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1954: Após o suicídio de Getúlio, multidões, antes apáticas, investiram contra o jornal “O Globo” e outros símbolos do conservadorismo. Ao marcarem o julgamento de Lula para janeiro de 2018, os donos da bola passam recibo: temem a reação de baixo. Mas não têm a mínima ideia de que bicho vai dar

Desde terça-feira (12/12) elevou-se enormemente a possibilidade de Lula ser condenado pelo TRF-4, de Porto Alegre. Imagino que os meritíssimos daquela colenda Corte ainda não tenham traçado o passo seguinte, se sairá dali apenas a inabilitação para concorrer nas eleições, ou se voz de prisão será dada ao réu. Não é matéria a ser decidida de afogadilho. As mais altas instâncias da Justiça — leia-se Rede Globo — devem ser invocadas para a decisão final. Olhando com pouco mais de calma para a celeridade na definição da data, algumas coisas podem ser inferidas.

A primeira é que o tribunal acerta o calendário numa manobra rasteira, digna dos pusilânimes. Anuncia sua agenda no mesmo dia em que o ex-presidente aparece tecnicamente empatado nas pesquisas de intenção de voto com Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro no bastião tucano chamado São Paulo! Ou seja, às vésperas de enfrentar as peçonhas do Judiciário, Lula alcança a melhor performance que jamais obteve em território adverso. Por isso, em meu pedestre entender, não vale a pena aos setores democráticos caírem no desespero e adotarem a tática Hardy Har-har (“Oh dia, oh azar…”).

A tentativa de desferir o golpe dentro do golpe se dá com os algozes demonstrando hesitação. O dia fatídico será entre o ano novo e o Carnaval, tempos de férias nas Universidades e escolas secundárias, locais de onde podem surgir potenciais manifestações públicas. Ou seja, passam recibo de temerem reações vindas de baixo. Os donos da bola não têm a menor ideia de que bicho vai dar, uma vez proferida a decisão. Aliás, ninguém sabe. Como filosofava o Barão de Itararé, tudo pode acontecer, inclusive nada.

O que acontecerá ao fim do dia 24 de Janeiro? Embora seja uma época de desmobilização geral, nada impede Lula de continuar a botar a boca no mundo e a correr o país, intensificando a denúncia do tapetão jurídico. O desgaste concreto das reformas pode levar o petista a crescer ainda mais nas intenções de voto nesses quarenta dias. A trabalhista já se materializa em demissões em doses industriais em vários estados. Se o ex-metalúrgico continuar a subir, a possível condenação nascerá desmoralizada. Efetiva, mas desmoralizada. Embora seja pouco provável, não está fora do radar um aumento das manifestações populares em apoio ao petista.

É bom atentar para o fato de que até as vésperas do suicídio de Getúlio Vargas – em agosto de 1954 num outro dia 24 – reinava a defensiva entre os apoiadores do presidente. Era notável a relativa passividade nos bairros populares cariocas diante da escalada de denúncias da corrupção que teria origem no Catete. Quando a notícia da morte do “pai dos pobres” se espalhou, o país entrou em catatonia coletiva, que se desdobrou em violentas ondas de protestos no Rio de Janeiro.

O que se planeja para Lula é uma morte de outro tipo. Trata-se de um assassinato político para tirá-lo da disputa em que sua vitória é líquida e certa. Como o golpe de 2016 – apesar de acalentar um projeto claro do grande capital – foi construído com sucessivos pés nas portas, os carrascos togados do Sul podem condenar para ver o que acontece. Agirão mais ou menos como Eduardo Cunha, que se enfureceu com a falta de apoio do PT na Comissão de Ética da Câmara e decidiu fazer o que lhe deu na veneta. A desarticulação acelerada do governo Dilma fez com que tudo ruísse como um castelo de cartas. Um gesto que poderia degenerar em bravata colou. Todos sabem o que veio a seguir.

Possivelmente os doutos juízes seguirão pelo mesmo diapasão. Não aparentam ter muita sensibilidade social e política para farejar o day after. Devem chutar o balde para ver no que dá. Pode dar merda. Do lado das maiorias, tudo dependerá de uma corrida contra o relógio para a constituição de um movimento contra o golpe dentro do golpe, que junte os que gostam e os que não gostam de Lula.

Gilberto Maringoni, Outras Palavras