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Na última sexta-feira, 9/11, Mafê entrevistou no seu programa Lives Cultiva, do Instituto Cultiva, o historiador e dirigente petista Valter Pomar.
Valter é professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Diretório Nacional do PT.

A entrevista durou pouco mais de uma hora.
Valter falou, entre outros temas, sobre a vitória de Donald Trump nos EUA, motivos, o que sinaliza para nós, as eleições municipais brasileiras de 2024, cortes no orçamento do governo federal, insuficiência do discurso democrático, vago, abstrato, necessidade ‘’da esquerda ser mais audaciosa, mais encantadora, mais envolvente’’, defender a ‘’igualdade em todos os terrenos’’.
Vale muito a pena assisti-la na íntegra, pois é excelente.
Seguem alguns trechos.

— Acho que do ponto de vista da maioria da população estadunidense é um resultado ruim, embora a alternativa não fosse melhor. Esse é o grande problema para a massa dos trabalhadores dos Estados Unidos, especialmente mulheres, negros e latinos.
Tanto o governo Biden quanto o governo Trump passado não foram bons, portanto, a expectativa em relação ao que seria o governo Kamala Harris também não era boa.

— A verdade é que uma parte grande do eleitorado estadunidense votou no Trump como uma forma de rejeitar o que foi feito no governo Biden. E esse é o recado que eu acho que vem para nós aqui.
Quando você olha os indicadores da economia estadunidense, aparentemente as coisas estavam bem.
Aparentemente a atividade econômica estava bem, aparentemente havia mais empregos do que antes, mas a interpretação de uma parcela da população não era essa, como as eleições demonstraram. A população não come índices. Ela não fica satisfeita com índices.

E isso sinaliza para nós no Brasil, para o governo Lula, que é preciso mudar a orientação política e econômica sob pena da gente tomar um susto em 2026, de uma parte da população também não achar que as coisas estão boas e nos surpreender com o resultado eleitoral negativo daqui a 2 anos.
— O discurso da extrema direita é aparentemente antissistêmico, ou seja, eles prometem que vão mudar tudo…

— Eu acho que a única maneira da esquerda, da verdadeira esquerda, derrotá-los é que sejamos mais uma vez o que nós já fomos: os campeões da transformação, os campeões da mudança, aqueles que prometem um futuro diferente.
Nesse ambiente de crise mundial que a gente vive, esta postura de prometer a volta ao passado — nós queremos melhorar um pouco a situação — não conquista, não anima, não entusiasma nem mesmo a nossa própria base.

— Sobre o resultado nas eleições nos EUA tem um fato que é pouco destacado: houve uma redução no número de votos. Ou seja, curiosamente mas não surpreendentemente uma parte da população estadunidense não se animou com nenhuma das duas alternativas.
O sistema eleitoral dos Estados Unidos é diferente do brasileiro. Lá, você tem que se inscrever para votar, não existe uma legislação eleitoral única em todos os estados, a eleição acontece em dia de trabalho…
Isso significa que uma parte da população pode não ter comparecido por essas dificuldades, mas uma grande parte certamente não compareceu por conta do desânimo geral, que é compreensível.
O governo democrata, além de ser um governo conservador, neoliberal para os nossos padrões, ainda é um governo comprometido com, por exemplo, o massacre do povo palestino. Uma parte do eleitorado democrata resistiu a votar na Kamala Harris por conta disso.

— Se você olhar o resultado das eleições municipais no Brasil desde 1982 — foram 12 –, em todas elas os partidos conservadores elegeram mais prefeitos e prefeitas, mais vereadores e vereadoras e tiveram mais votos.
Acontece que em algumas eleições, mesmo eles tendo maioria, nós tivemos resultados muito positivos, crescemos muito na votação, crescemos muito no número de mandatos conquistados e conquistamos prefeituras estratégicas.
O primeiro caso disso foi em 1988, quando se elegeu, por exemplo, o Olívio Dutra prefeito de Porto Alegre e Luíza Erundina prefeita de São Paulo.
E isso se repetiu em algumas eleições municipais, ou seja, mesmo eles tendo a maioria, a gente se saiu bem.

— Desta vez, não. Na eleição de 2024, eles fizeram barba, cabelo e bigode. Elegeram o maior número de mandatos, tiveram 92 milhões de votos, enquanto a esquerda e centro-esquerda juntas tiveram pouco mais de 20 milhões de votos. Eles conquistaram as cidades estratégicas.
Na minha opinião, isso tem vários motivos. Um dos motivos é que uma parcela da população não comparece para votar, vota branco ou vota nulo. E uma parcela da população trabalhadora não se sente motivada, não se sente encantada a votar nas candidaturas de esquerda.
E, aí, a responsabilidade é nossa!

