O texto abaixo, publicado originalmente no site do ICTQ, traz mais informações sobre o assunto. Leia:
Os próprios fabricantes não recomendam o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19, revelaram a ONG Repórter Brasil e a Folha. Das seis farmacêuticas que fabricam esses medicamentos no Brasil, quatro vetam seu uso para tratar a doença.
De acordo com a ONG, essa maioria foi formada após a Apsen, principal fabricante de hidroxicloroquina do País, se posicionar de forma contrária pela primeira vez desde abril, quando a empresa divulgou estudos que supostamente indicavam a melhora de pacientes com Covid-19 após o uso da cloroquina.
A empresa voltou a se posicionar oficialmente sobre o tema na última quarta-feira (3/3), quando divulgou em seu site que, “com base nas evidências científicas atuais, a Apsen recomenda a utilização da hidroxicloroquina apenas nas indicações previstas em bula (malária e doenças reumáticas)”.
Essa mudança de posicionamento da Apsen aconteceu mais de quatro meses depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) rejeitar de forma conclusiva o medicamento para este fim e após a Repórter Brasil entrar em contato com a empresa para questionar sobre dois contratos de empréstimo assinados com o BNDES em 2020, que somam R$ 136 milhões.
Desse total, segundo a ONG, R$ 20 milhões já foram desembolsados pelo banco, mas para investimento em inovação – o contrato não permite investir em medicamentos antigos, como a cloroquina, que a Apsen produz há 18 anos.
Segundo o levantamento da Repórter Brasil, a Apsen é a maior beneficiada pela comercialização recorde da cloroquina em 2020. As vendas do medicamento ajudaram a empresa a alcançar faturamento recorde de R$ 1 bilhão.
De acordo com o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), o faturamento das empresas com o medicamento no ano passado foi de R$ 91,6 milhões, ante R$ 55 milhões em 2019 – alta de 66%.
As vendas de hidroxicloroquina bateram recorde em 2020 após se tornar o carro-chefe do governo brasileiro para enfrentar a Covid-19. Só em farmácias foram comercializadas 2 milhões de unidades, com pico de vendas em dezembro – alta de 113% no ano em comparação a 2019, segundo o Conselho Federal de Farmácia.
Outros três laboratórios – Farmanguinhos/Fiocruz, EMS e Sanofi-Medley – já haviam divulgado comunicados que recomendavam o fármaco apenas para doenças previstas em bula, ou seja, malária, lúpus e doenças reumáticas.
Fiocruz, que comanda o laboratório Farmanguinhos, emitiu os primeiros alertas contra o uso da medicação na pandemia em abril do ano passado, após um estudo do qual participava ser interrompido precocemente, depois de pacientes apresentarem maior risco de complicações cardíacas. A instituição fabrica cloroquina para o programa nacional de combate à malária, mas o Ministério da Saúde usou os estoques da Fiocruz para distribuir o medicamento no SUS para o suposto tratamento precoce da Covid-19.
A EMS revelou à Repórter Brasil que não recomenda cloroquina para o tratamento da Covid-19. A empresa recebeu empréstimos do BNDES em 2020, no total de R$ 23 milhões. Questionada se usou financiamento público para ampliar a produção do medicamento, a empresa informou que “nenhum pedido (de empréstimo) teve relação com a produção de sulfato de hidroxicloroquina”.
Já a Sanofi-Medley afirmou à Repórter Brasil que não há uso aprovado de seu produto para tratamento da Covid-19 em nenhum lugar do mundo, recomendando o medicamento somente para a indicação em bula.
Dois laboratórios restantes na lista dos fabricantes de cloroquina, Cristália e Laboratório do Exército, por sua vez, não se posicionam de forma clara contra o uso do medicamento para a Covid-19, mantendo aberta a possibilidade de que a cloroquina ou a hidroxicloroquina sejam usadas no tratamento dos infectados pelo novo coronavírus.
Segundo a ONG, o Laboratório do Exército alegou que, por ser apenas um “órgão executor”, não tem competência para opinar sobre a eficácia do medicamento que produz. Já o Cristália afirmou que a cloroquina é recomendada para malária e outras doenças, mas não descartou o uso para Covid-19, dizendo que “qualquer recomendação fora das especificadas na bula deve ser feita sob responsabilidade do médico, como ocorre com qualquer medicamento”.
Além dessas farmacêuticas, há a Eurofarma, que conseguiu o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto de 2020 para fabricar cloroquina, mas desde então não produziu nem comercializou o medicamento.
Hidroxicloroquina não funciona
Na semana passada, a OMS foi definitiva contra o uso da substância no tratamento da Covid-19. Após revisar seis ensaios clínicos com 6.000 pessoas, os especialistas da entidade concluíram que a hidroxicloroquina não influencia as taxas de infecção e, provavelmente, aumenta o risco de efeitos adversos, como problemas cardíacos. “A hidroxicloroquina não é mais uma prioridade de pesquisa”, afirmaram os especialistas.
PhD em Farmacologia, Thiago de Melo Costa Pereira, professor de Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica, do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, aponta os riscos da utilização da hidroxicloroquina na terapia dos pacientes infectados pelo novo coronavírus.
“Recentemente, a literatura tem apresentado os problemas de arritmia cardíaca pela associação (de medicamentos). Então, quando se fala em hidroxicloroquina é importante lembrar que esses indivíduos não estão somente tomando essa substância. Esse que é o verdadeiro problema que, inclusive, tem sido pouco comentado na mídia. A hidroxicloroquina é um medicamento arritmogênico, mas o problema principal é a sua associação com a azitromicina que também é”, explica Melo.
“Essas duas drogas juntas representam uma outra conversa. Nesse caso, estamos diante de uma interação medicamentosa. E detalhe, há pouca discussão sobre isso, como não é uma associação comum, ao longo da história, muitas pessoas que apresentam quadro de parada cardíaca devido a essa associação podem cair na conta das mortes por Covid-19”, salienta o professor.
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