Com o anúncio do presidente Trump da retirada das tropas de combate dos EUA do Oriente Médio o, intelectual francês Thierry Meyssan, presidente-fundador da Rede Voltaire, analisa a intenção dos EUA “em destruir os Estados da Bacia das Caraíbas, sem levar em consideração se são amigos (no caso do Brasil) ou inimigos políticos (da Venezuela)”;”É hoje perfeitamente claro que está já em marcha o processo para a guerra. Forças enormes estão em jogo e, agora, pouco há que possa pará-las”, alerta Meyssan
Por Thierry Meyssan, no VoltaireNet – Numa série de artigos precedentes, tínhamos apresentado o plano do SouthCom visando provocar uma guerra entre Latino-americanos a fim de destruir as estruturas de Estado de todos os países da Bacia das Caraíbas.
Preparar uma tal guerra, que deveria suceder aos conflitos do Médio-Oriente Alargado, no quadro da estratégia Rumsfeld-Cebrowski, exige uma década.
Após o período de desestabilização econômica e o de preparação militar, a operação propriamente dita deveria começar, nos anos a seguir, por um ataque à Venezuela desde o Brasil (apoiado por Israel), da Colômbia (aliada dos Estados Unidos) e da Guiana (ou seja, do Reino Unido). Ele seria seguido por outros, a começar contra Cuba e a Nicarágua (a troïka da tirania segundo John Bolton).
No entanto o plano inicial é suscetível de modificações, nomeadamente em razão do regresso das ambições imperiais do Reino Unido, que poderia influir sobre o Pentágono.
Eis aqui onde nos encontramos:
Evolução da Venezuela
O Presidente venezuelano, Hugo Chávez, desenvolvera relações com o Médio-Oriente dentro de uma base ideológica. Ele tinha-se aproximado particularmente do Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e do Presidente sírio, Bashar al-Assad. Juntos, haviam imaginado a possibilidade de fundar uma organização intergovernamental, o Movimento dos Aliados Livres, sobre o modelo do Movimento dos Não-Alinhados, ao encontrar-se este paralisado, no decorrer do tempo, pelo alinhamento de alguns dos seus membros com os Estados Unidos.
Se Nicolás Maduro mantém o mesmo discurso que Hugo Chávez, ele escolheu, no entanto, uma política externa completamente diferente. Prosseguiu, é certo, a aproximação com a Rússia e acolheu, por sua vez, bombardeiros russos na Venezuela. Assinou um contrato de importação de 600 000 toneladas de trigo para fazer face à escassez no seu país. Acima de tudo, prepara-se para receber US $ 6 mil milhões (bilhões-br) de dólares em investimentos, dos quais cinco no sector petrolífero. Os engenheiros russos irão tomar o lugar que pertencia aos venezuelanos, mas que estes deixaram vago.
Nicolás Maduro reorganizou as alianças do seu país sobre novas bases. Assim, forjou laços estreitos com a Turquia que é membro da OTAN, e cujo exército ocupa anualmente o Norte da Síria. Maduro deslocou-se quatro vezes a Istambul e Erdoğan uma vez a Caracas.
A Suíça era uma aliada de Hugo Chávez, que ele havia consultado a fim de redigir a sua Constituição. Temendo não poder mais refinar o ouro do seu país na Suíça, Nicolás Maduro encaminha-o agora para a Turquia que transforma o minério bruto em lingotes. No passado, este ouro ficava nos bancos suíços a fim de garantir os contratos petrolíferos. Agora, a liquidez foi igualmente transferida para a Turquia, enquanto o novo ouro tratado regressa à Venezuela. Esta orientação pode ser interpretada como estando baseada não mais em ideologia, mas, sim em interesses. Resta definir quais.
Simultaneamente, a Venezuela é alvo de uma campanha de desestabilização que começou com as manifestações das guarimbas, prosseguiu com a tentativa de Golpe de Estado de 12 de Fevereiro de 2015 (Operação Jerico), depois por ataques sobre a moeda nacional e a organização da emigração. Neste contexto, a Turquia forneceu à Venezuela a oportunidade de contornar as sanções dos EUA. As trocas comerciais entre os dois países multiplicaram-se por quinze em 2018.
Qualquer que seja a evolução do regime venezuelano, nada justifica o que se prepara contra a sua população.