Eu ouço algumas pessoas falando dos pobres de direita… Eu fico horrorizado, porque você culpa duas vezes as pessoas.
— Na verdade, o problema é da esquerda, a esquerda precisa ter uma orientação política que seja mais audaciosa, mais encantadora, mais envolvente. Nós temos que falar de futuro, de futuro que afete a vida das pessoas. Esse discurso democrático, vago, abstrato, não é suficiente.

Quer dizer, a democracia vaga e abstrata pode ser muito boa para quem tem a barriga cheia, tem uma casa, tem um emprego decente, tem tempo de lazer, para quem pode não só sobreviver, mas também viver.
Mas para uma grande parte da população brasileira a questão é mais dura, e nós temos que oferecer para essas pessoas não só alternativas concretas, mas também um horizonte melhor do que esse horizonte cheio de perigos, de desesperança, que é o horizonte da vida da maior parte das pessoas.

— A extrema direita, além de mentir e de propor coisas que são negativas, ela também faz algo que explica em boa medida o resultado positivo na vida eleitoral, que é travar uma batalha cultural, oferecer algum futuro, mesmo que para nós esse futuro seja um horror… E, infelizmente, nós não temos tido muita capacidade de enfrentar a disputa nesse terreno.
— Eu comecei a militar numa época em que a esquerda lutava pelo socialismo, pelo fim de todas as formas de exploração e opressão, a gente lutava pela revolução para acabar com o latifúndio, para acabar com a presença do imperialismo do Brasil, para destruir o poder dos oligopólios, para democratizar a comunicação.

E essas grandes bandeiras, mesmo que não fossem alcançadas ou alcançáveis no curto prazo, davam um horizonte, diziam para onde a gente queria caminhar e elas mobilizavam as pessoas.
Quando a gente vai se desfazendo disso, ficando só no reme-reme do imediato, nas políticas que todo mundo mais ou menos defende, quem mais perde é a esquerda.

— Eu acho essa adesão de muita gente de esquerda ao nome progressista um retrocesso.

Veja, nós temos hoje uma direita e uma extrema direita que não têm vergonha de falar que são de direita.
No passado, não era assim. No passado, a gente brincava que no Brasil não tinha direita, porque a direita se apresentava como centro.

E hoje não é assim. A direita brasileira, especialmente a extrema direita, tem orgulho de se apresentar como sendo de direita.

E pelo contrário a esquerda que, no passado tinha orgulho de se apresentar como de esquerda, hoje se disfarça com essa pele de progressista, de democrata.
— Ou seja, a gente abandona aquilo que é essencial no discurso de esquerda — não segundo Marx, segundo Bobbio — que é a defesa da igualdade. Esse é o tema fundamental. Igualdade em todos os terrenos.

Ao abandonar a expressão esquerda e começar a derivar para o progressismo, a gente perde exatamente isso que é o definidor, que é divisor de campos. E, do lado de lá, a gente enfrenta uma extrema direita sem complexo e sem vergonha.
— Do nosso lado, se a gente não voltar a afirmar claramente um perfil de esquerda, a gente não vai conseguir levantá-los.

Aqui no Brasil a extrema direita galvaniza a direita gourmet, a direita que sabe usar garfo e faca, e grande parte dessa direita gourmet já votou no Bolsonaro em 2018, apoiou o governo Bolsonaro.
Aliás, vamos lembrar que foi a direita gourmet que fez o golpe contra a presidenta Dilma, foi a direita gourmet que processou, condenou, prendeu e interditou a candidatura do Lula, não foi a extrema direita.

Eles [direita gourmet] chamaram a extrema direita para rua para criar volume no golpe contra nós e depois foram atropelados por ela [extrema direita], se renderam a ela.
— Muita pauta defendida pela extrema direita está sendo naturalizada.

Eu fico horrorizado com o que acontece na Europa e aqui de se falar com tranquilidade do fato de que a primeira-ministra da Itália é do partido fascista ou de que a presidência da França ou o primeiro-ministro da França podem ser no futuro de um partido neofascista ou do fato de que na Alemanha partidos de orientação nazista estão crescendo nas eleições, da mesma maneira como se naturaliza o genocídio no caso de Israel contra os palestinos.

— Aqui no Brasil começa a acontecer a mesma coisa.
Então, é normal esse energúmeno que é ministro da Defesa, José Múcio, dizer que acha que tem que ter anistia para os que participaram da intentona golpista do dia 8 de janeiro de 2023, esquecendo-se que isso significa não a anistia para uns pobres coitados, como ele fala. Significa naturalizar o direito ao golpe contra o resultado democrático das urnas.

— Aliás, aconteceu isso nos Estados Unidos. O Trump que não reconheceu o resultado da última eleição e estimulou a invasão do Capitólio agora foi naturalizado. Isso quer dizer que o crime compensa.
— A gente não pode aceitar isso. A gente tem que assumir de maneira explícita que nós somos uma esquerda que quer transformar profundamente o país e que nós somos antagônicos à extrema direita e à direita.

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