Antônio Tavares tinha 38 anos quando foi assassinado pos agentes da PM do Paraná. Deixou esposa e cinco filhos. Era assentado da reforma agrária no município de Candói e fazia parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade. Fotos: Arquivo de família e Welinton Lenon/MST/PR
Estado brasileiro é condenado pelo assassinato do camponês Antonio Tavares
Sentença da Corte Interamericana determina que Justiça Militar não pode mais investigar crimes cometidos por militares contra civis
Por Comunicação MST, Terra Direitos e Justiça Global
O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em sentença divulgada nesta quinta-feira (14).
A Corte reconheceu a intensa violência e a omissão pela justiça brasileira ao assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares e às lesões sofridas por mais de 197 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por parte de agentes da Polícia Militar do Paraná, durante a repressão, na Rodovia BR-227, em Campo Largo (PR), a uma marcha pela reforma agrária que ocorreria em 2 de maio de 2000 em Curitiba.
Na repressão mulheres, crianças e pessoas idosas também foram feridas.
Diante do arquivamento do caso na justiça brasileira e manutenção da impunidade, o caso foi denunciado em 2004 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em fevereiro de 2021, o caso foi submetido à Corte Interamericana pelo próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Terra de Direitos e Justiça Global.
Familiares de Antonio Tavares, a viúva e três filhos, assistiram ao anúncio da sentença em Curitiba, junto a militantes do MST, integrantes da Terra de Direitos e apoiadores da reforma agrária.
Com mais de 80 páginas, a decisão tem quatro grandes determinações ao Estado brasileiro.
A primeira diz respeito ao fato de que a justiça militar não tem competência para julgar e investigar militares que cometam crimes contra civis.
A medida visa enfrentar o atual quadro de impunidade. No processo de responsabilização dos envolvidos do crime contra Tavares, os inquéritos na polícia militar e civil foram arquivados e as lesões corporais impostas às mais de 197 pessoas feridas jamais foram objeto de investigação pelas autoridades locais.
Fotos: APP-Sindicato
Outra medida presente na sentença é a inclusão de conteúdo específico no currículo para permanente formação de agentes de segurança pública, de modo a garantir o respeito aos direitos dos manifestantes.
A sentença também reconhece o direito à manifestação e determina a realização pelo Estado brasileiro e do Paraná, em diálogo com vítimas e representantes, de ato público de reconhecimento de responsabilidade pelas violações de direitos do caso.
A sentença deve ser divulgada amplamente pelas autoridades públicas nacionais.
Outra medida presente na sentença é a de que o Estado proteja o monumento erguido às margens da BR 277, nas proximidades do local onde ocorreu o massacre de 2000.
A obra é projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e foi declarada como patrimônio imaterial em 2023.
A decisão obriga a adoção de todas as medidas adequadas para a preservação no local, acesso público e garantia de manutenção.
A Corte ainda determinou a reparação às vítimas presentes no dia e também aos familiares de Antonio Tavares, com apoio psicológico e indenização por danos morais e materiais.
Loreci Lisboa é uma das vítimas do massacre da BR-277, sofreu diversos ferimentos e viu de perto o assassinato de Antonio Tavares.
“A gente sofreu muito naquele dia. Espero que com isso, não só esse governo, mas outros que vierem, saibam o que fazer com o pessoal que vem reivindicar. Nem bicho foi tratado como nós. Foi desumano o que fizeram com nós”.
Ela acompanhou o anúncio da sentença também em Curitiba, e se emocionou ao comentar o que sentiu.
“O coração ainda continua a mil. É uma vitória grande que a gente conseguiu depois de todos esses anos. Foram mais de 20 anos de batalha. A gente se sente ser humano diante dessa decisão. Essa decisão, pra nós que somos da classe baixa, da família Sem Terra, é uma vitória imensa. Outra vitória é o monumento poder ficar ali, e a gente poder visitar”.
Para Roberto Baggio, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pelo Paraná, a sentença significa uma vitória, diante de tantos anos de impunidade:
“Finalmente, depois de 24 anos, a justiça chegou. A Corte, em sua decisão, reconhece que lutar pela terra, se organizar não é crime, é um direito das pessoas para democratizar a terra. Que o estado paranaense é autor das violências. A Corte reconhece que o monumento Antonio Tavares é a memória da luta coletiva da história da luta dos camponeses e de todos que lutam pelos direitos humanos. E que cabe ao Estado brasileiro e ao governo do Paraná fazer uma reeducação dos agentes de segurança pública. O assunto dos direitos humanos não é mais assunto dos aparatos de segurança pública, mas trata-se de uma questão a ser tratada por meio de políticas públicas. A decisão da Corte é uma decisão contundente, que alimenta a luta pela reforma agrária, que alimenta a luta por direitos e para que se avance no país a democratização da propriedade da terra”.
Ayala Ferreira, integrante do Setor de Direitos Humanos do MST, enfatiza a importância da decisão, diante de um histórico de lentidão para a efetivação da reforma agrária, que resulta em violência:
“É um país que nunca implementou de forma ampla e universal uma política de Reforma Agrária. E essa realidade de concentração da terra cria esse cenário de violência de uma guerra silenciosa que se emplaca no campo brasileiro”.
