O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), contrariou as legislações estadual e federal ao enviar advogados públicos para a defesa de manifestantes bolsonaristas presos em Brasília desde o último dia 8.
A medida do governador se encaixa no desenho de, pelo menos, dois crimes de responsabilidade previstos em lei (leia mais abaixo), além de uma série de outras ilicitudes. Se devidamente constatadas, poderão levar ao impeachment de Jorginho.
De fato, já existem, até agora, duas representações judiciais contra o mandatário catarinense, protocoladas pelo PSOL e por uma equipe de advogados do estado.
Veja, abaixo, como Jorginho Mello – que, aliás, é declarado e ferrenho apoiador de Jair Bolsonaro – infringiu as leis de seu próprio estado para promover uma defesa pública do interesse privado dos apoiadores presos do ex-presidente da República.
1 – O desvio de finalidade e o desfalque dos cofres estaduais
O ato do governador desfalcou os cofres estaduais com o pagamento de passagens e hospedagem a quatro defensores públicos do estado que se locomoveram até Brasília para defender os presos bolsonaristas, extrapolando as funções legais dos defensores. É o que se chama desvio de finalidade, e está entre as ilicitudes que podem levar ao impedimento de Jorginho.
Isso porque, de acordo com a Lei Complementar Estadual n. 741, de 12 de junho de 2019, a Secretaria de Articulação Nacional do Estado (SAN) (entidade que coordenaria o envio dos defensores) não tem competência para acompanhar a situação de catarinenses presos em outra unidade federativa, não podendo prestar orientação jurídica ou qualquer outra atividade de apoio aos acusados presos em Brasília.
O artigo 21 da referida lei delimita as funções da SAN de maneira exauriente, quer dizer, apenas e tão somente o que consta nessa lista de atribuições pode ser executado pelo órgão estadual. Todo o resto é ilegal. Assim, fazer uso do tempo dos defensores e do dinheiro do contribuinte para bancar essas atividades de defesa dos acusados de terrorismo configura crime de responsabilidade. Veja, abaixo, a listagem legal:
Art. 21. À SAN compete:
I – promover o relacionamento da Administração Pública Estadual com as autoridades superiores da União, do Distrito Federal, de outros Estados e dos Municípios, em articulação com a CC;
II – realizar o levantamento de informações em sua área de competência, inclusive sobre a aplicação do orçamento federal no Estado e em seus Municípios, para permanente avaliação do Governador do Estado e orientação das Secretarias de Estado;
III – orientar e coordenar na Capital Federal as atividades de interesse da Administração Pública Estadual;
IV – auxiliar os Municípios e a sociedade do Estado nas atividades que lhes são de interesse na Capital Federal; e
V – desenvolver atividades de integração política e administrativa.
Mas nada que esteja ruim não pode piorar. Quando se desce aos documentos que deram origem ao envio dos defensores, se nota que a SAN – ao contrário do que foi anunciado à imprensa pelo governador – nada tem a ver com a força-tarefa criada para defender os bolsonaristas, como se mostrará mais abaixo.
2 – A improbidade administrativa e desperdício de recursos públicos
A atitude do governador é absolutamente sem precedentes no país. Via de regra, as defensorias só têm atribuição para atuar no próprio estado. Todavia, é relativamente comum a criação de mutirões onde defensores de outros estados ajudam a desafogar situações em estados com dificuldades, como por exemplo, um mutirão pra reduzir processos em determinadas localidades com problemas em execução penal.
Abolutamente não é o caso do uso dos defensores em favor de acusados de terrorismo. Na realidade, relatório do Ministério Público Federal publicado no último dia 10 de janeiro já constatou, de forma cabal e dentro de suas atribuições legais, que não há necessidade do envio de qualquer profissional de outro estado para a realização de mutirões ou coisa que o valha a fim de garantir os direitos constitucionais e o atendimento jurídico devido aos presos de Brasília.
No referido relatório, se lê (os destaques foram incluídos pela reportagem do DCM):
As pessoas estavam espalhadas pelo ginásio, na área ao ar livre e nos corredores do prédio onde estavam sendo realizados os atendimentos para lavratura do termo de flagrante.
Não identificamos no local crianças e nos foi esclarecido que algumas pessoas, após a devida identificação e triagem a partir de
condições pessoais informadas nas oitivas, foram liberadas. Nos foi relatado ainda que algumas destas pessoas insistiram em
permanecer nas instalações da por estarem acompanhadas de outras pessoas que não tinham sido liberadas.
O número de pessoas custodiadas era grande, possivelmente em torno de mil, mas a logística da Polícia Federal para o correto atendimento fluía com agilidade e organização. Os advogados tinham amplo acesso ao local. Havia várias equipes para atendimento médico de prontidão.
(…)
Verificamos que havia banheiros limpos e arejados, femininos e masculinos, inclusive com chuveiro, no prédio onde estava sendo feito o atendimento às pessoas. Também havia bebedouros e cadeiras disponíveis aos que aguardavam. As salas destinadas ao atendimento eram amplas.
(..)
A sala destinada às vistorias dos homens era separada daquela que prestava atendimento às mulheres. Muitas pessoas estavam em barracas montadas na área externa do ginásio, outras debaixo de árvores. No local havia uma grande tenda de atendimento médico além de várias ambulâncias, que na ocasião estavam bem tranquilos.
Conversamos com os responsáveis pelos atendimentos que nos esclareceram que não houve qualquer óbito no local e as poucas pessoas que necessitaram de atendimento médico estavam em situação de pouca gravidade.
