alexandre de Moraes, tomou a decisão sem precedentes de fechar a plataforma de mídia social X de Elon Musk. Fotos: Reprodução de rede social e SCO/STF

Ao mostrar o cartão vermelho para a X de Musk, o Brasil marcou um gol para todas as democracias?

A decisão da Justiça brasileira de bloquear a plataforma até que ela cumpra leis do País é a primeira vez entre países não autocráticos

À meia-noite e dez minutos do dia 31 de agosto, o X (Twitter) de Elon Musk ficou às escuras no Brasil, um país com mais de 200 milhões de habitantes, muitos deles usuários entusiastas de serviços on-line.

No dia anterior, o juiz do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, fez algo até então impensável: ordenou que os ISPs (ISPs) do país bloqueassem o acesso à plataforma, ameaçou uma multa diária de 50.000 reais (pouco menos de £6.800) para os usuários que contornassem a proibição usando redes privadas virtuais (VPNs) e congelou as finanças do provedor de serviços de Internet Starlink de Elon Musk no país.

A ordem permaneceria em vigor até que a plataforma cumprisse as decisões do Supremo Tribunal Federal, pagasse multas no total de 18,3 milhões de reais e nomeasse um representante no Brasil, uma exigência legal para empresas estrangeiras que operam no país.

Moraes também instruiu a Apple e o Google a remover o aplicativo X e o software VPN de suas lojas, mas posteriormente reverteu essa decisão, citando preocupações com possíveis interrupções “desnecessárias”.

Isso provocou choque, horror, incredulidade, indignação e todas as reações intermediárias.

Musk – que vem discutindo com Moraes há um bom tempo – tuitou: “A liberdade de expressão é o alicerce da democracia e um pseudo-juiz não eleito no Brasil está destruindo-a para fins políticos”.

A animosidade entre os dois remonta a 8 de janeiro de 2023, após a derrota de Jair Bolsonaro na eleição presidencial brasileira de 2022, quando uma multidão de seus apoiadores atacou prédios do governo federal na capital, Brasília.

A multidão invadiu e causou danos deliberados ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional e ao Palácio do Planalto, em uma tentativa abortada de derrubar o presidente democraticamente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

O juiz Moraes está na linha de fogo porque, antes da eleição presidencial de 2022, a Suprema Corte do país lhe concedeu amplos poderes para reprimir ameaças on-line à democracia e, desde então, ele tem utilizado essa capacidade com entusiasmo.

Uma reportagem do New York Times, por exemplo, disse que ele “prendeu cinco pessoas sem julgamento por publicações nas mídias sociais que, segundo ele, atacaram as instituições do Brasil. Ele também ordenou que as redes sociais removessem milhares de publicações e vídeos com pouco espaço para apelação”.

E foi essa última prática que o colocou em conflito com Musk, cuja plataforma foi um dos canais usados pelos insurgentes de 8 de janeiro.

A cobertura da mídia sobre esse confronto, previsivelmente, personalizou-o como um executor implacável contra um titã da tecnologia.

Quem piscará primeiro? Por que diabos Musk escolheu essa briga? Será que sua obsessão fátua pela liberdade de expressão finalmente o levou ao limite?

Afinal de contas, ele poderia ter cumprido as ordens de remoção de Moraes, mantido o escritório em Brasília e lutado contra a questão nos tribunais brasileiros. Em vez disso, ele tirou sua bola fora, deixando mais de 20 milhões de usuários brasileiros do X desolados.

Por outro lado, embora Moraes tenha mostrado um controle bastante eficaz sobre Bolsonaro – um Donald Trump de preço reduzido que atacou a mídia, os tribunais e o sistema eleitoral do país – alguns críticos estão começando a se perguntar se, em sua missão de proteger a democracia, o juiz também pode acabar corroendo-a.

Quem sabe? Mas, pelo menos por enquanto, uma coisa está clara: esta é a primeira vez que um estado democrático fecha uma das principais plataformas de tecnologia.

