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A diplomacia do Brasil, sob a condução de Lula, é ponderada, racional, pragmática e se guia pela promoção dos interesses brasileiros

“A esquerda é liberdade, igualdade, fraternidade. Democracia verdadeira” –Hugo Chávez

A quantidade de bobagens que se escreve hoje sobre a política externa brasileira é colossal. Quantidade colossal com qualidade abissal. 

“Especialistas em geopolítica” se multiplicam como fungos, após um dilúvio de águas turvas.

Todos, é claro, têm, além de traseiros, opiniões peremptórias sobre a nossa política externa, muitas vezes assentadas em achismos desinformados. 

Em um primeiro momento, essas volumosas sandices se concentravam à direita do espectro ideológico. 

É compreensível. A diplomacia do terceiro governo Lula nasceu com a missão central de reparar os imensos estragos causados ao nosso protagonismo regional e internacional pela política externa desastrosa do governo Bolsonaro.

Tivemos de nos desvencilhar de um alinhamento automático ao trumpismo, que nos tornou párias internacionais e nos alienou da defesa e representação dos interesses nacionais.

Passamos, com Lula, a praticar uma política externa universalista e não-alinhada, que rechaça os ditames da nova Guerra-Fria e intenta, de forma pragmática, ter relações cooperativas com todos os países do mundo, com base no princípio da reciprocidade. 

O Brasil procura também investir na integração regional soberana e manter nosso subcontinente como uma zona de paz, livre de conflitos internos e, sobretudo, de contenciosos de natureza extrarregional.

Rejeitamos sanções políticas e econômicas, pois são armas de destruição de massa, que afetam intensamente a população mais pobre dos países afetados. Da mesma forma, rejeitamos quaisquer outras intervenções, a não ser aquelas devidamente aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

Propugnamos pela democracia e pelos direitos humanos, mas condenamos a utilização hipócrita desses temas para impor hegemonia geopolítica e forçar mudanças de regimes. Modelos políticos não podem ser impostos, e cada país, com base nas suas forças políticas internas, tem de encontrar seu próprio caminho para a ampliação de direitos e a plenitude democrática, a qual pode assumir formas diferentes. Podemos dar exemplos, inspirar, dialogar e cooperar. Jamais impor.

Pois bem, essa política externa provocou, desde o início, a crítica daqueles que defendem o alinhamento do Brasil ao chamado Ocidente e exigem que nosso país condene países e regimes que não são do agrado desse bloco geopolítico. Isso se viu claramente nos posicionamentos do Brasil quanto ao conflito na Ucrânia e ao morticínio em Gaza. 

Agora, contudo, surgem críticas à diplomacia brasileira por parte de alguns setores da esquerda, em razão, essencialmente, do conflito na Venezuela.

Alguns acusam o Brasil de não reconhecer, de imediato, os resultados das eleições venezuelanas e de apoiar a “intervenção imperialista” naquele país. Outros acusam o Brasil de não respeitar a soberania daquele vizinho, ao fazer algumas críticas à condução do processo eleitoral da Venezuela.

Ora, tais acusações não têm o menor fundamento nos fatos.

Desde o início do terceiro governo Lula, que todo o esforço do Brasil se centra justamente no combate negociado e paciente contra o isolamento da Venezuela e as sanções draconianas impostas pelos EUA e a Europa ao povo venezuelano. 

É preciso lembrar que o governo Bolsonaro, por alinhamento automático aos EUA e aliados, rompeu relações com esse nosso vizinho e reconheceu o governo fictício e francamente ridículo de Juan Guaidó, aquele que foi sem jamais ter sido. 

Ao apostar no isolamento da Venezuela, o governo Bolsonaro cometeu o grosseiro erro estratégico de transformar a América do Sul em palco da disputa geopolítica entre EUA, Rússia e China. 

Ademais, no governo Bolsonaro, o Brasil “desinvestiu” na integração regional soberana, o que redundou no desmonte da Unasul, na saída da Celac e no crescimento de forças favoráveis ao desmantelamento do Mercosul enquanto união aduaneira.

Nesse quadro, o Brasil perdeu muito protagonismo na Venezuela, na América Latina e no mundo.

O Brasil de Lula está revertendo esse quadro desastroso. 

No que tange especificamente à Venezuela, o apoio do Brasil ao Acordo de Barbados, firmado entre o governo e as oposições da Venezuela, obedeceu à estratégia de pacificar o conflito interno daquele país, levantar as violentas sanções e reintroduzir a Venezuela como membro pleno do Mercosul, bloco estratégico para o País.

