A Globo se posicionou firmemente em defesa das decisões da Lava Jato, ainda que divulgando o teor de mensagens trocadas entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador-chefe da Força Tarefa, Deltan Dallagnol.
Porém, o teste do impacto das revelações feitas pelo Intercept passa pela reunião da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, marcada para a terça-feira, 25 de março.
Naquela data, a turma deve analisar o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, preso em Curitiba, cuja defesa pede que todo o processo do tríplex do Guarujá seja anulado por causa de parcialidade de Moro.
Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia já votaram contra o pedido da defesa, mas podem mudar de posição. Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello ainda não votaram.
Hoje, Gilmar e Lewandowski foram derrotados por 3 a 2 na decisão que tornou réus no STF, em desdobramento da Lava Jato, quatro lideranças do PP: Eduardo da Fonte, Arthur Lira, Aguinaldo Ribeiro e Ciro Nogueira.
Antes da sessão, Gilmar disse que provas obtidas de forma ilegal podem ser consideradas válidas.
“Não necessariamente [anula]. Porque se amanhã [uma pessoa] tiver sido alvo de uma condenação por exemplo por assassinato, e aí se descobrir por uma prova ilegal que ela não é autor do crime, se diz que em geral essa prova é válida”, afirmou.
Trata-se de uma queda de braço que se dá nos bastidores: o agora ministro Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol estão se apresentando como vítimas de um crime e descartando o valor do conteúdo das mensagens que trocaram.
É posição contrária à que manifestaram em outras circunstâncias, no passado, especialmente por causa da polêmica envolvendo a divulgação de um grampo captado ilegalmente entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.
Durante a sessão, Gilmar referiu-se a seu voto sobre os denunciados do PP como tendo sido escrito “antes deste último escândalo da República de Curitiba”, ao que em seguida Lewandowski aduziu: “Último, mas não derradeiro”.
Boatos nos bastidores da política falam em mensagens e áudios trocados entre autoridades do Judiciário, ainda não revelados, que poderiam ser comprometedores.
O próprio Glenn Greenwald, co-criador do Intercept, só confirmou ao UOL que há outras mensagens referentes a Moro, que confirmam que ele aceitou o cargo de ministro da Justiça antes da eleição de Jair Bolsonaro.
Diferentemente do que se viu no passado, no entanto, agora o tempo das denúncias não é definido por Moro, nem por Dallagnol, nem pela Globo: Greenwald é quem tem o dedo no gatilho.
O jornalista e advogado disse que novas denúncias serão divulgadas de acordo com o tempo jornalístico, ou seja, depois da checagem de cada detalhe do material.
O voto decisivo no dia 25 deve ficar de novo com o decano do STF, Celso de Mello.
Nas denúncias já publicadas até agora pelo Intercept que envolvem o tríplex de Guarujá, ficou claro que a promotoria cometeu dois erros em relação à própria reportagem que serviu de base para a acusação, do diário conservador O Globo.
Foi o jornal dos Marinho que originalmente atribuiu o tríplex a Lula, antes mesmo do início do escândalo da Petrobrás.
Porém, na lista de bens de Lula, colhidas em declaração do então presidente à Justiça Eleitoral, em 2006, não há menção a tríplex, mas a cotas de um imóvel no Guarujá no valor de R$ 47.695,38, já pagos.
Além disso, os procuradores escreveram na denúncia que Lula teria um tríplex com vista para o mar: “Essa matéria dava conta de que o então Presidente LULA e MARISA LETÍCIA seriam contemplados com uma cobertura triplex, com vista para o mar, no referido empreendimento”.
Porém, o texto da repórter Tatiana Farah, com base em depoimento de terceiros, fala que o bloco onde Lula teria seu apartamento seria o B, que perderia a vista para o mar depois da construção do bloco A.
“A Lava Jato usou a reportagem como prova de que o apartamento era, sim, uma propriedade ou uma aspiração da família presidencial, mas indicou outro imóvel na denúncia. Uma evidência de que a investigação foi imprecisa num dos pontos mais cruciais da acusação: na definição do imóvel que materializaria a propina que Lula teria recebido da empreiteira”, escreveram os autores da reportagem do Intercept.