As autocracias fazem isso à vontade (por exemplo, China, Rússia, Irã, países do Golfo), mas até agora as democracias têm se esquivado de uma medida tão extrema.

Ouvir algumas das conversas na Web sobre a ordem de Moraes fornece uma pista sobre a timidez, pois o que se percebe é o espanto com a ousadia de um simples brasileiro que se atreve a derrubar uma grande plataforma americana porque ela não obedece à lei de seu país. Quem ele pensa que é? Será que ele não entende o “destino manifesto” do Vale do Silício de ser o principal motor do progresso humano, deixando espécies menores balançando impotentes em seu rastro?

Esse acanhamento servil sugere que a tecnologia do Vale do Silício é apenas a mais recente manifestação do que o cientista político Joseph Nye chamou de “soft power”.

Nye o definiu como o “poder de uma nação, estado, aliança, etc., decorrente da influência econômica e cultural, em vez de coerção ou força militar”, mas pode ser descrito de forma mais cínica como a capacidade de infligir as normas culturais de uma superpotência hegemônica ao resto do mundo.

Nesse sentido, o Facebook et al estão apenas fazendo o mesmo trabalho que Hollywood, McDonald’s, Nike e seus semelhantes fizeram nas décadas de 1960 e 1970.

E se esse for de fato o caso, então estamos com sérios problemas, porque os EUA se transformaram em uma superpotência cronicamente polarizada que está subordinada a interesses corporativos, governada por uma constituição disfuncional e antiquada e determinada a impor absurdos libertários ao resto do mundo.

Seja qual for a explicação para nossa passividade democrática, o histórico das últimas duas décadas não tem sido animador.

Os governos ocidentais pareciam estar dormindo no volante enquanto seus cidadãos adotavam avidamente novas ferramentas e mídias que os capacitavam e encantavam, mas que, ao mesmo tempo, os tornavam vulneráveis à vigilância detalhada (e à manipulação) por um pequeno número de corporações estrangeiras monopolistas.

Em 2015, no entanto, os alarmes deveriam ter soado no Ocidente, pois ficou claro que a tecnologia estava permitindo que adversários estrangeiros (bem como subversivos e criminosos internos) disseminassem desinformação em escala industrial, o que poderia prejudicar as instituições democráticas, especialmente as eleições.

E se alguém duvidava que a tecnologia representava uma ameaça existencial à democracia liberal, então a insurreição de 6 de janeiro de 2021 em Washington DC deveria ter resolvido a questão.

No entanto, a base de tudo isso era uma questão ainda maior: as democracias liberais têm a capacidade de controlar as corporações que possuem e operam essa tecnologia?

Sabemos que isso pode ser feito porque os Estados autoritários o fazem. Mas será que estamos muito limitados por nosso apego ao estado de direito, pelos bolsos fundos das corporações e pela tolerância de nossos legisladores em relação ao lobby para conseguir fazer isso?

Até pouco tempo atrás, meu receio era que a resposta fosse negativa porque, historicamente, as democracias são animais lentos.

De repente, porém, a atmosfera parece estar mudando. A UE agora tem três leis importantes em seu livro de estatutos: a Lei de Mercados Digitais e a Lei de Serviços Digitais, e agora sua Lei de IA.

Do outro lado do Atlântico, vimos a condenação do Google como monopolista e agora seu processo por controle abusivo do mercado de publicidade digital.

Aqui no Reino Unido, a Autoridade de Concorrência e Mercados tem lançado um olhar negativo sobre o tipo de fusões de empresas de tecnologia que costumavam ser aprovadas.

Do outro lado do Canal da Mancha, os franceses estão prendendo o executivo-chefe do Telegram enquanto investigam o esgoto tóxico que ele dirige. E agora o X foi fechado por um juiz no Brasil. Então, algo está acontecendo. E já não era sem tempo.

Com informações do VIoMundo

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