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Além dos danos diretos causados aos jovens que interromperam os estudos durante a crise sanitária, o mercado de trabalho costuma rejeitar a mão de obra daqueles que não concluíram o ensino médio

A crise sanitária do novo coronavírus dificultou o acesso ao ensino dos estudantes do Distrito Federal. Alguns alunos não tiveram como continuar os estudos devido a problemas como falta de acesso à tecnologia e internet ou pela necessidade de se tornarem provedores da renda familiar de suas casas. Com isso, o abandono escolar se fez presente nas unidades de ensino, e professores se mobilizaram na tentativa de resgatar os alunos de volta para as escolas. Além dos danos imediatos de perda educacional, especialistas avaliam que a falta de formação pode resultar em aumento do desemprego nos próximos anos.

A Secretaria de Educação disse que as escolas realizam busca ativa “por meio de contato com os pais ou responsáveis”. “Por isso, é muito importante que mantenham os dados de contato sempre atualizados na escola. Mudou de endereço, telefone, e-mail, WhatsApp: avisa a escola”, orienta a pasta.

Segundo a secretária de Educação Hélvia Paranaguá, a pasta ainda está fazendo o levantamento, mas alguns dados já apontam a desistência, principalmente de crianças em situação de vulnerabilidade social. “Há muitos meninos do ensino médio que foram trabalhar porque o pai ficou desempregado. Alguns que recebiam o bolsa família e outros programas sociais não retornaram à escola e vamos fazer uma busca ativa para trazê-los de volta. Antes, a presença escolar era fundamental para o recebimento do benefício, como nesse período não houve essa exigência, eles evadiram e abandonaram a escola”, disse, em entrevista ao CB.Poder — programa do Correio em parceria com a TV Brasília — no último dia 3.

Busca ativa

Quem enfrentou o desafio de encontrar os alunos foi o Centro de Ensino Médio (CEM) 03 do Gama. Rosilene Nóbrega, diretora da unidade de ensino, conta que a escola possui 1.315 alunos matriculados, e que no começo da pandemia sofreu o impacto de cerca de 35% de abandono entre os estudantes. “Esse período foi complicado porque os nossos alunos ficaram desmotivados, outros não tinham acesso à internet ou celular, além daqueles que tiveram que trabalhar para ajudar os pais. A escola montou uma força-tarefa para ir atrás deles. Ligamos nos contatos, mas a maioria estava desatualizada. Então, começamos a ir diretamente nos endereços, mas como muitos pais moravam de aluguel e tinham perdido o emprego, vários tinham se mudado”, relata.

Apesar das dificuldades, a escola conseguiu trazer de volta grande parte dos estudantes. “De setembro de 2020 até o fim do ano, reduzimos o abandono de 35% para 23%. Este ano, continuamos o nosso trabalho e diminuímos o índice para 12%. Continuamos o nosso papel para mostrar ao aluno que ele deve voltar à escola. Para isso, buscamos dar condições para que esse retorno aconteça. Durante o ensino remoto, por exemplo, fizemos campanhas para arrecadar celulares usados e entregar os aparelhos para os estudantes que não tinham. O nosso foco é não perder nenhum aluno, e nosso esforço valeu a pena, porque 14 alunos nossos conseguiram ingressar na UnB (Universidade de Brasília) pelo PAS (Programa de Avaliação Seriada)”, conta.

Retorno

Vinicius Alves Soares, 17 anos, morador do Gama e estudante do terceiro ano do ensino médio, foi um dos estudantes do CEM 3 que buscou orientação na escola para retornar aos estudos. Em 2020, mesmo com a pandemia, Vinícius revela que participou bastante das aulas. “Cheguei a trabalhar em 2020, mas participei do ensino remoto”, relata. A dificuldade veio em 2021, quando Vinícius começou a trabalhar o dia inteiro. “Trabalhei como ajudante de serragem, e era o dia todo no serviço. Por isso foi difícil conciliar os estudos. Antes de voltar (a estudar), eu cheguei a ir na escola para verificar se compensava eu tentar continuar os estudos”, detalha.

“A escola me falou que eu ainda conseguiria me formar se me esforçasse bastante, entregasse as atividades e não faltasse mais. Acabei saindo do emprego para conseguir me dedicar. Ainda não sei o que quero estudar na faculdade, mas venho tentando ser jogador de futebol. Ainda assim, quero terminar os estudos para garantir a faculdade depois”, pondera.

Marcos Paulo Lima, 18 anos, também morador do Gama, é outro estudante que passou por dificuldades para conciliar emprego e estudo. “Comecei a trabalhar em 2019, e o principal motivo era pela renda familiar. Fui por muito tempo a principal renda familiar lá em casa. A pandemia também fez com que a gente corresse atrás de outras formas de sobreviver, e isso tomava tempo. Quando estava remoto, ainda conseguia fazer uma atividade ou outra, mas nas aulas presenciais, eu parei de frequentar”, narra.

