Anvisa abriu consulta pública sobre o tema e a sociedade tem até 9 de fevereiro para se manifestar
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu, no último mês de dezembro, uma consulta pública para discutir a regulamentação da comercialização de cigarros eletrônicos no Brasil. O tema interfere diretamente na saúde pública e o debate traz opiniões e ponderações pertinentes, favoráveis e contrárias, à formalização deste mercado que já atinge milhões de consumidores no país. A Anvisa disponibilizou em seu site um formulário online para receber manifestações sobre o texto. O prazo de manifestação vai até o dia 9 de fevereiro e qualquer pessoa interessada pode enviar contribuições e comentários. Após esta etapa, os diretores do órgão colegiado vão aprovar ou não a versão consolidada da resolução sobre o assunto.
Os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) são também conhecidos como cigarros eletrônicos, vape, pod, e-cigarette, e-ciggy, e-pipe, e-cigar e heat not burn (tabaco aquecido). A Anvisa proíbe desde 2009 a importação, publicidade e comercialização desses produtos. Em parecer para a consulta pública, a agência reguladora propõe a manutenção da proibição dos dispositivos eletrônicos para fumar, o que inclui todos os tipos de dispositivos, bem como a proibição da publicidade e da divulgação, por meio eletrônico ou por meio impresso desses produtos. Entretanto, há médicos, especialistas e parlamentares que defendem a regulamentação, em razão da necessidade de evitar o consumo por jovens e adolescentes e garantir que adultos fumantes – que desejam diminuir ou parar de fumar – tenham acesso a produtos controlados, uma vez que este já é um mercado desenvolvido no Brasil, com quase 3 milhões de adultos fumantes regulares e 6,3 milhões de experimentação do produto, segundo levantamento do instituto Ipec.
Em linhas gerais, tanto quem defende a comercialização dos cigarros eletrônicos, quanto quem reivindica a proibição estão de acordo que é preciso tomar alguma decisão sobre o assunto. O comércio de vapes explodiu no Brasil nos últimos anos. Segundo informações da Receita Federal, entre 2019 e 2023, as apreensões de produtos contrabandeados dispararam de 23 mil unidades em 2019 para mais de 1,1 milhão em 2023. Em valor estimado de mercadorias recolhidas, o aumento foi de R$ 1,9 milhão para R$ 53,4 milhões em cinco anos. Os estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo representam 84% das apreensões no país entre 2019 e outubro de 2023. O cigarro eletrônico é tratado pela Receita Federal como contrabando, com pena de apreensão dos itens encontrados, bem como de veículos utilizados no transporte.
O Paraná, que faz fronteira com o Paraguai, que hoje é uma das principais portas de entrada de cigarros eletrônicos ilegais no país, é o estado com maior número de cigarros eletrônicos confiscados. Segundo a Receita, foram 1,4 milhão de unidades recolhidas entre 2019 e outubro de 2023. As apreensões de cigarros eletrônicos realizadas pela Polícia Rodoviária Federal no Paraná subiram 1.131% em 2023. De 9.500 unidades flagradas entre janeiro e outubro de 2022, o total subiu para 117 mil no mesmo período em 2023, segundo a PRF no Paraná.
Regras rígidas e fiscalização – Entidades ligadas à indústria do tabaco defendem a necessidade de uma regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil, já que os dados mostram que a proibição não tem evitado o consumo. Atualmente, 100% dos produtos comercializados no país são provenientes do mercado ilegal e do contrabando. Pode-se adquirir um vape livremente em tabacarias, postos de gasolina, pela internet, em aplicativos de entrega, ou até por ambulantes, o que facilita o acesso a menores de idade. Segundo defensores da regulamentação, a medida possibilitará a formalização de um mercado com regras sanitárias rígidas e definidas para a fabricação e comercialização, pontos de venda próprios, controle e fiscalização da faixa etária do consumidor.
Organizações favoráveis aos cigarros eletrônicos defendem, com base em estudos científicos independentes, que esses produtos alternativos de entrega de nicotina são menos prejudiciais e que, apesar de não serem inócuos, representam um risco significativamente menor do que fumar cigarros tradicionais. A ideia defendida é incentivar adultos fumantes a mudarem de cigarros convencionais para alternativas consideradas menos prejudiciais à saúde. Neste sentido, decisões de regulação com regras específicas para o setor poderiam tornar as alternativas de menor risco mais acessíveis para esse público do que os cigarros convencionais.
