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Stanley Gusman, 49 anos, morreu no dia 6 de janeiro vítima da Covid-19, que se alastra mais uma vez pelo Brasil.

Ele era jovem e se tornou estatística.

Mas, para além de ser um número, Stanley era uma pessoa que importava para outras pessoas. Sobretudo, era uma pessoa que INFLUENCIAVA outras pessoas.

Stanley era um apresentador de TV que tinha audiência com esses programas meio sensacionalistas que se espalham pelas TVs brasileiras.

Mas, ele não era somente um comunicador com audiência num programa de TV.

Ele era um comunicador bolsonarista. Que tinha espaço na TV e audiência para, neste momento, desdenhar da pandemia, minimizar o vírus, criticar o prefeito de Belo Horizonte por tomar medidas de prevenção e isolamento social, defender Jair e sua política genocida.

O bordão dele era “Vem comigo, minas Gerais”, num programa que era um dos carros-chefe da grade da TV Alterosa, afiliada do SBT em MG. No programa, ele se posicionava claramente contra as medidas de isolamento social.

Antes do Natal, o prefeito de BH, Alexandre Kalil, fez um apelo para que as pessoas tivessem cuidado para não “passar o ultimo Natal com sua família”.

Alguns dias depois, Stanley sentiu os primeiros sintomas da doença.

Sendo fiel aos seus preceitos, estava se tratando com hidroxicloroquina, remédio que não tem NENHUMA eficácia contra a Covid, segundo a OMS e vários institutos de pesquisa.

Antes do episódio natalino, Stanley já era conhecido pela postura negacionista e debochada em relação à Covid.

Segundo reportagem do El País Brasil, o apresentador afirmou ao vivo no programa Alterosa Alerta, em junho, que não ia aceitar que medissem sua temperatura na porta de supermercados e estabelecimentos comerciais.

Ele alegava que um estudo mostrava que o termômetro infravermelho causaria danos ao cérebro. Como informou o El País, o estudo era na verdade uma corrente falsa de WhatsApp.

Como negacionista raiz, ele foi flagrado muitas vezes sem máscara, de cujo uso ele debochava.

Também criticava prefeitos e governadores pelas medidas de isolamento para conter o avanço da doença.

Por fim, também havia adotado o discurso antivacina abertamente proclamado pelos seguidores de Jair.

Segundo o El País, antes de adoecer, Stanley participou de uma live em que recomendava o “tratamento preventivo” contra a Covid, ou seja, o uso de hidroxicloroquina, mesmo que não haja comprovação científica para esse uso.

Ele também dizia que as mortes por Covid divulgadas pela imprensa eram forjadas e manipuladas.

Enfim, o rol de bobagens é grande, e do ponto de vista do cidadão Stanley, pouco me interessam as bobagens ditas, a postura e o desfecho triste.

Retomo esse caso recente porque me interessa, e muito, o papel dele como comunicador, apresentador de um programa da TV aberta, um programa com audiência boa, durante uma grave pandemia.

Ele tem a voz de autoridade para dizer e o espaço para disseminar o que diz.

Portanto, desdenhar de uma doença grave e incontrolável como a Covid-19 não pode ser algo tomado como questão de expressar opinião.

O indivíduo expressa a sua opinião no bar, na igreja, nos almoços de família, na praia, no shopping com os amigos, na balada.

Num programa de TV com grande alcance de pessoas, sem fatos e dados a corroborar, não deveria ser possível simplesmente opinar. Sobretudo não deveria ser possível disseminar informações falsas.

A segunda onda da Covid no Brasil está alarmante.

O avanço da doença está descontrolado, e governadores e prefeitos, individualmente, tomam medidas mais ou menos efetivas para minorar o problema, pois não há ação do governo federal.

Em Belo Horizonte e em Minas Gerais, o aumento do número de casos aumenta de forma muito, muito preocupante.

E as festas de Natal e Ano Novo foram divisores de águas – a transmissão deu um salto muito expressivo, agravando a uma situação que já era péssima.

Portanto, um apresentador bolsonarista negacionista, que critica o prefeito que adotou medidas para conter o avanço da doença e desdenha da pandemia, afirmando que vai sim visitar o pai e a mãe nas festas natalinas, apesar de toda recomendação em contrário, tem um papel relevante na disseminação de desinformação e de ideias equivocadas que comprometem a vida de centenas de outras pessoas, negacionistas ou não.

Importante lembrar que esses programas sensacionalistas e policialescos têm ainda boa audiência nos lares dos cidadãos de bem.

Portanto, o que os apresentadores dizem, o modo como agem, tudo isso tem, sim, influência. E em tempos de uma pandemia incontrolável, isso é ainda pior.

Há muitos negacionistas, bolsonaristas que desdenham da doença e de seus efeitos.

Mas há igualmente muitas pessoas confusas, que não sabem em que acreditar.

É uma doença nova, uma situação nova e profundamente angustiante. Não é fácil buscar informação, não é fácil manter isolamento, não é fácil imaginar que não se pode nem mesmo comemorar o Natal com a família.

Tudo isso gera medo, angústia, preocupação. Para muitos, esses discursos de pessoas “influentes” funcionam como gatilhos para um certo relaxamento.

Outro aspecto muito importante nessa questão: as TVs abertas no Brasil são concessões públicas.

Ou seja, o Estado brasileiro concede a grupos privados o direito de explorarem o espaço de radiodifusão. Gratuitamente.

A contrapartida são alguns requisitos previstos na Constituição, mas nunca observados: produção regionalizada, programação de utilidade pública, programação educativa etc.

Ou seja, esse espaço deveria estar sendo usado para informar a população da melhor forma possível, para esclarecer sobre as vacinas, para defender a saúde pública, para mostrar que o uso de máscara salva a vida das pessoas.

E não para servir de palco para pessoas e programas que desdenham da pandemia, das recomendações científicas e adotam atitudes de intolerância, preconceito, negacionismo, que influenciam outras centenas de pessoas, levando-as a não observar as regras mínimas de isolamento e uso de máscara.

Cabe perguntar:

Quantas pessoas, influenciadas pelo negacionismo de muitos apresentadores, exposto midiaticamente, decidiram visitar seus parentes nas festas de fim de ano?

Quantas não se contaminaram ou contaminaram outras pessoas com a negativa do uso de máscara?

Isso sem contar as pessoas que trabalham diretamente com esses comunicadores – quantas delas podem ter se contaminado?

Stanley, indivíduo, ser vítima do próprio negacionismo não é da minha conta. Foi a escolha dele como sujeito autônomo.

Stanley, comunicador de um programa de uma TV aberta, influenciar outras pessoas a adotarem atitudes que colocam a sociedade em risco é, sim, da minha conta, da sua conta, da conta da comunidade.

Pra terminar a discussão sobre negacionistas e irresponsáveis em geral, vou deixar pra vocês uma história de fim de ano que eu gostaria muito que fosse ficção.

Um amigo querido e a família dele – pai, mãe e irmã – estão de quarentena e bem isolados desde o começo da pandemia, em março.

A irmã desse amigo é pessoa com deficiência e precisa de cuidados médicos frequentes em casa. O profissional que a atende achou que não tinha problema nenhum participar de uma festinha de Réveillon em família, com “pouca” gente, cerca de 15 pessoas, só parentes.

Passado o Ano Novo, continuou a cumprir seus compromissos de trabalho. E atendeu a irmã do meu amigo em casa.

Três dias depois, testou positivo para Covid. Na segunda-feira, dia 10/01, meu amigo descobriu que ele e a irmã estão com Covid. Ele tem sintomas leves, a irmã está internada.

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