Em uma fala de vinte e sete minutos de transmissão ao vivo em cadeia de rádio e televisão, o ministro da Justiça, Luiz Antônio Gama e Silva, anunciou o Ato Institucional 5, o AI-5, há exatos 50 anos. Ele apareceu com fisionomia carrancuda, falando em tom solene, ao lado do locutor Alberto Curi, da Agência Nacional. A fala começou às 23h, no fim do dia 13 de dezembro de 1968. Ambos apareceram sentados atrás de uma mesa pequena, estilo rococó, no Salão Nobre do Palácio da Justiça, no Rio de Janeiro.
O país passou a viver, oficialmente, sob o regime de terrorismo de Estado. Com as novas regras, o presidente da República tinha poder absoluto, acima das casas legislativas e das instâncias do Judiciário. O habeas corpus na prática foi abolido. Estados e municípios poderiam sofrer intervenções a qualquer momento e os direitos políticos de qualquer cidadão dependiam da caneta presidencial. Cabia ao presidente também o direito de impor Estado de sítio.
Há 4 anos, quando os democratas e patriotas lembraram a passagem dos 50 anos do golpe militar de 1964, não era possível imaginar que num tempo tão curto as sombras dessa triste página da história voltassem a serem vistas. Nesse processo golpista, que pavimentou a estrada que levou a extrema direita à vitória nas eleições presidenciais de 2018, o que não faltaram foram vozes dos arautos daquele regime, a começar pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro.
Isso prova que o Estado Democrático de Direito, uma vez violado, pode ser alvo constante de aventureiros, de forças políticas obscurantistas e de projetos ideológicos retrógados. Faz parte dessa cartilha a pregação do ódio e a incitação à violência. Foram essas, basicamente, as armas que o regime de 1964 utilizou para tingir o chão brasileiro com o sangue de abnegados patriotas e democratas. O AI-5 é a mancha mais saliente desse lamentável acontecimento na história do país.
Agora, o que se vê, como predominância na agenda política das forças que ganharam as eleições de 2018, é o mesmo ranço ideológico, um ideal que se levantou contra Tiradentes para tentar fazer sumir da história os objetivos do movimento independentista mineiro, assim como nos casos dos Alfaiates da Bahia, dos republicanos do Nordeste, da Abolição e das construções republicanas, sobretudo a Revolução de 1930.
Há um fio histórico conduzindo e costurando essa evolução. A luta por um Brasil independente, desenvolvido, democrático e socialmente equilibrado se desenvolve em conflito com os enormes poderes discricionários de uma pequena minoria, herança do regime escravista que predominou por 388 anos no país. Nenhuma outra nação manteve a escravidão até às barbas do século XX. Em nenhuma delas, também, as oligarquias rurais tiveram tanta influência até a Segunda Guerra Mundial.
É certo que o combate histórico ao poder ditatorial — em especial à ditadura militar — temperou as forças democráticas e progressistas. No entanto, pouca coisa mudou na essência do modo como essa elite e o povo se vêem e se relacionam.
O AI-5 aprofundou a violência contra a democracia do golpe. Passados 50 anos, seu espectro ameaçador continua presente no cotidiano do país, num cenário em que a luta pela democracia, por soberania nacional e progresso social continua, agora por outros meios. Mas é, a rigor, a mesma luta de Tiradentes, Frei Caneca, Cipriano Barata e tantos outros valentes que tinham um ideal político muito bem definido, que apontava para a conquista da liberdade.
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