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Não há dúvidas de que estamos atravessando um momento de suma gravidade na história brasileira.

O país está à beira de uma definição que pode ser determinante para nosso rumo no futuro.

O neofascismo bolsonarista, que chegou ao governo no processo fraudulento prévio às eleições de 2018, está dando mostras de que não pretende abrir mão de seu projeto de poder e, por isso, está empenhado em eliminar os entraves que lhe impedem de montar as estruturas de um estado totalitário sob seu comando.

Para que possamos entender melhor as dificuldades do presente e prepararmo-nos para agir em conformidade com as exigências do contexto, convém revisar os acontecimentos históricos relacionados com o fascismo nos países onde ele surgiu e adquiriu suas formas clássicas, a Itália e a Alemanha, e traçar um paralelo com o que estamos vivenciando no Brasil na atualidade.

Ao fazer isto, podemos constatar que a questão relacionada com a necessidade ou não-necessidade de uma aliança entre forças sociais diversificadas sempre esteve na pauta de discussões dos que se opunham ao fascismo.

Não tanto em razão de os fascistas constituírem a maioria da população, uma vez que, revendo os fatos históricos, no momento em que assumiram o governo, nem Mussolini nem Hitler contavam com o apoio majoritário das populações de seus respectivos países.

Os estudos indicam que as raízes do fascismo não se estendem muito além de certos setores de classe média baixa e de grupos desclassificados da sociedade que, embora sofram os efeitos severos das crises capitalistas, não conseguem identificar os verdadeiros motivos causantes de seu sofrimento.

Ou seja, o número de adeptos de base do fascismo não costuma ser muito expressivo.

O que realmente pesa e lhes dá maior relevância é sua disposição para a prática da violência intimidatória contra seus adversários.

O fascismo costuma se transformar em uma força significativa quase que somente naqueles momentos de caos social em que a grande burguesia teme o avanço político das forças populares, mas os partidos e instituições que tradicionalmente a representam não conseguem mais dar conta do recado.

Em tais situações, essa burguesia deixa de lado seus pruridos e aceita entregar a defesa de seus privilégios às forças fascistas, por mais degeneradas que estas sejam.

Foi assim que Mussolini chegou ao governo na Itália, foi desse jeito que Hitler chegou ao governo na Alemanha e, de maneira muito semelhante às dos processos anteriores, Bolsonaro chegou ao governo no Brasil em 2018.

Em curiosa analogia com o que ocorre atualmente no Brasil em relação a Bolsonaro, as grandes burguesias que emprestaram seu apoio para a tomada de poder por Mussolini e Hitler também acreditavam que teriam condições de domesticar as bestas que estavam engendrando.

No entanto, agora como então, o monstro do fascismo demonstrou ser quase que indomável.

Apesar de estar totalmente identificado com os interesses econômicos das grandes burguesias dominantes (em nosso caso, especialmente a financeira e a do agronegócio), Bolsonaro não quer ceder a batuta de comando de volta a seus representantes tradicionais, e seu jeitão de arruaceiro não inspira a confiança desejada pelos cânones do mercado.

Bolsonaro vem atendendo em sua plenitude as reivindicações econômicas do grande capital, sendo capaz de avançar até mais na implementação desses interesses do que seus representantes clássicos estariam dispostos a ir.

Tanto assim que ele não hesitou em aprofundar o processo de desmantelamento da Petrobrás e entrega do pré-sal, não vacilou na privatização da Eletrobras e dos Correios, etc.

Por outro lado, para os trabalhadores só tem havido desgraças: retirada de direitos da CLT, inviabilização da aposentadoria, desmonte de programas sociais (Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida, Pro-Uni, etc.), manutenção por 20 anos do congelamento dos recursos para saúde e educação públicas, entre outras perdas.

Consequentemente, os trabalhadores têm muitos motivos para unir forças com outros setores sociais para enfrentar o governo neofascista.

No entanto, o que desgraça a vida dos trabalhadores não é o jeitão imbecilizado de Bolsonaro, não é seu palavreado chulo, nem sua falta de civilidade.

O que realmente conta para os trabalhadores é que a política econômica implementada pelo governo Bolsonaro e a retirada dos direitos trabalhistas fundamentais estão levando a classe trabalhadora a uma situação de miséria e penúria nunca antes experimentada.

Para as grandes burguesias, Bolsonaro aparece como uma figura de pouca serventia nesta fase do processo.

Ele provou ser-lhes muito útil na hora em que precisavam de alguém que não titubeasse diante dos trabalhos sujos que desejavam executar, mas não dispunham de ninguém de seus próprios quadros em condições de realizá-los.

Nesse instante, Bolsonaro lhes foi de muito valor e importância.

Mas, o momento agora é outro.

Na fase atual, o que as classes dominantes querem é encontrar alguém que lhes ofereça condições de previsibilidade para tirar proveito de tudo o que conseguiram desde o golpe de 2016.

O santo mercado abomina as incertezas.

Ele precisa e exige que sua lucratividade tenha perspectivas seguras.

Isto de que “empreendedorismo é aceitar riscos” só vale para enganar bocós.

É claro que é possível aceitar acordos de aliança entre as forças políticas que representam os interesses dos trabalhadores e as que representam os interesses burgueses com base no Fora Bolsonaro.

Mas, precisamos explicitar os fundamentos do que isto significa.

Lutar para preservar ou recuperar a democracia não deveria significar simplesmente retirar da presidência um monstro escroto e degenerado, deixando intacta a base da política econômico-social que o tal monstro escroto e degenerado implementou contra os trabalhadores.

Se em lugar de estar atendendo as reivindicações econômicas das classes dominantes, Bolsonaro estivesse oferecendo melhores salários para os trabalhadores, melhores condições de atendimento médico para os trabalhadores, melhores condições de moradia para os os trabalhadores, etc., nós também poderíamos aguentar sua presença no governo por mais algum tempo sem grandes problemas.

Se as classes dominantes tivessem condições de livrar-se de Bolsonaro por sua própria conta, não estariam buscando apoio no campo popular.

Se o fazem, é porque dependem de nosso apoio.

E nosso apoio tem de ter preço.

É claro que se a esquerda trabalhista também fosse capaz de derrotar o governo fascista sozinha, não teria nada a tratar com a burguesia.

Como todos dependem da contribuição mútua para poder sair do atual estado de penúria, é preciso que seus representantes se juntem para negociar os termos da aliança a ser formada.

E o campo popular não pode abrir mão dos pontos essenciais de sua luta.

Nossa reivindicação não é só a retirada da figura nefasta de Bolsonaro, mas também de sua política que nos é nefasta.

Os entendimentos precisam ser negociados por representantes legítimos de todas as forças sociais.

Deixar de levar em conta os interesses e necessidades imediatas das maiorias para não assustar os representantes do grande capital é inadmissível.

No mais, que a aliança seja o mais ampla possível.

*Economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ

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