O governador João Doria, precisamos admitir, é competente em autopromoção e rápido no gatilho. Foi um dos primeiros a chegar em Suzano logo após a tragédia na escola Professor Raul Brasil e emitir aquelas frases protocolares: “Trazer solidariedade”, “Dar todo o apoio”, etc.
Bolsonaro, para efeito comparativo, levou seis horas para soltar um tuíte sobre o assunto.
No entanto, 24 horas após sua presteza, Doria acenou aos familiares das vítimas com uma oferta indecente, para dizer o mínimo.
Doria divulgou que poderá indenizar, em até 30 dias, cerca de R$ 100 mil para cada uma das famílias das vítimas que vieram a óbito desde que estas assinem um documento comprometendo-se a não entrar com ação judicial contra o governo do Estado.
Cem mil reais!
Você deixa seu filho em uma escola pública e ele sai de lá dentro de um caixão. Quanto ‘vale’ isso? R$ 100 mil?
Esse valor sugerido não é nada perto de uma indenização verdadeiramente justa (ainda que pouco eficiente em termos de reparação e conforto emocional) que deve ser estipulada, caso a caso, por profissionais com capacitação jurídica.
Oferecer cem mil reais coagindo as famílias na hora da dor com uma contrapartida maliciosa é uma chantagem atroz.
Os alunos estavam – ou deveriam estar – sob cuidados e proteção do Estado. Mas duas pessoas entraram na escola como se não houvesse portão (havia, mas aberto completamente e sem nenhuma vigilância). Doria sabe de tudo isso, sabe da responsabilidade e da incompetência do Estado nesse episódio e está querendo pagar baratinho pela solução.
“A segurança nas escolas públicas é precária! Não existe a obrigatoriedade de uso nem o fornecimento de uniformes aos alunos. Não tem controle de entrada nas escolas com carteirinhas magnéticas ou mesmo carteirinhas com fotos. Muitas vezes não tem sequer funcionários nas portas de entrada das escolas verificando quem é ou não aluno. A falta de estrutura das escolas favorecem essas tragédias”, declarou Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos humanos e em direitos da infância e juventude.
O governador sabe que fez uma proposta absurda e desumana, mas trabalha com um olho no peixe e outro no gato. Doria sabe que para muitas daquelas famílias os R$ 100 mil são uma fortuna e o desgaste de acionar o governo (com chances remotas de vitória) e enfrentar anos ou décadas de processo judicial são desencorajadores. Mas o governador sabe também que a conta pode ficar bem salgada se todos, feridos inclusive, exigirem indenizações. E colocar a mão no bolso não é um de seus esportes preferidos.
Sua desastrosa gestão à frente da prefeitura paulista foi a responsável pelo corte de 15% nas despesas com policiamento.
As enchentes que provocaram 17 mortos em São Paulo na última semana não são apenas um fenômeno climático atípico. Doria não gastou nem metade da verba destinada à prevenção de enchentes e alagamentos.
“O Estado terá que indenizar as famílias das vítimas já que elas estavam sob a responsabilidade do governo do Estado, que deveria garantir a integridade e a vida delas. Essa é a responsabilidade objetiva do Estado”, completou Ariel.
Para o governador, entretanto, a barganha é do jogo. Doria parece não ter acordado para o fato de que nem tudo são business.
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