Nos governos militares, que não deixaram saudade para os democratas, os porta-vozes e secretários de imprensa costumavam ser civis. Eram escolhidos entre jornalistas ou diplomatas.
Foi assim também nos governos pós-redemocratização.
Para se ter uma ideia, o secretário de imprensa do general Costa e Silva, aquele do AI-5, era meu amigo Carlos Chagas, um jornalista do maior respeito, comentarista político dos principais jornais e TVs do país.
É verdade que também tivemos Alexandre Garcia, aquele ex-Globo, como porta-voz do general João Figueiredo.
Agora, num governo democraticamente eleito, teremos como porta-voz um general três estrelas da ativa, Otávio Santana do Rêgo Barros, que até aqui era chefe da Comunicação Social do Exército.
Nas primeiras semanas do novo governo, quem exerceu esse papel foi o general Augusto Heleno, chefe do GSI, que procurava interpretar e corrigir as declarações do capitão Bolsonaro.
Também o ministro-chefe da Casa Civil, Ony Lorenzoni, que vê o mesmo perigo numa pistola e num liquidificador, procurava ocupar este espaço que estava vazio.
Com o general Barros, já são sete os ministros militares, além de dois no comando de estatais.
Em nenhum governo da ditadura militar lembro-me de ter visto tantos fardados no Palácio do Planalto.
Diante deste protagonismo dos militares, Carlos Alberto dos Santos Cruz, também ele um general, ministro da Secretaria de Governo, disse não ver “vantagem nem desvantagem” numa administração com tantos servidores das Forças Armadas.
“Não vejo nada de especial no papel dos militares, não tem nada de especial por ser militar e ter uma função diferente”.
Santos Cruz tem razão quando diz que estes militares têm características como “honestidade, dedicação e integridade”, além de excelente formação profissional, algo que não se pode dizer da maioria dos ministros civis nomeados por Bolsonaro.
Tendo à frente um capitão reformado aos 33 anos que, depois de enfrentar problemas no Exército, virou deputado profissional, este híbrido governo civil-militar estava mesmo precisando de um porta-voz, não necessariamente um general para botar ordem na casa.
Mais do que isso, porém, o governo precisa definir uma política de comunicação civilizada para orientar o relacionamento com a sociedade, a imprensa e os profissionais da área.
Por experiência própria, sei que o desafio não é pequeno para conciliar os interesses do governo e dos jornalistas sempre em busca de novidades sobre o que está acontecendo no poder.
Pelas suas primeiras declarações, no entanto, o general porta-voz pretende priorizar a “nova mídia” formada pelas redes sociais do bolsonarismo, como o próprio presidente tem feito, sob a orientação do seu filho Carlos, que ele chama de “meu pitbull”.
Vida que segue.
Ricardo Kotscho é jornalista e integra o Jornalistas pela Democracia