Relator da proposta na Câmara e presidente da Unafisco defendem modelo que corrija falhas acumuladas há décadas no país
(crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)
Em um debate que se arrasta há décadas, uma pergunta se impõe: qual reforma tributária é possível no Brasil? Essa indagação conduziu o primeiro painel do CB Talks realizado ontem no auditório do Correio. O debate reuniu o deputado e relator da Reforma Tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB); o presidente da Unafisco, Mauro Silva; o ex-senador Roberto Rocha; e o diretor de programa da Receita Federal, Fernando Mombelli.
Ao comentar o tema, Ribeiro defendeu uma mudança na regra tributária que “atenda ao interesse do país”, e que não leve em conta apenas os anseios do governo ou de parcela da sociedade. “Uma reforma como essa é estruturante para o país. Ela é progressiva porque visa distorcer o que construímos ao longo de 50 anos de história, onde nos especializamos, ao longo desse tempo, em construir o pior sistema tributário do planeta”, criticou.
O parlamentar relembrou a dificuldade do país em competir em nível global. Segundo o ranking Competitividade Brasil, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil ocupa a 16ª posição na escala que mede o potencial competitivo das empresas brasileiras.
“Estamos fora do mundo. Precisamos fazer esse ajuste porque não temos como concorrer hoje, com quem quer que seja. Esse sistema é muito caro e traz o famoso Custo Brasil, que é impeditivo. Oitenta por cento do chamado Custo Brasil estão no sistema tributário brasileiro”, destacou.
O ex-senador Roberto Rocha, que foi relator da PEC 110/2019, apresentada pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), definiu o atual sistema como “um manicômio tributário” e alertou para o fato de que a complexidade afasta os investimentos do Brasil, ampliando a pobreza com a não geração de riqueza.
Rocha avaliou, ainda, que o sistema tributário brasileiro está na era analógica, enquanto a sociedade já é digital. A consequência disso é a disparidade na arrecadação, especialmente entre as maiores empresas do país, citando as plataformas que não são tributadas.
“Nós temos o maior restaurante do Brasil, que não tem uma panela; a maior rede de táxis, que não tem um carro; e a maior rede de hotel do país, que não tem um quarto”, exemplificou o ex-senador. Por fim, Rocha defendeu ainda que, após a aprovação da reforma no parlamento, será necessário se debruçar sobre uma reforma administrativa.
Edifício tributário
O presidente da Unafisco, Mauro Silva, enfatizou o papel decisivo dos parlamentares para o sucesso da reforma. Utilizando a analogia da construção de um edifício para exemplificar o que seria o novo sistema tributário, Silva definiu os parlamentares como os engenheiros do “prédio”.
“Não adianta um desenho muito bem feito se os engenheiros que forem colocar de pé esse prédio tributário, chamado Brasil, não estiverem bem sintonizados e aproveitarem as experiências dos problemas passados”, afirmou, ao destacar a importância do diálogo para a construção da reforma.
“A reforma é um desafio político que depende de que a sociedade seja esclarecida, para que essa compreensão chegue também até o Congresso Nacional. Há obstáculos a serem ultrapassados, e só o debate pode fazer com que se clareie os caminhos”, frisou.
O diretor de programa da Receita Federal, Fernando Mombelli citou alguns desses desafios. Um dos principais, na opinião dele, é manter a atual carga tributária, sem aumentá-la. “Temos que manter a base tributária entre os entes federativos. Isso é um desafio porque se reflete em tudo. Precisa calcular o passado, trazer isso para o presente, para impactar no futuro, e calcular a alíquota modal, para que assim tenhamos a efetiva tributação”, explicou.
Aguinaldo Ribeiro comentou a complexidade de se definir uma regra tributária justa. “Uma reforma como essa não é uma reforma de governo, é uma reforma do Estado brasileiro. Aliás, é uma coisa que nós perdemos de vista. Nós discutirmos e implantarmos as políticas de Estado. São aquelas que decidimos como cidadãos, não importa se vai ser a esquerda ou a direita ou centro que vai executar. Mas nós sabemos para onde queremos ir”, completou.
O relator externou o tipo de pressão a que é exposto. “Algumas pessoas me perguntam: você acha que tem ambiente para se aprovar uma reforma tributária? E eu respondo: ‘Não vai ter ambiente nunca’. Se a gente fosse pensar, o ideal era primeiro reduzir o tamanho do Estado. Adaptar o Estado à nossa realidade, reduzir o compromisso fiscal que nós temos hoje. E aí fazer uma reforma que a gente pudesse reduzir a carga tributária”, apontou.
Aguinaldo ressaltou a urgência de se rever o modelo tributário. “Temos primeiro a exaustão de um sistema tributário que ninguém consegue mais conviver com ele. Nem a federação, nem os entes federados, nem os setores”, constatou.
