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Ex-candidato à presidência da República e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad esteve em Florianópolis às vésperas de completar um ano da prisão do ex-presidente Lula

Principal liderança da “Caravana Lula Livre”, que está sendo promovida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no país, o ex-candidato à presidência da República e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, esteve em Florianópolis às vésperas de completar um ano da prisão do ex-presidente.

Antes de participar do ato público na Escadaria da Igreja do Rosário, no Centro da cidade, ele concedeu entrevista à NSC Comunicação. Disse que ficou preocupado com a postergação do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre prisão em segunda instância, que poderia libertar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e fez uma série de críticas ao governo de Jair Bolsonaro, especialmente nas áreas de educação, economia e política internacional.

Afirmou que trabalha como professor e no tempo que tem livre se dedica à política que, agora, tem foco na defesa de propostas que favoreçam os mais pobres e na construção de uma agenda de superação para o país.

Por que a decisão de fazer a Caravana Lula Livre?

Com um ano da prisão do presidente Lula, temos recursos tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para rever uma condenação que nós entendemos, desde sempre, sem base em qualquer prova que tenha demonstrado não só benefício como um ato do presidente Lula que tenha contrariado interesse nacional. Então, é um gesto de indignação em relação a isso, de contrariedade. E para chamar a atenção da opinião pública e das autoridades competentes de que essa injustiça precisa ser reparada o quanto antes. Então, a nossa intenção é não deixar esse assunto morrer porque para nós ele é muito caro, é muito sensível. Não só ao PT, mas a todo o campo progressista do país. Há vários partidos envolvidos, militantes de outras áreas, juristas liberais que nem são de centro-esquerda, mas que defendem o Estado de Direito, livros sendo publicados, artigos sendo publicados e uma mobilização internacional que não é divulgada no Brasil. O mundo inteiro está acompanhando o que está acontecendo no Brasil e em especial com o Lula.

Eu não tenho elementos para julgar a decisão. Mas fico preocupado com esses rumores de bastidor sobre eventual interferência de outros poderes sobre o Judiciário para que as decisões não sejam tomadas. A independência dos poderes é uma cláusula pétrea da Constituição. O Judiciário tem que funcionar com base na sua autonomia. E se estiver havendo pressão sobre o Judiciário para que não tome suas decisões segundo a nossa lei maior é algo a se preocupar porque o Estado de Direito, nesse caso, não estaria funcionando adequadamente.

O que vai priorizar na sua atividade política a partir de agora? Trabalha para ser candidato novamente em 2022?

Antes de mais nada, primeiro eu sou professor universitário e, segundo, posicionado ideologicamente no campo da centro-esquerda, que hoje é oposição às medidas que Bolsonaro está tomando na área de Educação, na área de Economia e na área das Relações Internacionais. Entendemos que a melhor maneira de contribuir com o país é ajudar a população a compreender os riscos que estamos correndo no governo Bolsonaro. Essas três viagens feitas ao Exterior na estreia do governo foram totalmente contraproducentes, trouxeram inclusive prejuízos ao país sobretudo de imagem. A nossa relação com os nossos principais parceiros comerciais está abalada. A Educação foi inteiramente desmontada, todas as políticas educacionais. Teve mais de 14 demissões de pessoas recém nomeadas pelo próprio governo. Na economia batemos um recorde de desemprego, a confiança dos investidores e consumidores cai sistematicamente e a reforma da Previdência vai prejudicar os mais pobres e não combater os privilégios como o governo insiste em afirmar. Ou seja, estamos preocupados com aquilo que é o núcleo do projeto de soberania nacional e popular.

No caso da política internacional o que acha que pode prejudicar a economia?

O alinhamento automático com os Estados Unidos está produzindo fissuras nas nossas relações internacionais com todos os nossos parceiros que nos acompanham há décadas. Essa subserviência é muito ruim. Você ir ao Chile, elogiar o Pinochet e levar um puxão de orelhas do anfitrião dizendo as declarações do nosso presidente são infelizes é uma coisa grave. Isso nunca aconteceu. Imagina uma visita de cortesia, você deixa o país e toma um puxão de orelhas do país anfitrião. Agora, conseguimos arrumar uma confusão de escala considerável com a Alemanha por um presidente brasileiro querer subverter a historiografia alemã e com os judeus, grandes vítimas da Segunda Guerra Mundial, com o Nazismo e o Holocausto e com os árabes, com quem mantemos relações comerciais e fraternas porque uma das maiores comunidades árabes do mundo fora do Oriente Médio está no Brasil. Com uma particularidade, no Brasil, judeus cristãos e muçulmanos casam entre si. É um exemplo para o mundo de convivência pacífica. O Bolsonaro resolveu importar um problema ao invés de exportar solução.

O senhor acredita que este é um problema do ministro das Relações Exteriores ou do próprio Bolsonaro?

Acredito que, inicialmente, era do ministro. Mas agora deixou de ser porque ele encampou todo o discurso do ministro que não é respeitado em nenhum lugar do mundo e já foi considerado por uma revista importante o pior chanceler do planeta. Isso vai prejudicar muito aqui, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Isso vai ter um impacto direto. Os próprios ruralistas estão apreensivos porque isso não é da diplomacia brasileira que foi sempre muito profissional. É um problema da cúpula do Itamaraty.

Acha que o ministro tem que cair?

Olha, toda semana a gente reza por uma substituição. Tem o Turismo, Educação, Itamaraty, Meio Ambiente, Direitos Humanos… Tem uma fila grande de ministros que deveriam ser substituídos.

