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Nos últimos dias, a montagem acima e diversas outras na mesma linha têm circulado intensamente nas mídias sociais e nos grupos de whatsapp da família brasileira e ocupado o centro do debate nacional.

Todas elas, com muita repercussão, se propõem a “revelar” para a população uma suposta realidade que ocorre nas universidades públicas federais.

Essas novas mensagens, cujo alvo momentâneo é a educação pública brasileira, ilustram e sintetizam muito bem as estratégias do modo de governo Bolsonaro: usar distrações chamativas para deslocar o debate público das questões realmente essenciais ao bom funcionamento do país.

Em resumo, a estratégia da guerra cultural, conceito em voga que tem origem nos EUA em meados da década de 1960, é o modus operandi do atual governo.

Como não há propostas sérias e efetivas para tirar o país da enorme crise em que está, é preciso cultivar um ambiente bélico, polarizado, de disputa extrema constante, para distrair a sociedade e, sobretudo, minar as reações.

Na guerra cultural mantida pelo governo Bolsonaro, temas como saúde, educação, desemprego, crise econômica são mantidos longe do debate e/ou reconfigurados para a opinião pública, colocados em novos quadros pincelados com as cores do moralismo.

Por exemplo, a educação passa a ser discutida sob o viés da “depravação” e da “orgia” que ocorrem nas universidades. Ou da “doutrinação” dos professores.

E apesar dos temas aparentemente lunáticos que surgem e emolduram o debate, a guerra cultural do governo Bolsonaro tem estratégias bem desenvolvidas para enviesar o debate e distrair a população.

PAUTA MORAL E FAKE NEWS 

Nessa guerra cultural versão Bolsonaro, há dois substratos ou bases essenciais que fundamentam e sustentam as estratégias desenvolvidas .

O primeiro é a pauta moral, que se coloca como pano de fundo de todas as questões relativas ao país – seja educação, saúde ou ciência, Deus e a família estão acima de tudo.

Dessa forma, buscando eco no conservadorismo que existe em parte da sociedade brasileira, os temas urgentes são colocados nesse quadro ou simplesmente desaparecem.

A ministra da Família fala que Elsa, a princesa da animação Frozen, vive sozinha no castelo porque é lésbica.

Enquanto muitos riem de mais uma “loucura” de Damares, sua fala aciona a memória discursiva dos grupos conservadores em direção ao “perigo” que representa para a formação de meninas/mulheres.

Consequentemente, assuntos essenciais para o universo feminino, como feminicídio ou reprodução, não estarão em pauta.

Antes da fala da ministra, vale lembrar, o governo vetou o uso da expressão “violência obstétrica”.

Repito: interditou o uso da expressão, pois as palavras importam, têm peso e orientam as percepções.

A agenda moral, portanto, coloca em cena assuntos aparentemente deslocados, mas que operam, a partir das estratégias discursivas e de produção de sentido para induzirem as pessoas a acreditarem em situações improváveis (alunos de universidades federais que ficam todo o tempo apenas fumando maconha pelados, feministas que destroem a família, orgias gay nas escolas) e deixarem de lado problemas reais (a destruição da Previdência que o governo Bolsonaro quer implementar vai penalizar ferozmente todos os brasileiros, o desemprego ultrapassou a casa dos 13 milhões de pessoas).

E para que isso se efetive, o outro substrato da guerra é a proliferação de desinformação e informação falsa com a disseminação em série de fake news.

O ritmo e a estratégia de campanha continuam, e as notícias deliberadamente falsas continuam a ser disseminadas.

Engana-se muito quem ainda coloca as fake news no mesmo rol de boatos, que sempre existiram. Elas não são. No Brasil, sobretudo a partir das últimas eleições, as fake new são produções deliberadamente e profissionalmente estruturadas para disseminar desinformação da pior espécie.

OS FRONTS DA GUERRA CULTURAL DO GOVERNO 

Além dos substratos da base do modus operandi do governo Bolsonaro, a guerra cultural atua em três fronts principais:

1. PROPAGANDA: Entendida como um uso estratégico da comunicação e da informação no sentido moldar a opinião pública, a propaganda é essencial para buscar certo consenso em momentos de crise aguda.

Como a economia não deslancha (e não vai deslanchar), o desemprego é assustador e as pessoas sentem no bolso a falta de perspectivas reais, a propaganda alicerçada pela pauta moral é fundamental para “organizar as massas” e mantê-las excitadas e raivosas.

E os temas são levados de forma muito palatável, num discurso simples e direto, marcadamente simbólico.