Um edifício com problemas
A proposta de reforma tributária que tramita no Congresso está sendo discutida de forma fatiada. No primeiro semestre, será tratada a reformulação nos tributos sobre o consumo e a reforma do Imposto de Renda, que inclui a tributação sobre dividendos, ficará para o segundo semestre. O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro Silva, defendeu que a reforma seja tocada de maneira unificada.
“Não tem sido essa a opção do governo, mas entendemos que temos classe política e corpo técnico competentes para levar em paralelo tanto a reforma sobre o consumo quanto sobre a renda”, avaliou Mauro Silva. “Acho que temos capacidade para isso, mas há aqueles que acreditam que o foco é melhor”, enfatizou. “Compreendo a opção política atual, mas faço o chamado para essa reflexão, de que é capaz e talvez até facilite a discussão sobre o consumo, levar em paralelo a discussão sobre a tributação da renda”, acrescentou.
Ao fazer a analogia do sistema tributário com um edifício, ele citou cinco pilares: tributação sobre o consumo, renda, patrimônio, comércio exterior e o sobre o financiamento da previdência. Para o presidente da Unafisco, há problemas em todos os “andares do edifício” e não é possível focar apenas em determinadas distorções do sistema tributário atual.
“Esse novo prédio, chamado Brasil, tem que contemplar todos esses andares e também o velho prédio [o sistema atual], aquele que mostramos que há privilégios, muitos pobres e é complexo. Temos dialogado com o Congresso no sentido dessa preocupação de não desconsiderar a importância da administração tributária”, afirmou.
“Uma vez que a renda das famílias e o investimento das empresas chegue em mais de 80% do PIB (Produto Interno Bruto), é compreensível que se jogue um olhar mais preocupante sobre a tributação do consumo. Mas eu não posso ignorar que este prédio não tem só um andar”, insistiu.
O presidente da Unafisco reforçou que em um país como o Brasil, o financiamento da previdência tem uma necessidade de ajudar os mais pobres. “Isso tem sido esquecido na reforma tributária. O que estamos assistindo é a precarização das relações de trabalho”, criticou.
“Bicicleta”
Ele citou, por exemplo, a situação de trabalhadores empregados em plataformas digitais. “Esse tal de empreendedorismo do cara de bicicleta, que é praticamente um trabalho semi-escravo; os aplicativos estão erodindo a base das folhas de salários e comprometendo o financiamento da previdência”, afirmou Silva. Ele citou ainda o movimento de “pejotização”, com a ampliação de Microempreendedores Individuais (MEIs). Segundo ele, o fenômeno também enfraquece a folha de salários.
“Os problemas desse andar mal têm sido tocados e é preciso encarar isso, porque é um problema social gravíssimo”, destacou Mauro Silva. No caso da tributação do patrimônio, o auditor fiscal lembrou da cobrança do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), que também deveria ser cobrado de jatinhos; e a tributação sobre heranças, que tem no Brasil uma das alíquotas mais baixas do mundo, não passando de 8%, enquanto países desenvolvidos cobram de 30% a 50%.
“Aqueles países citados para dizer que o Brasil precisa ‘chegar lá’ cobram essas alíquotas, mas nessa hora ninguém gosta de citar”, observou Mauro Silva. “Se precisamos ser igual ao Chile ou aos Estados Unidos, então que sejamos também na tributação sobre a herança, no ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação)”, comparou o presiente da Unafisco. Ele citou também benefícios fiscais ineficientes, “enormes e bilionários na área do Imposto de Renda, que precisam ser tratados”.
Pobre é mais penalizado
O ex-senador Roberto Rocha (PTB-MA) apontou que o projeto da reforma tributária discutido atualmente na Câmara dos Deputados tem o objetivo de corrigir as injustiças do sistema tributário brasileiro, que tributa proporcionalmente mais o pobre que emprega toda a sua renda em consumo. Nesse sentido, o ex-senador definiu o sistema tributário atual como “um manicômio tributário”. Ele foi relator da proposta de emenda constitucional 110/2019 na Casa.
Rocha disse também que a complexidade tributária do sistema brasileiro torna a gestão fiscal extremamente cara ao empresário. “As empresas pagam no Brasil mais de 1% do PIB só para fazer a gestão tributária”, destacou. Para Rocha, a alta das alíquotas e a complexidade do sistema afastam os investimentos do Brasil, ampliando a pobreza com a baixa geração de riqueza.
A base de arrecadação brasileira é injusta, sustentou o ex-senador. Ele lembrou que o sistema tributário obtém 50% de sua arrecadação na tributação sobre o consumo, enquanto apenas 17% de toda a arrecadação em tributos é sobre a renda.
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