Coordenação de meios logísticos
De 31 de Julho a 12 de Agosto de 2017, o SouthCom organizou um vasto exercício com mais de 3 000 homens vindos de 25 Estados aliados, entre os quais a França e o Reino Unido. Tratava-se de preparar um desembarque rápido de tropas na Venezuela.
A Colômbia
A Colômbia é um Estado, mas não uma nação. Nela, a sua população vive geograficamente separada segundo classes sociais, com enormes diferenças de nível de de vida. Quase nenhum colombiano se aventurou num bairro destinado a outra classe social que não a sua. Essa estrita separação tornou possível a multiplicação de forças paramilitares e, consequentemente, dos conflitos armados internos que fizeram mais de 220 000 vítimas numa trintena de anos.
No poder desde Agosto de 2018, o Presidente Iván Duque pôs em causa a frágil paz interna, concluída por seu predecessor, Juan Manuel Santos, com as FARC (mas não com o ELN). Ele não descartou a opção de uma intervenção militar contra a Venezuela. Segundo Nicolas Maduro, atualmente os Estados Unidos treinam 734 mercenários num campo de treino situado em Tona, tendo em vista uma ação de bandeira-falsa para desencadear a guerra contra a Venezuela. Tendo em vista as particularidades sociológicas da Colômbia, não é possível dizer, com certeza, se este campo de treino é controlado ou não por Bogotá.
A Guiana
No século XIX, as potências coloniais acordaram a fronteira entre a Guiana britânica (a atual Guiana) e a Guiana holandesa (actual Suriname), mas nenhum texto fixou a fronteira entre a zona britânica e a zona espanhola (atual Venezuela). De facto, a Guiana administra 160 000 km2 de florestas que continuam em disputa com o seu grande vizinho. Em virtude do Acordo de Genebra, de 17 de Fevereiro de 1966, os dois Estados recorreram ao Secretário-Geral das Nações Unidas (à época o birmanês U Thant). Mas, nada mudou desde aí, propondo-se a Guiana levar o assunto ao Tribunal (Corte-br) de Arbitragem da ONU, enquanto a Venezuela privilegia negociações diretas.
Este diferendo territorial não parecia de urgente resolução porque a área contestada é uma floresta despovoada que se acreditava sem valor, mas é um imenso espaço que representa dois terços da Guiana. O acordo de Genebra foi violado 15 vezes pela Guiana, a qual autorizou, nomeadamente, a exploração de uma mina de ouro. Acima de tudo, surgiu em 2015 um grande desafio com a descoberta, pela ExxonMobil, de jazidas petrolíferas no Oceano Atlântico, precisamente nas águas territoriais da área contestada.
A população da Guiana é composta por 40% de Indianos, 30% de Africanos, 20% de Mestiços e por 10% de Ameríndios. Os Indianos estão muito presentes na função pública civil e os Africanos no exército.
Em 21 de Dezembro, uma moção de censura foi apresentada contra o governo do Presidente David Granger, um General pró-britânico e anti-venezuelano, no Poder desde 2015. Para surpresa geral, um deputado, Charrandas Persaud, votou contra o seu próprio partido e, numa indescritível barracada (bagunça-br), provocou a queda do governo, que apenas dispunha de um voto de maioria. Desde aí, reina a maior instabilidade: não se sabe se o Presidente Granger, que recebe tratamento de quimioterapia, estará à altura de assegurar a gestão dos assuntos correntes, enquanto, por uma porta traseira, Charrandas Persaud deixou o Parlamento com uma escolta e se escapou para o Canadá.
A 22 de Dezembro de 2018, na ausência de governo, o Ramform Thethys (arvorando o pavilhão das Baamas) e o Delta Monarch (Trinidad e Tobago) realizaram explorações submarinas na zona contestada por conta da Exxon-Mobil. Considerando que esta intrusão viola o acordo de Genebra, o exército da Venezuela perseguiu os dois navios. O Ministério guianês dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), em mera gestão corrente, denunciou o acto como hostil.
O Ministro da Defesa do Reino Unido, Gavin Williamson, declarou por outro lado ao Sunday Telegraph, de 30 de Dezembro de 2018, que a Coroa punha fim a filosofia de descolonização que, desde o caso do Suez em 1956, era a doutrina de Whitehall. Londres prepara-se para abrir uma nova base militar nas Caraíbas (de momento o Reino está apenas presente em Gibraltar, Chipre, Diego Garcia e nas Ilhas Falklands). Esta poderia ser em Montserrat (Antilhas) ou, mais provavelmente, na Guiana e deveria estar operacional em 2022.