Desde 1985, quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) passou a sistematizar os casos de violência no campo, foram registradas mais de 2 mil pessoas assassinadas.
A condenação não é apenas simbólica, já que o estado brasileiro é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e se submeteu à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana. A decisão é obrigatória e irrecorrível.
O prazo para o cumprimento das determinações é de um ano, a partir da divulgação da sentença.
Além destas, outras duas sentenças da Corte IDH condenaram o Estado Brasileiro por crimes relacionados à luta pela terra.
Camila Gomes, coordenadora de incidência internacional da Terra de Direitos, enfatiza que se trata da 13ª condenação do Brasil pela Corte Interamericana e a 3ª condenação que envolve crimes cometidos por agentes do estado contra trabalhadores Sem Terra.
“Os fatos aconteceram há 24 anos, mas o que a Corte diz hoje para o estado brasileiro é bastante atual. Diz que lutar por direitos não é crime e as autoridades devem, ao invés de reprimir e agir com violência, devem proteger as pessoas que se organizam para lutar por direitos. A Corte diz que basta de impunidade em relação à violência policial”.
A advogada frisa a importância da decisão acerca da investigação dos casos de crimes cometidos por policiais contra civis, que deixará de ficar a cargo da Justiça Militar:
“É absolutamente incompatível com direito internacional e com a jurisprudência da Corte que a justiça militar investigue policiais suspeitos ou acusados de cometerem crimes contra civis. Isso não pode continuar acontecendo. Para superar esse quadro de impunidade, o Brasil deve, dentro de um ano, promover alteração da legislação nacional para garantir que a Polícia Militar não tenha competência para investigar delitos cometidos contra civis”.
Apesar de tratar de fatos que aconteceram há 24 anos, esta decisão é muito atual para pessoas que se organizam para lutar por direitos.
“Estes crimes contra pessoas que lutam por direitos ficam impunes. Essa condenação coloca na agenda política do país a seguinte questão, que precisa ser enfrentada pelas autoridades brasileiras: “Quantas vidas mais de trabalhadores rurais Sem Terra serão ceifadas e quantos casos mais de violência contra pessoas que defendem direitos terão que acontecer para que o Brasil reconheça que lutar por direitos não é crime, para que a vida das pessoas defensoras seja efetivamente protegida?”, questiona a advogada.
Para Glaucia Marinho, diretora-executiva da Justiça Global, a sentença da CIDH ganha relevância ainda maior por retirar da Justiça Militar a responsabilidade pela investigação dos crimes cometidos pela polícia contra civis.
“A condenação do Brasil no caso Antonio Tavares é um importante passo para a efetivação da justiça, reparação e mitigação das violações contra os defensores de direitos humanos, especialmente os que atuam na defesa da terra e território. Ao determinar que o Estado brasileiro altere a competência da Justiça Militar e ela perca a atribuição para julgar crimes contra civis, a Corte empurra o Brasil para dar um passo decisivo no enfrentamento à impunidade e a violência policial no país”.
RELEMBRANDO O CASO
Em 2 maio de 2000, mais de 1.500 Sem Terra, homens, mulheres e crianças, se mobilizaram para ir até a cidade de Curitiba, para participar da Marcha pela Reforma Agrária.
Eles reivindicavam a retomada da reforma agrária e o fim da violência policial contra os Sem Terra.
No entanto, foram violentamente reprimidos ainda na BR 277 e impedidos de chegar à cidade de Curitiba.
Sob comando do governador à época, Jaime Lerner (antigo DEM), sem qualquer ordem judicial, a Polícia Militar do Paraná, organizada em uma tropa de 1500 agentes, bloqueou a BR-277 e impediu – à bala – a chegada da comitiva de 50 ônibus a Curitiba.
Na altura do KM 108, em razão de um bloqueio feito pela Polícia Militar, os passageiros desceram de um dos ônibus, quando PMs fizeram disparos contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Antônio Tavares Pereira foi atingido por um disparo de arma de fogo e faleceu no mesmo dia. Mais de 185 pessoas ficaram feridas.
Vale destacar que a Polícia Militar não prestou socorro às vítimas.
Antônio Tavares tinha 38 anos quando foi assassinado, deixando esposa e cinco filhos. Era assentado da reforma agrária no município de Candói e fazia parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade
Na avaliação do MST, o ataque à marcha não foi um caso isolado. A repressão, aponta o movimento, está inserida num contexto de intensa criminalização e perseguição aos movimentos sociais de luta pela terra no Paraná, endossada pelo então governador Jaime Lerner.
Entre os anos de 1994 e 2002 – primeiro e segundo mandatos de Lerner – ocorreram 502 prisões de trabalhadores rurais, 324 lesões corporais, 07 trabalhadores vítimas de tortura, 47 ameaçados de morte, 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos, 134 despejos violentos no Paraná.
Com informações do VioMundo
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