Confusas e sem esperança real, as pessoas talvez não entendam a complexidade do debate em torno da Previdência – o que significa de fato uma “reforma” da Previdência, post que o debate é levado em termos de “mudar para garantir sua aposentadoria”.

Mas entendem muito claramente, posto que a propaganda é efetiva e se apoia em crenças, que “as universidades federais usam dinheiro público para deixar alunos pelados fumando maconha”, como bem ilustram as imagens do começo do artigo.

Alinhavada pela pauta moral e com detalhes arrematados de disseminação de ódio (estratégias discursivas costuradas pelo moralismo e enfeitadas pelo ódio na/à política), essa propaganda diz ao país que a “ideologia de gênero” e a “doutrinação ideológica” destroem jovens e famílias, começando pelo kit gay até chegar à “balbúrdia” das universidades.

Notem, como parte dessa estratégia, que apenas aparecem na mídia sistematicamente os ministros que falam asneiras, que falam em Jesus e goiabeira, fingem fazer conta errada, se mostram humildes e “humanos” (como Damares e Wientraub); os que realmente fazem “maldades”, como Guerra e Moro, com suas pautas de entrega da Petrobras e projetos anticrime, quase nunca se expõem.

Os outros bastam para nos divertirem. E, de fato, nos divertem. Enquanto o país é solapado do outro lado.

Em suma, a propaganda disseminada leva a população a crer, sem qualquer senso crítico, que o país é destruído pela derrocada moral imposta pelos esquerdistas, pelo marxismo cultural misturado com maconha e orgia gay.

A propaganda é alicerçada numa reconstrução deliberadamente mentirosa da realidade e na pauta moral, gerando uma rede de desinformação de enorme alcance.

2. ATAQUE AO CONHECIMENTO: A demonização do conhecimento é uma estratégia sempre utilizada pelos regimes totalitários – não explicitamente dizendo que as instituições de ensino são ruins, mas criando narrativas de que elas se prestam a papéis que não servem à sociedade.

Dessa forma, há ataques deliberados e sistematizados à figura do professor e às instituições federais de ensino.

A imagem que se projeta do professor brasileiro é a daquele que doutrina e que, com seus ensinamentos perniciosos, colocará em risco a família (lembrando que a palavra doutrina é muito cara e presente nas falas dos grupos neopentecostais, está bastante viva nos cultos; a doutrina é a palavra, e ela tem poder, para o bem e para o mal. Portanto, o termo em si já carrega um conjunto amplo de significações).

Em relação às universidades federais, dissemina-se a ideia de que elas são aqueles locais mantidos com dinheiro público que promovem “balbúrdia”, “depravação”, “uso de drogas”.

Como é necessário um contraponto, coloca-se a polarização: nos canais amigos e nas redes sociais, o governo fala que haverá investimento em educação básica e para a formação de profissionais realmente úteis para a sociedade como um todo.

A outra forma de atacar o conhecimento, empregada anteriormente pelas falas do presidente, é a negação da História. É preciso negá-la ou recontá-la de modo mais suave, “comemorando” a “revolução”, e não se falando em ditadura militar.

Negar a história é um movimento importante, pois destrói memória e raízes, mina a cultura nacional e fornece outras narrativas para a população, favorecendo que se ocultem os conflitos com as novas versões mais palatáveis vão sendo apresentadas.

3. DISTRAÇÃO: A todo o momento, assuntos e temas estapafúrdios são lançados por Bolsonaro, seus filhos e alguns de seus ministros especialmente nas redes sociais e mídias digitais, e é um forte combustível da propaganda.

Temas aparentemente periféricos e “malucos” ocupam o debate.

Tudo isso intencionalmente para esconder da população a destruição da Previdência, cortes absurdos nos recursos da educação, sucateamento da saúde (com falta de médicos e de remédios gratuitos), desemprego altíssimo, falta de perspectiva na economia, dilapidação do patrimônio público.

Discurso tem propósito, objetivos e intencionalidade, não é aleatório e opera numa base ideológica, gerando uma rede estável de informação para produzir sentidos.

Por fim, fundamental dizer que a guerra cultural e seus fronts não se sustentam sozinhos, é claro.

Eles se apoiam num elemento construído há mais tempo, o antipetismo, que condensa as formas de ataque à esquerda e às suas pautas correlacionadas.

No momento, o inimigo é a educação pública.

Mas outros virão, para manter o clima bélico, a polarização e escamotear a gravidade da situação em que o Brasil está.

Pois tudo isso se alinha num amplo projeto de poder — em que o grupo atual é apenas um vetor, um instrumento — que vem sendo gestado há bastante tempo e que tem propósitos bem claros de eliminação do projeto de um país independente, como vinha sendo construído.

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