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Para o presidente Jair Bolsonaro (PSL), existe uma “indústria” de demarcação de terras indígenas, sustentada por integrantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), que impede o desenvolvimento da Amazônia. “O que puder rever, eu vou rever”, disse sobre as demarcações de terras em entrevista à rádio Jovem Pan no último dia 8. A solução defendida pelo presidente é a exploração do território em “parceria” com os Estados Unidos.

Por Lu Sudré, do Brasil de Fato

Portal Brasil

 

Os primeiros passos para fortalecer essa relação foram institucionalizados no mês passado. Durante visita diplomática aos EUA, Roberto Castelo Branco, secretário nacional de Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente, assinou uma carta de intenção junto à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid – United States Agency for International Development, em inglês), defendendo a exploração estrangeira na Amazônia.

“É nosso entendimento mútuo que liberar o financiamento privado para empresas sustentáveis ​​na Amazônia fortalece a autonomia e o bem-estar das comunidades e empreendedores que dependem da floresta na Amazônia, e cria oportunidades para a conservação da biodiversidade, a restauração da terra e a redução do desmatamento, o que pode levar à substituição de práticas ilegais e insustentáveis por opções legais e sustentáveis”, diz o texto, que anunciou um fundo de investimento de US$ 100 milhões para a região, a maior parte financiada por empresas privadas.

Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB), critica os posicionamentos do presidente e as ações adotadas por seu governo. “A política do Bolsonaro tem se mostrado, desde a campanha, uma política genocida para os povos indígenas. A agenda dele pra Amazônia é uma agenda totalmente destrutiva. É isso que ele vem negociando: a entrega dos nossos recursos naturais para o estrangeiro”, ressalta Guajajara.

De forma contundente, a indígena denuncia o desmonte da política indigenista no país: “Tudo isso é uma negociação clara [no sentido] de impedir a demarcação de terras indígenas ou de reverter territórios já demarcados e, com isso, negar nosso direito territorial, que é o direito a nossa própria identidade”.

Segundo Carlos Marés, jurista e ex-presidente da Funai, para se pensar o desenvolvimento da Amazônia é necessário elaborar um plano global que considere seu papel no equilíbrio do ecossistema do planeta e na sobrevivência das populações originárias da região.

“A primeira questão da Amazônia, se pensar em um planejamento, é perguntar aos povos que vivem na Amazônia, principalmente aos indígenas mas também aos quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, como é que faz pra melhorar as condições de vida na Amazônia. Enquanto não perguntarem para essas populações, estarão destruindo”, critica Marés. “Destruir a natureza da Amazônia é destruir as populações e se destruir as populações, se destrói a natureza. As duas coisas estão juntas. Qualquer perspectiva sem o planejamento que consulte os povos que estão na Amazônia e vivem lá, é devastador e colonial”,

O ex-presidente da Funai reitera que, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – sobre povos indígenas e tribais –, todo e qualquer ato do governo deve passar por um processo de consulta a essas populações.

Após afirmar que pretende rever as demarcações, Bolsonaro minimizou as especificidades dos indígenas e defendeu a possibilidade de venda das terras. “O índio é um ser humano igual a eu e você. Ele quer energia elétrica, ele quer dentista para arrancar o toco de seu dente que está doendo, ele quer médico, ele quer internet”, disse.

A declaração foi condenada por quem conhece de perto a resistência dos povos originários no Brasil. Em entrevista ao Brasil de Fato, um funcionário da Funai que preferiu não se identificar criticou o posicionamento do ex-presidente.

“Muito mais do que ‘querer dentista para arrancar (sic) o toco (sic) de seu dente que está doendo’, o indígena quer fazer uma faculdade de odontologia, de enfermagem e de medicina, e quer voltar para a sua comunidade, manter a sua cultura viva, promovê-la e promover o bem-estar dos seus”, enfatiza.

“Ao contrário do que ele [Bolsonaro] pensa, ou diz pensar, os indígenas não são seres humanos como ele, ou como nós. Só na Cabeça do Cachorro [Noroeste do Amazonas] são 26 etnias que coexistem há milênios e não têm a menor intenção de serem incorporadas ou ‘aculturadas’. Daí, a necessidade de um órgão indigenista com profissionais que entendam essa especificidade”, diz o trabalhador da Funai, que atuou em Barcelos (AM) na área da saúde.

Funai na mira

Uma das primeiras medidas tomadas por Bolsonaro assim que chegou ao governo foi transferir ao Ministério da Agricultura a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas e quilombolas. Estas eram algumas das principais atividades executadas pela Funai nos últimos 30 anos, órgão que passou a ser subordinado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Na opinião de Carlos Marés, esse é mais um fator que sinaliza a articulação de uma política deliberada do governo Bolsonaro de desmonte das políticas indigenista – que, segundo ele, também ocorria no governo Temer (MDB): “Evidentemente é uma tentativa de esvaziar a própria Funai. E se ele tenta esvaziar a própria Funai é porque reconhece que ela tem uma participação indígena. Se lhe der força, ela irá defender os direitos indígenas”

Para Sônia Guajajara, a Funai é considerada um empecilho para o governo: “A transferência [de ministérios] é uma forma disfarçada de extinguir. Ele [Bolsonaro] esfacelou a Funai toda e não tem como operar sem condições financeiras, sem autonomia”, lamenta. “A Funai virou essa moeda de troca, submissa à decisões do governo.”

Amazônia vale ouro

Não é apenas para “parcerias em prol do desenvolvimento” que setores estrangeiros miram a Amazônia. Um dossiê do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social publicado em março mostrou que cada vez mais a região é alvo do agronegócio e da mineração estrangeira.

O documento aponta que no caso da mineração, por exemplo, várias empresas multinacionais atuam na região “sem o controle mais direto do Estado brasileiro”. “Os seguidos projetos de ocupação e intervenção do Estado brasileiro na região foram de subordinação aos interesses externos, com medidas que facilitam a exploração do território pelas grandes potências e empresas transnacionais, com isenções fiscais, empréstimos públicos, investimentos em infraestrutura e doações de terras”, informa o dossiê.

Doutora em Relações Internacionais pelo Instituto Santiago Dantas e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa, Ana Penido defende um estado de alerta em relação às ações do governo Bolsonaro. “Tudo indica a venda generalizada do patrimônio nacional. É difícil falar que a Amazônia vai continuar sendo brasileira. Enquanto Estado brasileiro, talvez continue sendo, mas a riqueza, a cada dia que passa, é explorada por multinacionais estrangeiras”.

Neste cenário, a avaliação de Marés, ex-presidente da Funai, é de que as tentativas de destruição da Amazônia e das políticas indigenistas continuarão, embora esteja convicto de que haverá forte resistência no caminho: “A grande defesa da Amazônia se fará, principalmente pelos povos indígenas”, finaliza.