Como ex-ministro da Educação, como está vendo a confusão na pasta?

É um descaso com a área que deveria ser prioridade número um. Você sabe que o presidente Lula foi aquele que mais investiu em educação na história. O aumento do orçamento da educação na era Lula não tem precedentes em nenhuma época da história do Brasil. A partir daí o Brasil começou a levar a educação a sério. Você sabe a expansão que os institutos federais tiveram aqui em Santa Catarina. Você acompanhou a produção de ônibus que substituíram os paus de arara que levavam as crianças do campo para as escolas, acompanhou a evolução da qualidade do ensino fundamental aqui do Estado. O Brasil estava com uma agenda séria na educação.

O Brasil viveu aí uma comoção antissistema em geral, antipartido, antipolítica que fez algumas pessoas se iludirem a respeito de quem é Bolsonaro, como se ele fosse novidade. Na verdade, Bolsonaro é a coisa mais velha que o país já viu. Se aposentou aos 33 anos, foi um deputado que nunca produziu absolutamente nada relevante no Congresso Nacional. Não tem um projeto de destaque em três décadas de mandato. Foi uma pessoa que sempre jogou na divisão do país, com um discurso de intolerância, de divisão mesmo. Eu entendo que isso vai se tornando cada vez mais conhecido por parte da população. O papel, tanto da situação quanto da oposição é melhorar a qualidade de vida do país. Temos que trabalhar para impedir o desmonte de políticas públicas importantes que atendam as camadas mais vulneráveis da população.

O presidente Bolsonaro está convidando partidos para pedir apoio à reforma da Previdência. Se ele convidar o PT vocês vão conversar? E a proposta que ele apresentou, o que vocês poderiam votar a favor?

O problema da proposta do Bolsonaro é que ela é pior do que a do Temer porque penaliza o trabalhador rural, a mulher, o jovem que entra cedo no mercado de trabalho que muitas vezes não tem carteira assinada e, agora, vai ter que apresentar 40 anos de recolhimento, o que é uma impossibilidade para a maioria da população pobre. Ele cria uma espécie de Bolsa Família para idoso porque ele acaba, na prática, com a Previdência Pública limitando a um salário mínimo o benefício do aposentado e jogando todo o resto para um sistema de capitalização ao qual pouquíssimos brasileiros terão acesso porque significa poupar o que não tem. Lembrando que países que adotaram esse sistema estão todos revendo a posição em virtude da pobreza gerada às pessoas idosas. Se gerou uma legião de idosos pobres nesses países, ganhando aquém do salário mínimo. Então, são princípios que não vamos abrir mão. E o ataque a privilégios não é real, a começar do fato de que a própria reforma da previdência dos militares significa um aumento do custeio e não uma redução.

Fernando Haddad
Haddad diz que trabalha na construção de uma agenda de superação para o país

(Foto: Leo Munhoz/NSC/Arquivo)

Mas vocês, do PT, defenderam a redução de privilégios a servidores públicos e não só a União, os Estados e municípios estão com dificuldades financeiras. Qual é a posição?

O que constava no nosso plano de governo é uma coisa muito em linha com que o próprio presidente Lula e a presidente Dilma fizeram. A cada rodada de negociações nós eliminávamos os privilégios e fazíamos com que os sistemas próprios de previdência se aproximassem do regime que, idealmente falando, deveria ser o único. Agora, uma coisa é combater privilégios, construir o sistema único de previdência. Outra coisa é atacar quem precisaria de apoio como jovens pobres que entram cedo no mercado de trabalho, trabalhador rural, mulheres e pessoas com deficiência. São esses que estão sendo atacadas por essa proposta.

Nós tivemos uma recessão grande no Brasil, com desemprego elevado, a que muitos atribuem a decisões de governos petistas na economia. Qual é a sua opinião?

Eu considero que a recessão de 2015 pode ser atribuída a vários fatores. O primeiro é uma correção de rumo pelo governo muito drástica, que a gente chama de cavalo de pau na economia. Mas há um segundo motivo que não pode ser desconsiderado, que é a própria sabotagem que o PMDB e o PSDB fizeram contra o governo, isso assumido por um ex-presidente do PSDB que admitiu em entrevista que não poderia ter sabotado o governo Dilma após a eleição, não deveriam ter questionado os resultados das urnas e deveriam ter constituído uma agenda que superasse as dificuldades.

O PT vai discutir este ano a estratégia a ser seguida. No que depender de mim, acho que temos que fortalecer a estratégia progressista de governo. Vamos focar conteúdo, apresentar proposta séria e concreta de melhoria da qualidade de vida das cidades. Deveríamos estar somando forças com partidos que próximos a nós para somar forças. Do meu ponto de vista, as ameaças são tão graves ao bem-estar, aos direitos conquistados, que deveríamos compor um time, uma espécie de unidade progressista contra o retrocesso no campo dos direitos.

A sua esposa, Ana Estela, está sendo cotada para ser a candidata do PT à prefeitura de São Paulo. Ela vai aceitar esse desafio?

Ela ficou lisonjeada por ter sido lembrada, mas não tem esse objetivo. Vamos discutir internamente. Temos vários nomes e o PT vai ter um candidato forte na disputa pela prefeitura de São Paulo.

E como estão trabalhando a questão da candidatura à presidência da República?

Tem tanta coisa para acontecer nos próximos três anos. Vamos trabalhar em torno de valores, de princípios e construir uma agenda de superação para o país.

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