Relatório de observatório do DF aponta “forte presença da questão racial” no sistema socioeducativo, com 90% dos adolescentes negros
Um relatório produzido no Distrito Federal aponta que 90% dos adolescentes que deram entrada no socioeducativo na capital são negros. O número consta em levantamento do Observatório de Violência e Socioeducação do DF, que ressalta o “processo de criminalização da juventude negra no Brasil”.
O observatório traçou um monitoramento e avaliação da política de socioeducação no DF, com atuação conjunta da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), Grupo Violes/SER, da Universidade de Brasília (UnB), e Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF (CLDF). O recorte racial chamou a atenção.
“Os dados mostram os estragos causados pela criminalização da pobreza e pela perpetuação da desigualdade social. É muito sintomático que 90% dos internos do sistema socioeducativo do DF sejam adolescentes negros, oriundos das periferias de nossa cidade. Sem políticas públicas que atuem na raiz social da violência, vamos continuar encarcerando jovens negros e periféricos e negando a eles um futuro”, avalia o deputado distrital Fábio Felix (PSol), presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Em relação à renda familiar desses jovens do socioeducativo, o relatório aponta que 73,14% estão em lares com ganho entre um e três salários mínimos, enquanto 22,06% são de famílias ainda mais vulneráveis, com renda de menos de um salário mínimo. O trabalho de pesquisa analisa os resultados apresentados pontuando as “práticas discriminatórias” da “constituição do Estado Penal”.
“Torna-se um Estado controlador, repressor e punitivo, que age na garantia de segurança de forma seletiva, ou seja, busca-se utilizar de mecanismos discriminatórios, seletivos e repressivos focalizados nos segmentos mais vulneráveis, vistos como portadores de um suposto potencial de perigo, principalmente a juventude.”
Morto com tiro nas costas
Para além dos números, casos emblemáticos no Distrito Federal exemplificam as conclusões da pesquisa. Em 2023, policiais civis da Delegacia da Criança e do Adolescente I (DCA I) atiraram nas costas de Carlos Gabriel Teixeira durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão. Ele chegou a ser socorrido pelos policiais, mas não resistiu ao ferimento e morreu no Hospital de Base.
Carlos Gabriel havia acabado de completar 18 anos. Ele estaria descumprindo medida socioeducativa imposta por envolvimento com drogas, e teria tentado fugir pulando a janela, mas o agente que aguardava embaixo do prédio disparou nas costas e à curta distância. Os policiais alegaram que levariam o jovem para o hospital, mas antes do trajeto pararam em uma loja para recolher o projétil que atingiu o corpo da vítima e ficou preso na parede do banheiro do estabelecimento, conforme ofício da Defensoria Pública do DF. Carlos Gabriel morreu poucos minutos depois.
Atos infracionais
O Observatório de Violência e Socioeducação mostra que o ato infracional imputado ao jovem morto com tiro pelas costas é um dos mais comuns na capital. Atos contra o patrimônio e o tráfico de drogas representam a maior parte das ocorrências. Se somados, são 77% em 2019 e 84% em 2020 dos casos que deram entrada no Núcleo de Atendimento Integrado (NAI).
“A relação desses atos infracionais com necessidades de acesso à renda, trabalho e inclusão social é revelada por estudos que indicam a relação entre o fenômeno social da criminalidade, como uma resultante da questão social”, traz a pesquisa.
O levantamento também mostra que os adolescentes que deram entrada no NAI entre 2019 e 2020 eram majoritariamente de Ceilândia (18%), Samambaia (8%), São Sebastião (5%) e Santa Maria (4%). Já a terceira maior população do DF, do Plano Piloto, apresentou apenas 2% das entradas. “Os dados mostram como o fenômeno da criminalização da pobreza acompanha no DF a lógica da exclusão socioespacial por território e situação de vulnerabilidade social.”
Com informações do Correio Braziliense
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