“A preocupação é garantir que no meio de todo esse debate o consumidor não seja esquecido. Nós merecemos o mesmo direito dos americanos, ingleses, canadenses e tantos outros cidadãos de mais de 100 países que já adotaram uma regulamentação rígida e controlada desses produtos, que permite acesso por adultos fumantes enquanto protege os menores”, defendeu Alexandro Lucian, pesquisador e fundador do Diretório de Informações para Redução dos Danos do Tabagismo (Direta), por meio de manifestação apresentada na reunião da diretoria colegiada da Anvisa, no dia 1 de dezembro de 2023.
Regulamentação e tributação – A regulamentação da comercialização e uso de cigarros eletrônicos é defendida também por profissionais da área da saúde. O médico Gonzalo Vecina, fundador e ex-presidente da Anvisa, avaliou que é preciso que a sociedade brasileira discuta se vale a pena manter sob controle o cigarro eletrônico ou proibir os dispositivos e conviver com a informalidade do produto que está no mercado.
“Sou a favor de que o cigarro eletrônico seja regulamentado pela Anvisa e que se coloquem impostos elevados sobre o consumo e o cerceamento à utilização em qualquer ambiente fechado. Todas as restrições que existem para o cigarro comum devem existir também para o cigarro eletrônico, além do acréscimo de outras restrições como a questão dos sabores e a quantidade de nicotina permitida”, afirmou Vecina em recente entrevista.
Impacto na arrecadação – Além do debate no âmbito da Anvisa, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) 5008/2023, de autoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que permite a produção, importação, exportação e o consumo dos cigarros eletrônicos no Brasil. Em pronunciamento no Senado, a congressista defendeu a aprovação de medidas que estabeleçam regras rigorosas para a comercialização dos DEFs e expressou preocupação com a origem dos produtos que são consumidos no país, segundo ela, sem controle das agências de fiscalização. “Nós estamos falando, em dados ainda de 2019, de R$ 5 bilhões em impostos, que são perdidos e que poderiam estar gerando recursos para financiarmos o SUS”, afirmou a parlamentar em pronunciamento na tribuna do Senado. O texto foi distribuído para três comissões, e está no momento com a relatoria da primeira, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nas mãos do senador Eduardo Gomes (PL- TO).
Por outro lado, a regulamentação dos cigarros eletrônicos não é defendida pelo Ministério da Saúde. Em declaração sobre o tema, a ministra Nísia Trindade criticou a proposta dizendo ser “fundamental manter a proibição aos cigarros eletrônicos”. Em vídeo em que aparece ao lado do ministro de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, Nísia Trindade disse que “não é possível regular aquilo que comprovadamente está fazendo mal, trazendo novos fumantes após o Brasil ter sucesso no combate ao tabagismo”. A preocupação de entidades médicas está também ligada com o apelo dos dispositivos aos mais jovens. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 16,8% dos adolescentes de 13 a 17 anos já experimentaram o cigarro eletrônico.
Os defensores da regulamentação, no entanto, argumentam que ela serviria inclusive para proibir o acesso de jovens e adolescentes a tais produtos. No Reino Unido, por exemplo, segundo dados da Action on Smoking and Health (ASH) 2022, a taxa de experimentação de vapes entre os jovens é de 7,7%.
Com um mercado desregulado, as entidades médicas afirmam que não é possível identificar as substâncias que estão presentes no líquido utilizado nos dispositivos. E que, no Brasil, os consumidores não sabem o que colocam no organismo. Este é um argumento também utilizado em defesa da regulamentação. A Associação Médica Brasileira (AMB) alerta que a maioria dos vapes contém nicotina, que é responsável pela dependência.
Desde 2003, quando começaram a se popularizar, os cigarros eletrônicos passaram por diversas mudanças: produtos descartáveis ou de uso único; produtos recarregáveis com refis líquidos que podem conter substâncias como propileno glicol, glicerina, nicotina e flavorizantes, em sistema aberto ou fechado; produtos de tabaco aquecido, que possuem dispositivo eletrônico onde se acopla um refil com tabaco; sistema pods, que contém sais de nicotina e outras substâncias diluídas em líquido, dentre outros. Ao colocar o produto na boca e inalá-lo, o líquido inserido no cartucho é aquecido internamente e, depois da tragada, resulta no vapor.
É importante destacar que vaporizadores e produtos de tabaco aquecido são produtos destinados a maiores de 18 anos, assim como o cigarro. Estes produtos não são isentos de riscos e, por isso mesmo, não devem ser utilizados por adolescentes.
Com informações do Brasil 247
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