Tal apoio impõe algumas obrigações ao Brasil. Uma delas é a de solicitar transparência e lisura no pleito democrático. A outra é a de continuar a investir em diálogo e negociações.

Infelizmente, o compromisso de plena transparência nas últimas eleições não parece, até agora, ter sido satisfeita, o que impede o Brasil de reconhecer os resultados. 

Saliente-se que todas as outras eleições venezuelanas realizadas durante o período chavista primaram pela transparência e pela lisura, pois a Venezuela dispõe de um sistema eleitoral moderno e eficiente, perfeitamente capaz de dar respostas rápidas e auditáveis. A publicação dos boletins das urnas sempre foi realizada de forma expedita, em obediência ao artigo 116 da Lei Orgânica sobre Processos Eleitorais, o qual determina o prazo máximo de 48 horas para a totalização desagregada dos resultados. Dessa vez, porém, tal publicação tornou-se tão morosa quanto cágados analógicos acometidos pela Doença de Parkinson. Algo muito estranho.

Invocar os defeitos e as limitações de outros sistemas, como o dos EUA, confuso e obsoleto, não parece uma escusa razoável para o que acontece na Venezuela. Invocar a hipocrisia e a má-fé dos que exigem democracia na Venezuela não é, da mesma forma, justificação racional.

Também não parece razoável justificar a ausência de transparência na apuração dos resultados eleitorais, com base na “luta contra o imperialismo” e na falta de compromisso democrático dos setores mais radicalizados e hegemônicos da oposição venezuelana.

Sabemos perfeitamente do histórico fascistóide e violento de boa parte da oposição venezuelana. Mas dos chavistas não se espera esse comportamento.

No que se relaciona a esse ponto, é preciso assinalar que a revolução chavista foi, sobretudo, uma revolução democrática, que implodiu os estreitos limites jurídico-políticos do pacto oligárquico de Punto Fijo e ampliou consideravelmente a participação popular nos processos decisórios daquele país.

Ou seja, o povo venezuelano, assim como o povo brasileiro, fez uma opção soberana pela democracia e a instituiu em uma notável Constituição.

Isso impõe algumas indagações. A “luta contra o imperialismo” pode fazer tabula rasa dessa opção histórica? Pode transformar a democracia em uma formalidade insignificante? Não poderia estar o governo Maduro em contradição com alguns valores e princípios da revolução chavista?  

Não poderia estar o governo Maduro em conflito, do mesmo modo, com a integração regional? Afinal, tanto o Mercosul como a Unasul têm cláusulas democráticas. Isso foi decidido de forma soberana pelos países da região. Não foi uma imposição do imperialismo. 

O governo Maduro estaria a fazer uma aposta geopolítica de sustentar-se apenas com o apoio de potências extrarregionais, como Rússia e China, e prescindir da aliança com países amigos da região, como Brasil, Colômbia e México? Isso não teria um efeito disruptivo na região?

Como se vê, a questão da Venezuela é muito complexa e não admite análises binárias e simplistas. 

A cautela do governo Lula e da diplomacia brasileira tem, por conseguinte, fundamento em fatos evidentes e em valores e compromissos básicos. Tal cautela é vital para que a situação interna Venezuela não se deteriore ainda mais. E para que aquele país não entre em uma espiral de violência sem controle.

A diplomacia do Brasil, sob a condução de Lula, é ponderada, racional, pragmática e se guia pela promoção dos interesses brasileiros, pelo fortalecimento da integração regional soberana e pela construção de uma ordem mundial simétrica, justa, pacífica e não submetida a hegemonismos de quaisquer tipos.

Não temos de escolher entre nenhum dos lados da nova Guerra Fria. Entre um e outro, o Brasil escolhe o lado do Brasil.

Também não temos de escolher entre “lutar contra o imperialismo”, sanções e intervenções e defender opções soberanas e autônomas pela democracia. Podemos e devemos fazer ambas as coisas. Da mesma maneira, não há dilema algum entre promover a ascensão socioeconômica da população e promover a emancipação política do povo. Ambos os processos se retroalimentam.

Democracia não é estorvo para a libertação dos países e dos povos. A esquerda é democracia verdadeira.

Chávez estava correto.

A diplomacia do Brasil está correta.

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