A Guiana é vizinha do Suriname (a Guiana Holandesa). O seu Presidente, Dési Bouterse, é acusado na Europa por tráfico de drogas; um caso anterior à sua eleição. Mas o seu filho, Dino, foi preso no Panamá, em 2013, muito embora tenha entrado com um passaporte diplomático. Ele foi extraditado para os Estados Unidos onde foi condenado a 16 anos de prisão por tráfico de drogas; na realidade porque acolheu o Hezbolla libanês no Suriname.
O Brasil
Em Maio de 2016, o Ministro das Finanças (Fazenda-br) do Governo de transição do líbano-brasileiro Michel Temer, Henrique Meirelles, designou o israelo-brasileiro Ilan Goldfajn como Director do Banco Central. Mereilles, ao presidir ao Comité Preparatório dos Jogos Olímpicos, também apelou ao Tsahal (FDI-ndT) para coordenar a Polícia e o Exército brasileiros e garantir, assim, a segurança dos Jogos. Controlando, ao mesmo tempo, o Banco Central, o Exército e a Polícia brasileiros, Israel não teve dificuldade em dinamizar o movimento de contestação face à incúria do Partido dos Trabalhadores.
Crendo que a Presidente Dilma Rousseff havia maquiado as contas públicas, no quadro do escândalo Petrobras, muito embora sem que nenhum facto ficasse provado, os parlamentares destituíram-na em Agosto de 2016.
Aquando da eleição presidencial de 2018, o candidato Jair Bolsonaro foi a Israel para ser baptizado nas águas do Jordão. Assim conquistou de forma massiva os votos dos evangélicos.
Ele fez-se eleger tendo o General Hamilton Mourão como Vice-presidente. Este último declarou, durante o período de transição, que o Brasil deveria preparar-se para enviar homens para a Venezuela como “força de manutenção de paz”, assim que o Presidente Maduro fosse derrubado; declarações que constituem uma ameaça pouco velada e que o Presidente Bolsonaro tentou minorar.
Entretanto, numa entrevista, a 3 de Janeiro de 2019, ao canal SBT, o Presidente Bolsonaro referiu negociações com o Pentágono tendo em vista acolher uma base militar dos EUA no Brasil. Esta declaração levantou uma forte oposição no seio das Forças Armadas para quem o país é capaz de se defender sozinho.
Durante a sua investidura, a 2 de Janeiro de 2019, o novo Presidente acolheu o Primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Foi a primeira vez que uma personalidade israelita desta importância visitou o Brasil. Na ocasião, o Presidente Bolsonaro anunciou a próxima transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém.
O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que também esteve presente na investidura, anunciou junto com o Presidente Bolsonaro a sua intenção de lutar contra os “regimes autoritários” da Venezuela e de Cuba. De regresso aos Estados Unidos, ele fez escala em Bogotá para se encontrar com o Presidente colombiano, Iván Duque. Os dois homens acordaram em trabalhar para isolar diplomaticamente a Venezuela. A 4 de Janeiro de 2019, os 14 Países do Grupo Lima (entre os quais o Brasil, a Colômbia e a Guiana) reuniram-se para declarar como “ilegítimo” o novo mandato de Nicolas Maduro, que começa a 10 de Janeiro; um comunicado que não foi subscrito pelo México. Além disso, seis dos Estados-membros apresentarão uma queixa ao Tribunal Penal Internacional contra o Presidente Nicolás Maduro por crimes contra a humanidade.
É hoje perfeitamente claro que está já em marcha o processo para a guerra. Forças enormes estão em jogo e, agora, pouco há que possa pará-las. É neste contexto que a Rússia estuda a possibilidade de estabelecer uma base aeronaval permanente na Venezuela. A ilha de La Orchila —onde o Presidente Hugo Chávez fora mantido prisioneiro durante o Golpe de Estado de Abril de 2002— permitiria estacionar bombardeiros estratégicos. O que seria uma ameaça muito maior para os Estados Unidos do que foram, em 1962, os mísseis soviéticos estacionados em Cuba.