Os assassinos de Bruno Pereira e Dom Phillips, diz Tereza Cruvinel, “agiram segundo a lógica e o ambiente criados por Jair Bolsonaro e seus asseclas”
Bárbaro, hediondo, macabro, covarde… Nenhuma palavra basta para qualificar o crime. O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips dizem ao mundo a quê ponto o Brasil chegou na regressão civilizatória e até onde pode ir a disputa pela Amazônia.
Os fascínoras que os mataram não seguiram apenas o comando do instinto primitivo e bruto. Agiram segundo a lógica e o ambiente criados por Jair Bolsonaro e seus asseclas. Na disputa sangrenta pela Amazônia, o governo que investe contra o ativismo ambiental e demoniza os indígenas, é complacente com o garimpo ilegal, o desmatamento, a grilagem, a pesca ilegal e todo tipo de predação, dá sinal verde para os assassinos e arma suas mãos.
O Brasil é o terceiro país do mundo em número de assassinatos de ambientalistas. Segundo a associação Global Witness, 448 foram mortos no Brasil entre 2002 e 2013. De 2019 para cá estes números cresceram muito, e incluem agora as mortes de Dom e Bruno – um jornalista que abraçou o Brasil e a Amazônia, um indigenista que dedicou sua vida aos povos do Javari, onde vive o maior conjunto de indígenas isolados e de recente contato do mundo.
Em 2015, 50 ambientalistas foram mortos no Brasil, segundo a entidade. Só no Pará, em 2017 foram 57, e 16 em 2018. Em Anapú, no mesmo estado, em 2019, houve 20 assassinatos.
Bolsonaro deformou a Funai, o Ibama e o ICM-Bio, entre outras tantas instituições de Estado. Festejou a queda do número de multas ambientais aplicadas pelos fiscais do IBAMA. Vem passando no Congresso todas as boiadas anti-ambientais, com apoio da bancada ruralista. Seu armamentismo chegou à Amazônia profunda, onde tudo vem sendo resolvido a bala. Os homicídios cresceram 52% na região, em um ano, contra uma redução de 10% no país. O clamor contra a violência na Amazônia vem crescendo mas bate em ouvidos moucos.
Sabíamos também Bolsonaro era desalmado, por tudo o que fez na pandemia, quando escarnecia da comoção. Mas ainda se podia pensar que ali ele travava seu combate negacionista contra a ciência, as vacinas, o isolamento e outras práticas, preocupado com a economia e com a reeleição.
Agora, durante os 10 dias do “desaparecimento” de Bruno e Dom, pudemos ver que lhe falta mesmo a tal empatia, a compaixão mínima com a dor alheia.
Primeiro, ignorou o assunto, quando estava nos Estados Unidos, deixando de dar um comando firme para que as buscas fossem aceleradas. Chegou e foi logo dizendo que eles “entraram numa aventura”, quando faziam o trabalho que o Estado deixou de fazer, de defender os povos indígenas e a floresta que guardam melhor que ninguém. Mentiu dizendo que entraram em terra indígena sem autorização da Funai, que também mentiu, e levou um sabão de uma juíza por isso.
Nessa mesma quarta-feira em que os assassinos confessaram o crime, permitiu-se dizer que “estes inglês era mal visto” na Amazônia, por matérias que fazia contra garimpeiros e sobre crimes ambientais. Ao dizer mal visto, uma conjunção depreciativa, revelou seu alinhamento com os que foram incomodados pelo jornalista.
E permitiu-se também futucar a dor das famílias, dizendo que os corpos não deviam aparecer, desfiando suposições sobre o destino que poderiam ter lhes dado. E seu ministro da Justiça, Anderson Torres, completou o quadro, ao falar, desnecessariamente, que foram encontrados “remanescentes humanos”.
Para completar, Bolsonaro reconheceu que “ali acontece de tudo”. Ou seja, que a Amazônia virou terra sem lei, entregue ao crime organizado que reúne narcotráfico, pesca predatória e ilegal, tráfico de armas, grilagem e garimpagem.
O espanto mundial será grande com a barbaridade ocorrida no Javari. Algumas coisas ainda mal explicadas, como a suposta “barbeiragem” da embaixada em Londres, talvez tenham decorrido de um esforço para atenuar o impacto.
Para quem anda desesperado com o quadro eleitoral, o desfecho do caso joga mais cal na candidatura de Bolsonaro. Mas o repúdio nas urnas é pouco para quem arrastou o Brasil para tão baixo.
Desfecho, não: o caso não acaba com a localização dos corpos e com as confissões. Nem mesmo com as condenações dos assassinos. O assassinato de Dom e Bruno precisa ser o início de uma tomada de consciência nacional sobre o futuro da Amazônia. A palavra soberania, que enche a boca de Bolsonaro quando ele condena o interesse do mundo pela Amazônia, precisa readquirir seu significado. Soberano lá, neste momento, é o crime, a violência, a ambição e a brutalidade. Mas neste governo, sabemos, ela não será restaurada. Por isso ele precisa acabar logo. No primeiro turno.
Este artigo não representa a opinião do Ceilândia em Alerta e do jornal TaguaCei e é de responsabilidade do colunista.
Por Tereza Cruvinel
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