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O mal-estar com o neoliberalismo e o voto na direita e no extremismo

São muitas as interrogações sobre o resultado eleitoral desfavorável para as esquerdas nas eleições municipais face os indicadores positivos da economia com Lula.

Afinal, o crescimento do PIB supera previsões, o desemprego encontra-se num dos níveis mais baixos das últimas décadas, o salário mínimo está sendo valorizado e aumentaram os orçamentos das famílias de baixa renda – seja pela criação de novas oportunidades de trabalho, seja devido aos programas sociais e previdenciários.

Apesar da situação econômica do país, isso não se traduziu, contudo, em ampliação ou confirmação do potencial do “voto lulista” para a esquerda nos municípios.

Na realidade, o eleitorado que deu a vitória a Lula em 2022 em inúmeras cidades de médio e grande porte nesta eleição se pulverizou, e se distribuiu também entre candidatos de direita e extrema-direita.

Além do alerta das urnas, pesquisas de opinião mostram a persistente dificuldade do governo em conseguir melhorar seus índices de aprovação e reduzir sua reprovação, em que pese tudo o que vem sendo feito desde 1º de janeiro de 2023.

Fosse na época dos seus dois primeiros governos, a aprovação de Lula estaria em níveis muito superiores em consequência deste esforço monumental que realiza para reconstruir o país devastado por seis anos pós-golpe com Temer e, depois, com Bolsonaro e os militares.

Lula terminou seu segundo mandato em 2010 sendo avaliado como ótimo e bom por 87% da população.

No entanto, hoje se observa um equilíbrio renhido entre as percepções positivas e negativas acerca do governo e do próprio Lula, em grande medida devido à polarização ideológica.

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Este não é, porém, um fenômeno exclusivamente brasileiro; é observado internacionalmente.

Marcos Coimbra, do Vox Populi, avalia que no atual momento político no mundo, são raros os presidentes que realizam boas gestões e conseguem alcançar índices de popularidade de 60% ou mais e serem reeleitos ou elegerem sucessores.

Analisando a eleição estadunidense, o cientista político e professor da UFRJ Josué Medeiros avalia que o mal-estar das pessoas com sua condição econômica precária sob o neoliberalismo foi um dos fatores que contribuíram para a vitória de Donald Trump.

“Embora o governo de Joe Biden tenha bons números para apresentar –especialmente na redução do desemprego e no aumento da renda– as pessoas não sentem essa melhora. Em parte, por conta da inflação. Em parte, por conta da polarização política, que afeta profundamente as percepções e os comportamentos políticos, especialmente entre os republicanos”, diz ele.

Para Josué, “a principal razão é que a vida da população não melhora dentro da dinâmica neoliberal que organiza a democracia estadunidense. A privatização dos direitos e a destruição dos laços de solidariedade promovem um cansaço e uma frustração que as estatísticas não conseguem alterar”.

Na visão dele, “o trabalhador pode até estar empregado, mas vive um contexto de superexploração no trabalho, com jornadas extenuantes, péssima qualidade de vida e uma competição feroz com seus pares, estimulada pelos superiores. Sua renda de fato aumentou, mas seus gastos com saúde dispararam, ou então precisei recorrer a serviços de saúde de pior qualidade porque é o que meu orçamento permite. Tudo isso gera estresse, depressão, angústia, raiva. E só quem se fortalece com esses sentimentos é a extrema-direita”.

A hipótese do professor Josué sobre a eleição nos EUA é uma chave explicativa útil para se interpretar o revés eleitoral sofrido pelas esquerdas no Brasil e, ainda, para tentar entender a estagnação da popularidade do presidente Lula nas pesquisas.

Aqui no Brasil, mesmo a situação econômica positiva não consegue aplacar este mal-estar da população, em sua maioria pobre, e que leva uma vida “invivível” devido às condições impostas pelo neoliberalismo, que concentra renda nas mãos de rentistas e penaliza a imensa maioria trabalhadora com baixos salários e carestia de serviços públicos privatizados e mercantilizados.

Os dados falam por si. Mais de 70% da população ganha até três salários mínimos por mês, valor evidentemente insuficiente para cobrir os gastos com transporte, água, energia elétrica, gasolina, remédios, saúde, educação, alimentação, moradia. E, além disso, parcelas significativas vivem endividadas e pagando taxas obscenas de cartão de crédito.

Quase um terço da população [31,6%, ou 70 milhões de pessoas] vive na pobreza, dos quais 5,9% [12,5 milhões] encontram-se na pobreza extrema.

O IBGE apurou que em 2023 27,6% dos lares brasileiros viviam com algum grau de insegurança alimentar, 4,1% deles padecendo de insegurança alimentar grave, que corresponde à escassez de alimentos.

O país tem 16,4 milhões de pessoas morando em favelas e áreas sem infra-estrutura e equipamentos sociais –8,1% da população–, afora outras dezenas de milhões vivendo em condições muito precárias.

A estafa e a rebeldia das maiorias sociais com essa condição penosa de vida assumem a forma de uma revolta silenciosa que se manifesta nas urnas e penaliza as “forças do sistema”. É preciso decifrar este enigma.

Por Jeferson Miola, em seu blog

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