O mesmo texto descreveu a batalha interna no Ministério Público para retirar a investigação do MPE paulista, onde fica Guarujá, e empurrá-la para Curitiba, onde as investigações da Lava Jato devem ser necessariamente ligadas à corrupção na Petrobras.
O processo não prova que Lula foi recompensado com um tríplex pela construtora OAS em troca de benefícios específicos à empresa em contratos com a Petrobras.
É este um dos motivos pelos quais a defesa do ex-presidente alega que o processo é nulo.
Hoje, Gilmar Mendes aproveitou para dar mais uma estocada em Sérgio Moro, embora de forma indireta.
Ao proferir seu voto no caso do PP, disse:
“O escrutínio dessa Corte nesta fase há de ser mais severo. Não se pode receber a denúncia para depois já dizer, como dizemos aqui, que as provas eram insuficientes. […] A não ser que haja tribunais destinados a condenar, como vimos nesse modelo em que juiz chefia procurador. Mas não é o caso desta Corte. Juiz não pode chefiar força-tarefa”.
Questionado pela Agência Pública, Glenn Greenwald não se disse surpreso com o papel da TV Globo no momento:
Como você avalia a repercussão a partir da própria imprensa brasileira? Hoje, por exemplo, você disse que “a estratégia da Globo é a mesma que os governos usam contra aqueles que revelam seus crimes” e que “a Globo é sócia, agente e aliada de Moro e Lava Jato”.
É incrível porque, para mim, o tempo todo, a grande mídia não estava reportando sobre a Lava Jato, ela estava trabalhando para a Lava Jato. Com uma exceção que é a Folha de S. Paulo.
A Folha, para mim, manteve uma distância, uma independência, estava criticando, questionando…
Mas a Globo, Estadão, Veja, o tempo todo estavam simplesmente recebendo vazamentos, publicando o que a Força Tarefa queria que eles publicassem.
Mas, na realidade, preciso falar que depois de publicar o que publicamos, acho que com uma exceção, que é a Globo, a grande mídia está reportando o material de forma mais ou menos justa, com a gravidade que merece.
Por exemplo, o editorial de hoje do Estadão — que era um dos maiores fãs do Moro — falando que ele deve renunciar e Deltan ser afastado. Isso mostra a gravidade das revelações.
A única exceção é a Globo mas essa é uma exceção enorme por causa do poder do Jornal Nacional que está quase tratando a história somente como um crime — e o único crime que interessa é o da nossa fonte, que eles acham que ela cometeu.
Eles não têm quase nenhum interesse nas gravações e no comportamento do Moro, do Deltan. Eles estão falando sobre o comportamento da fonte e, na realidade, eles não sabem nada. Mas é interessante por que isso é comportamento de governo.
Como assim?
Quando você denuncia ações de corruptos ou trata de problemas sobre o governo, ele sempre tenta distrair falando somente sobre quem revelou essa corrupção, quem divulgou esses crimes para criminalizar pessoas, jornalistas ou fontes que revelaram o material.
Essa estratégia, não dos jornalistas, é o que a Globo está usando. Porque a Globo e a força-tarefa da Lava Jato são parceiras. E os documentos mostram isso, né?
Não é só eu que estou falando isso por causa da Globo. Os documentos mostram como Moro e Deltan estão trabalhando juntos com a Globo e nós vamos reportar, então eu sei disso já e a reportagem está mostrando.
Mas o resto da grande mídia está tratando a história com a gravidade que merece. É impossível para todo mundo que está lendo esse material defender o que Moro fez. Impossível!
Se eu entendi, Glenn, você está me dizendo que os documentos que vocês ainda estão trabalhando vão apontar uma relação mais próxima da Globo nesse processo com Dallagnol e Moro, é isso?
Eu não posso falar muito sobre os documentos que ainda não publicamos porque isso não é responsável.
Precisa passar pelo processo editorial mas, sim, posso falar que exatamente como disse hoje, a Globo foi para a Força Tarefa da Lava Jato aliada, amiga, parceira, sócia.
Assim como a Força Tarefa da Lava Jato foi o mesmo para a Globo.
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