Se tivesse estudado a História, Jair Bolsonaro saberia que eleição não é carta-branca para atirar. Se fosse, a reprovação a Dilma Rousseff não teria chegado a 62% dos brasileiros cinco meses após se reeleger com 54,5 milhões de votos e escolher Joaquim Levy para aplicar um ajuste fiscal que não foi combinado com os eleitores.
Bolsonaro parece não ter aprendido muita coisa com o ocaso da antecessora.
Quanto mais acirrada uma eleição, mais alargados ficam os fundamentos que inibem, em condições normais, os ataques da cintura para baixo dos adversários.
A conjuntura que levou Bolsonaro à Presidência é tão peculiar que permitiu a ele lançar bombas não só a opositores, mas também contra possíveis eleitores. Às vésperas da votação, ele prometia banir os “marginais vermelhos da nossa pátria” – o que, no linguajar bolsonarista, são todos os que não se prestam à obediência cega.
Apesar da declaração de guerra, muitos eleitores, emparedados entre o antipetismo e a aversão à retórica do capitão, deram a ele o benefício da dúvida. Bolsonaro venceu.
Entre os milhões de eleitores, muitos conferiram a ele a oportunidade de governar o Brasil não em razão, mas APESAR da postura exibida no seu tempo de deputado e militar praticamente expulso do Exército.
Alguns não levaram a sério as declarações; achavam que era brincadeira ou que as polêmicas estavam desbotadas. Outros apostaram que era tudo jogo de cena, que ele não pensava realmente daquela forma e havia aprendido com o tempo; uma vez eleito, ele jamais reproduziria grosserias dos tempos de franco-atirador, como chamar repórter de idiota e deputada de vagabunda; que não diria ser homofóbico com orgulho nem defenderia o fechamento do Congresso ou o fuzilamento de adversários políticos.
De lá pra cá, um único sinal de distensão foi emitido pelo presidente: quando prometeu, na posse, governar para todos.
E só.
Uma vez empossado, o governo se tornou uma reunião de cabeças alinhadas com o que pensa o chefe. Quem discorda dele ou não faz parte do time ou é fustigado; quem insiste em discordar é taxado de comunista ou idiota.
A aposta no triunfo do bom senso exigido pelo cargo, feita por eleitores não totalmente identificados com a fala bolsonarista, falhou.
Em vez disso, Bolsonaro acreditou que a faixa presidencial era a concessão automática de uma carteira nacional de habilitação para conduzir um trator para onde o nariz apontasse, mesmo que no caminho estivesse parte do eleitorado que votou nele.
Com essa licença, dobrou a aposta em anúncios e decretos sem se ater à opinião pública nem aos pilares de um livrinho chamado Constituição.
Um desses decretos prevê a ampliação do porte de armas em um país onde 61% dos brasileiros dizem que armas de fogo devem ser proibidas por representarem ameaça à vida de outras pessoas, segundo o Datafolha.
Se você é uma dessas pessoas, tendo votado ou não no capitão, lamento dizer: ele não se importa com o que você pensa. Para ele, você e o instituto de pesquisa estão comprados ou lobotomizados pelas teses marxistas, mesmo que você jamais tenha chegado perto de O Capital.
A aposta no confronto
Em menos de cinco meses, a aposta no confronto reduziu o apoio ao governo aos bolsonaristas-raiz, aqueles capazes de aplaudir as falas mais alucinógenas do mito infalível.
Mas governar é saber escolher as brigas, e não há registro na História de quem escolheu a educação como inimiga e se deu bem.
Se o contingenciamento é inevitável, como quer fazer crer seu ministro Abraham Weintraub, a história do anúncio é uma sucessão de erros. É como avisar o paciente que ele passará por uma operação, com risco de morte, porque merece.
Não tem como dar certo.
Na mão de Weintraub, a tesoura do orçamento serviu como objeto de chantagem ideológica. Pois foi isso o que fez o chefe do MEC ao anunciar um piloto de contingenciamento sobre três universidades federais que não se comportaram ao gosto do governo e seriam punidas por motivos de “balbúrdia”; como a declaração pegou mal, ele decidiu democratizar a tesoura para todas as instituições federais e também à educação básica; como ninguém aceitou de bom grado, a saída foi desenhar a medida por meio de bombons.
Era um jeito de chamar todos os opositores da medida, que não foram chamados para a conversa, de idiotas, como se a reação fosse resultado de um mal entendido e o ministro precisasse explicar novamente, e novamente, e novamente, e assim sucessivamente até que os contrariados abrissem os braços e pedissem “desculpas, ministro, corta mais que tá pouco”.
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