Reportagem publicada pelo DCM na última sexta-feira (13) trouxe a opinião do professor de Direito Rubens Glezer, especialista em questões do âmbito do Supremo Tribunal Federal, sobre mudanças de comportamento dos ministros daquela corte. Boa parte deles vem adotando posturas contrárias aos métodos da operação Lava Jato, tanto em decisões quanto em falas públicas.
Glezer, contudo, jogou um balde de água fria nos entusiastas do papel contramajoritário do STF, e previu que as eventuais alterações de posicionamento não terão reflexo no julgamento do habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula no “caso triplex”.
Para o professor da FGV Direito e coordenador do centro de estudos “Supremo em Pauta”, prevalecerá, no final, o temor da repercussão política e perante a opinião pública de uma eventual libertação de Lula. Ou seja, o STJ julgará para preservar a instituição sabe-se lá contra o que, mesmo que à custa do Direito.
Advogados que defendem réus da Lava Jato têm visão diferente e apostam que a inflexão garantista do Supremo não é apenas um espasmo superficial.
“Eu tenho uma crença muito sincera de que o STF vai, sim, reafirmar a posição contramajoritária que a Constituição lhe conferiu. Não é uma crença ingênua. É uma crença que está calçada em sinais muito significativos, muito simbólicos, que foram oferecidos pelo próprio Supremo, por exemplo, nos casos Bendine e Guido Mantega”, afirma o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, que reúne advogados criminalistas, boa parte dos quais defensores de réus da Lava Jato, como Alberto Toron, Fábio Tofic Simantob, Augusto de Arruda Botelho, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) Bruno Sales, Paula Sion, Marcela Ortiz, Carmen Barros, Danyelle Galvão e Daniela Megiolaro.
Os dois exemplos realmente são fortes.
No primeiro, a Segunda Turma anulou a sentença condenatória do ex-presidente da Petrobrás, Aldemir Bandine, pelo fato de os advogados de defesa não terem sido ouvidos por último no processo, como manda a lei, o que fez prevalecerem as argumentações finais dos réus delatores, em essência acusadores. A decisão do STF derrubou uma prática recorrente na Lava Jato.
“Essa decisão da Segunda Turma deve ser confirmada em plenário, ao que parece. É extremamente simbólica e significativa, um precedente muito importante, que pode mudar a história da Lava Jato”, diz Carvalho. E explica: “Esse precedente, em especial, reafirma uma coisa bastante óbvia no Direito Penal, que é a premissa de que a defesa deve falar por último. Com essa decisão, reafirma-se a condição de acusador do réu delator. Trata-se de uma decisão que vai romper a barreira do caso específico do Bendine”.
No caso Mantega, monocraticamente, o ministro Gilmar Mendes declarou a incompetência da 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba para julgar uma ação penal contra o ex-ministro da Fazenda, transferindo a ação para a Justiça Federal do Distrito Federal. Para Gilmar Mendes, não há comprovação de que os fatos em análise tenham ligação com a Petrobrás.
“Afirmou-se que a Justiça de Curitiba não tem competência universal”, enfatiza Marco Aurélio de Carvalho.
O advogado acredita, ainda, que as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, que cobram o cumprimento do Artigo 283 do Código Penal, segundo o qual nenhum réu por ser considerado culpado – e portanto não pode iniciar o cumprimento da pena – sem o trânsito em julgado da ação, terão desfecho satisfatório no Supremo.
“Decisões reiteradas do ministro Marco Aurélio e de outros ministros, que vão ao encontro da premissa da presunção de inocência, devem ser confirmadas no plenário, mesmo que com maioria apertada”, prevê Carvalho.
Tudo isso seriam sinais claros de que o Supremo Tribunal Federal resolveu reassumir seu papel de guardião da Constituição acima da Lava Jato e de interesses políticos, e nesse contexto o julgamento HC de Lula será o ponto crucial.
Há outros indicativos de que a corte passou de fato a agir por princípios jurídicos garantistas.
Um dos fundadores da Associação de Juristas pela Democracia, Marco Aurélio de Carvalho elogia o presidente do STF, Dias Toffoli, por ter suspendido temporariamente investigações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, ora transferido para a alçada do Banco Central e rebatizado UIF – Unidade de Inteligência Financeira) e da Receita Federal realizadas sem autorização judicial, em acolhimento a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, que, enroladíssimo com esses órgãos, tivera seu sigilo bancário quebrado.
“Por mais que eu tenha resistências a Flávio Bolsonaro, para ele deve valer o que vale para todo brasileiro em relação ao sigilo. Foi corajosa a decisão, e nós acreditamos que a corte deve manter no mérito esse entendimento, mesmo que por maioria apertada”, avalia Carvalho.
O advogado tem mais elogios ao presidente do Supremo, e críticas a outro ministro: “O ministro Toffoli merece nosso aplauso pelo esforço que está fazendo para manter o STF nos trilhos, para devolver à corte um papel de discrição e de liturgia dos componentes que a integram, e afastá-la desse sentimento social que o ministro Luís Roberto Barroso tanto veicula”.
Como se sabe, Barroso é o expoente do chamado ativismo judicial, prática caraterizada pela invasão da atribuição de outros Poderes da República pelo Poder Judiciário e por julgamentos em que princípios morais e crenças do juiz sobrepõem-se ao texto da lei. Certamente, com Barroso os advogados dos réus da Lava Jato não podem contar.
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