Em reunião, trabalhadores apontam que novas normas apresentadas pelo GDF desconfiguram tradicional espaço de lazer do DF
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A falta de clareza e transparência nos novos ajustes realizados pelo Governo do Distrito Federal (GDF) no Plano de Uso e Ocupação do Eixão do Lazer foi debatida durante uma reunião pública realizada nesta segunda-feira (10) na Câmara Legislativa do DF (CLDF). Segundo os trabalhadores, as mudanças desconfiguram o tradicional local de lazer e inviabilizam o trabalho de artistas e comerciantes que dependem das programações para garantir sua renda.
As alterações, presentes na Instrução Normativa n.º 01, de 27 de janeiro de 2025, foram publicadas no dia 30 de janeiro no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) e já passaram a vigorar.
A reunião pública foi convocada pelo deputado distrital Ricardo Vale (PT). O distrital conta que tem recebido manifestações de trabalhadores preocupados com as novas exigências e suas consequências para a manutenção de suas atividades no Eixão do Lazer. “É fundamental garantir que a regulamentação não inviabilize suas atividades e que haja diálogo com quem vive essa realidade no dia a dia”, afirma o deputado. O evento foi aberto à participação da sociedade civil, ambulantes, comerciantes e demais interessados.
“Basta ir ao Eixão do Lazer para constatar que o novo plano não tem correspondência com a realidade. Os trabalhadores temem que, se ele for executado, perderão as condições mínimas para exercer suas funções. O novo plano tem sérios problemas, como a proibição de barracas fixas, que é um grande problema para os ambulantes e para segurança dos usuários, além das dificuldades logísticas e da separação das atividades comerciais das apresentações culturais”, afirmou Ricardo Vale na reunião.
Em uma análise do Plano de Uso e Ocupação elaborado pelo GDF, o produtor cultural do Rock no Eixão e comerciante Glauber Cruz destacou que o problema do plano é que ele tira “a simbiose da parte cultural com a comercial”. “Uma coisa retroalimenta a outra. O plano que foi apresentado deixa isso fragilizado”, diz Cruz.
“A gente fica preocupado. Hoje, estamos funcionando, mas não sabemos. De repente, daqui a cinco, três ou um mês, chega um fiscal do DER e fala: ‘vocês estão todos errados’. A gente tinha que ter uma garantia do governo sobre a mudança desse plano, porque a música e o comércio são uma simbiose.”
O produtor cultural ainda pontua que certos pontos da nova norma continuam “obscuros”. “Por exemplo, eles estão proibindo veicular publicidade e propaganda, mas o que é isso? Eu tenho um banner da minha marca, então, não vou poder colocar?”, aponta a falta de definições.
Também presente na reunião, o produtor cultural e músico Márcio Marinho destaca a necessidade de um plano dentro da realidade de quem trabalha no Eixão. “Esse plano de ocupação continua muito confuso e não está efetivo pelo que a gente quer, busca e pela realidade do projeto.”
Atualmente, os banheiros químicos distribuídos no Eixão são fornecidos pelos eventos, como conta Márcio Marinho. Para ele, é preciso que o GDF se preocupe em criar políticas públicas para o espaço, não apenas em “ficar falando o que pode e o que não pode”. “Bota um bebedouro para o pessoal, um banheiro. A gente que fica colocando coisas que o governo deveria fazer.”
Em relação aos decibéis permitidos, o músico relata que a medição, hoje, é realizada no evento. “É difícil os agentes do DER fazerem a medição dos decibéis onde está acontecendo o evento, sendo que o evento não é na casa da pessoa que está reclamando. Que a gente escute os moradores que estão reclamando, mas que a lei seja para todos.”
Plano de Uso e Ocupação do Eixão do Lazer foi debatida durante uma reunião pública realizada nesta segunda (10) / Divulgação/ Mandato Ricardo Vale (PT)
Outra preocupação é quanto ao uso das faixas de rolamento para carga e descarga. Segundo a nova norma, os horários de montagem e desmontagem das estruturas físicas continuam os mesmos, ou seja, das 6h às 10h para montar e até às 18h para desmontar. O que muda agora é que está proibido o uso das faixas de rolamento das rodovias e vias adjacentes para carga e descarga; isso só poderá ser feito obrigatoriamente nas áreas de estacionamento destinadas a esse fim.
A comerciante Denilde questiona como será feita a carga e descarga de produtos. “Como nós vamos fazer, sendo que somos proibidos de colocar nossos food trucks e trailers para carregar e descarregar?”
Maria do Perpétuo Souza, uma das ambulantes presentes, destacou a gravidade da situação: “Se os eventos ficarem distantes, meu trabalho será diretamente afetado. Precisamos de mais espaço e mais clareza para continuar trabalhando e oferecendo nossos produtos à população.” Outro participante apontou a incoerência do poder público de estabelecer tantas restrições e não oferecer as contrapartidas mínimas, como a instalação de banheiros químicos. “É uma questão de humanidade. Precisamos de espaços adequados para vender nossos produtos”, argumentou.
Wagner Sampaio, frequentador do Eixão, relata que participar do Eixão, antes de tudo, é saúde mental, cultura, estabelecer relações sociais e entender a cidade. “A gente ouve a arte nessa cidade sem pagar. Hoje, tudo nessa cidade se paga. Eu fico preocupado porque desassociar a cultura da gastronomia é romper uma tradição que a gente tem e que é importante. Como pai, eu agradeço por ter mais espaço, brinquedos e oportunidades para as crianças.”
Ele também reivindica placas indicando os locais permitidos para estacionar. “Como frequentador, sinto falta de uma organização do trânsito. Eu fico muito preocupado porque toda vez que vou para o Eixão, quando entro em uma quadra, tiro a vaga de um morador e arrisco ter algum tipo de desentendimento.”
Outras mudanças
As mudanças, estabelecidas pelas Instruções Normativas n.º 3/2024 e n.º 1/2025 do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal (DER-DF), publicadas no Diário Oficial em 30 de janeiro deste ano, determinam novas normas para a atuação de trabalhadores que utilizam o espaço para comércio e prestação de serviços aos domingos e feriados.
Está proibido fixar estruturas definitivas em áreas verdes por meio de perfuração do solo ou construção de bases para instalação de equipamentos, tendas e outros elementos. Será possível apenas a instalação de estruturas provisórias, que deverão ser retiradas ao final do Eixão do Lazer.
Só será possível utilizar qualquer espécie de cercamento, gradil ou elemento semelhante com autorização expressa do DER-DF. Serão instaladas placas com coordenadas geográficas para identificar os pontos autorizados a receberem eventos musicais na SQN 113, na SQN 204 e na SQN 207.
Os ambulantes poderão dispor de até seis mesas e 24 cadeiras. “Quantas mil pessoas vão para lá, o que faz com 24 cadeiras? Uma família vai lá e já ocupa as 24 cadeiras de um espetinho”, diz Denilde. “Tem muitas coisas que ainda precisam ser ajustadas e que nos deixam em dúvida. Eles [DER] falam uma coisa, mas só dificultam”, completa.