O estudante do terceiro ano do ensino médio explica: “não foi algo que eu decidi, simplesmente chegava o horário da escola e eu não conseguia ir, porque tinha que entrar mais cedo no serviço ou tinha chegado muito tarde em casa, estava muito cansado. E o horário não dava para conciliar. Mas agora eu estou buscando voltar, e a escola vem tentando ajudar”. Marcos Paulo, também conhecido Daiki Zi, confessa o sonho de ser cantor. “Comecei agora a trabalhar com música, sou cantor e compositor. Montei um estúdio com o meu irmão, a gente faz rap/trap”, se anima.

Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina Almeida Santos destaca que falta amparo do Estado para os estudantes. “Muitos estão abandonando a escola para buscar uma forma de sobrevivência. O Estado precisa fornecer condições para que o aluno permaneça na escola sem passar fome. Não é que o aluno queira deixar os estudos, mas ele não tem opção. Foram vários os relatos de estudantes de 14 anos deixando a escola para ir trabalhar na construção civil, o que é trabalho infantil. O que precisa ser feito é estabelecer políticas que garantam renda mínima para que eles não precisem escolher entre estudar ou se alimentar”, frisa.

Catarina também destaca o perigo da redução da idade mínima de trabalho. “A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 18 quer permitir que jovens de 14 anos comecem a trabalhar. Primeiro que já temos milhões de pessoas desempregadas, então não é necessário que jovens nessa faixa-etária assumam empregos, pois já temos mão de obra disponível. O foco deles trabalharem é porque são jovens e acabam recebendo menos e sendo explorados”, destaca.

Danos

A evasão escolar se reflete no mercado de trabalho. Simone Gontijo, professora do Instituto Federal de Brasília (IFB) e doutora em educação, avalia que o preço da “exclusão da juventude do contexto escolar é alto, e é pago por todo o país”. “Os pais tiveram perda de emprego ou diminuição do salário, e os jovens precisaram ocupar postos de trabalho. O aluno passa por essa necessidade urgente de sobrevivência; é praticamente uma exclusão do estudante do processo escolar. Ele não sai da escola por vontade própria e acaba indo para um trabalho desqualificado, que não tem os direitos legais do trabalhador garantido”, ressalta.

Matheus Silva de Paiva, economista e coordenador do curso de economia da Universidade Católica de Brasília (UCB), destaca que um dos maiores problemas do mercado de trabalho é a falta de qualificação. “Os empresários reclamam muito da falta de mão de obra qualificada. Eles até querem empregar, têm vontade de contratar, mas a pessoa não dura muito tempo, pois não dá conta do serviço. É terrível para os jovens abandonarem as escolas, porque vai na contramão do que os empresários estão precisando”, salienta.

Thales Mendes Ferreira, secretário de Trabalho

Que tipo de iniciativa o Governo do DF adota para a qualificação

profissional dos brasilienses?

Lançamos, em meados de junho, o programa Renova DF, que começou abrindo mil vagas. Em setembro, finalizamos a primeira etapa, e dos mil alunos que participaram do curso, 800 concluíram e foram certificados. Abrimos uma nova etapa com mais mil alunos, que concluíram a formação em dezembro. A terceira etapa do Renova já foi lançada no Itapoã, com 250 vagas para a região administrativa, 250 para a Estrutural e 250 para o Riacho Fundo. Na última semana, lançamos mais 750 vagas no Guará e em Águas Claras, e abrimos um chamamento público para outros 1.500 alunos, que começam o curso em dezembro.

A expectativa é que o programa continue no próximo ano?

Entramos em dezembro com 4 mil alunos recuperando grande parte de todas as pracinhas do DF. O programa atua no desemprego, porque uma regra (para participar) é a pessoa estar desempregada. O aluno entra no curso e recebe o uniforme e o valor correspondente à passagem do mês. Quando atinge 80% de aproveitamento do mês, recebe uma bolsa com salário mínimo por ter participado. O curso chega a durar três meses, ou seja, são três meses em que as pessoas têm um salário. A expectativa é que a gente mantenha o programa durante todo o ano que vem, até porque é uma política pública de Estado, de inserção social, que independe de uma questão política. A iniciativa traz dignidade e expectativa de vida para as pessoas.

Em sua avaliação, o Renova-DF consegue resolver o problema de falta de oportunidade na qualificação do DF?

Com certeza. O que aproxima o cidadão desempregado à vaga de emprego é a experiência e a qualificação profissional. Com todo esse pacote de cursos de qualificação, o aluno terá mais oportunidade. A gente traz também a questão da respeitabilidade e da confiança, do empresário que está contratando pessoas, pois sabe da qualidade do curso do Renova-DF. Além de ajudar a construir a cidade, o aluno passa por um sentimento de pertencimento aos equipamentos que ele restaurou.