Havia uma sala específica para os advogados que tinham amplo acesso a toda área onde seus clientes estavam. Nela fomos abordados por advogada que disse terem acontecidos óbitos no local mas quando solicitamos dados específicos ela não soube informar e este dado não condiz com aqueles prestados pelos servidores que prestavam serviço médico.
(…)
Entramos em todas as salas de atendimento e verificamos o tratamento cordato dispensado pelos policiais tanto às pessoas custodiadas quanto aos advogados presentes no local.
Como se nota, nada existe de irregular no local, tudo o que o governador Jorginho diz que os defensores pagos pelo contribuinte catarinense foram verificar no local já havia sido previamente verificado pelo ente estatal responsável por esta tarefa: a Procuradoria da República no Distrito Federal.
3 – A intervenção inconstitucional do governador no trabalho da Defensoria Pública
O governador de Santa Catarina, no dia 10 deste mês, precisamente às 18h18, protocolou – por meio da Procuradoria-Geral do Estado – o Ofício nº 09/2023. Veja abaixo.
Ocorre que tal solitação do governador é inconstitucional. Isso porque é vedado ao chefe do poder Executivo realizar qualquer tipo de demanda à Defensoria Pública. Trata-se de separação e independência dos poderes e entes do Estado.
A Constituição Federal é taxativa quanto ao tema, asseverando, em seu Artigo 134, parágrafo segundo, que “às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa“. Quer dizer: não pode e não deve receber qualquer tipo de ordem do governador de estado. Assim, a medida de Jorginho, ao contrariar a norma constitucional, configura, também por isso, crime de responsabilidade, púnivel com o impeachment.
De fato, em que pese tenha recebido uma ordem flagramente ilegal, a defensora-geral de Santa Catarina, Dayana Luz, acatou prontamente o mando governamental, dando continuidade à cadeia de atos inconstitucionais e lesando os cofres catarinenses, como se pode ver abaixo.
Como se nota, em que pese o governado Jorginho tenha desinformado à imprensa que os atos que determinou se deram por meio da Secretaria de Articulação Nacional do Estado – o que revestiria de aparente legalidade a sua intervenção no trabalho da Defensoria, posto se tratar de um órgão sob sua coordenação -, isso não ocorreu.
4 – O uso ilegal da Defensoria Pública para o atendimento de não necessitados
A Defensoria Pública é um órgão criado para atender exclusivamente a pessoas desprovidas de condição econômica para se defender juridicamente. Assim está escrito na Lei Complementar Estadual nº 575/2012, que também reforça a independência do órgão, de resto já garantida na Constituição (os destaques foram inseridos pela reportagem do DCM):
Art. 1º A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, à qual incumbe a orientação jurídica e a defesa gratuitas, em todos os graus, dos necessitados, assim considerados os que comprovarem insuficiência de recursos, nos termos desta Lei Complementar.
Art. 2º Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, de acordo com os critérios a serem fixados pelo Conselho Superior da Defensoria Pública.
Art. 3º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Os acusados de terrorismo presos em Brasília não realizaram quaisquer dos procedimentos previstos em lei para fazerem jus ao atendimento gratuito. Assim, vale dizer: o governador do Estado de Santa Catarina está desviando recursos (humanos e financeiros) de uma entidade que deveria exclusivamente atender pessoas necessitadas para o servir aos apoiadores de seu aliado político, Jair Bolsonaro.
Soma-se a isso o fato de que a Defensoria Pública de Santa Catarina atravessa hoje um estado de absoluta penúria profissional, que a impede de cumprir seus deveres legais.
De acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina, o déficit da Defensoria desde que foi criada, em 2012, é de nada menos do que 180 mil atendimentos legais, que tiveram que ser feitos pelos chamados defensores dativos, que são contratados e pagos pelo estado para realizar o trabalho de que a Defensoria não dá conta.
O advogado catarinense Marcelo Saccardo Branco, ex-presidente da Comissão de Assuntos Especiais da OAB-SC (responsável por temas relacionados à defensoria dativa) resume a situação: “a Defensoria de Santa Catarina é extremamente deficitária, deveria ter mais profissionais, o que faz com que o governo gaste dinheiro para complementar o trabalho obrigatório que a Defensoria não consegue realizar”. Por cima disso tudo, o governador Jorginho Mello ainda adiciona tarefas inconstitucionais às suas atribuições.
Além da reação do PSOL à insólita medida do governador catarinense, o Partido dos Trabalhadores no estado também já efetuou uma resposta legal aos atos inconstitucionais do mandatário.
Décio Lima, presidente estadual do partido em Santa Catarina, conversou com o DCM nesta quarta (11), e disse:
A ação do governador é totalmente ilegal. Não há qualquer possibilidade do estado que ele representa atender neste momento uma advocacia injustificável. Principalmente porque os crimes ali cometidos são contra o estado de Direito, contra a democracia e as intituições republicanas. São atos terroristas, e o terrorismo é um crime hediondo, contra a própria ordem legal que ele, governador, deveria defender.
Não se tem conhecimento na história da República de um governador, por um ato discricionário, a defesa de criminosos que são pertencentes à sua unidade da federação.
Quando um governador comete um ato dessa natureza, desvia sua função, abusa de suas prerrogativas e se revela cúmplice dos atos ilegais ali cometidos. Vejo desvio de função, atos de improbidade e desvio de recursos. O PT já denunciou o fato como grave e agora espera as medidas devidas do Ministério Público e da Assembleia Legislativa, com as punições previstas em lei, em todo seu rigor.
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