Lúcia Maria de Souza, Elmo Corrêa e Luiz Renê Silveira e Silva foram assassinados pela ditadura. Até hoje, os militares não entregaram os corpos deles às respectivas famílias. Fotos: Memorial da Resistência e Wikipedia
Unirio vai diplomar estudantes assassinados pela ditadura militar que não puderam concluir seus cursos
A Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) vai diplomar três estudantes da instituição que foram mortos pela ditadura militar durante os Anos de Chumbo.
A homenagem póstuma a Elmo Corrêa, Lúcia Maria de Souza e Luiz Renê Silveira e Silva será entregue aos familiares das vítimas.
A cerimônia está agendada para a próxima sexta-feira, 12, às 14h, no auditório Vera Janacopulos, na avenida Pasteur, 296, em Botafogo, zona sul do Rio.
Os três cursavam Medicina na Escola de Medicina e Cirurgia, que pertence a Unirio, e eram militantes do PCdoB, o Partido Comunista do Brasil.
Lúcia Maria de Souza, que dá nome ao DCE, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade, estava no quarto ano da faculdade e já estagiava no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, zona norte do Rio.
Elmo Corrêa cursava o terceiro ano e Luiz Renê Silveira e Silva, o segundo.
Foram executados pelas forças da repressão quando combatiam a ditadura militar na Guerrilha do Araguaia, no sul do Pará. Até hoje, os militares não entregaram seus corpos às respectivas famílias.
A professora aposentada Elizabeth Silveira e Silva é a irmã mais velha de Luiz Renê e vai receber da Universidade o diploma que a ditadura militar o impediu de conquistar há quase 50 anos.
Ela conta que até hoje dói, o fato de não ter nenhuma informação sobre onde está o corpo do irmão. “Minha mãe morreu sem saber. Sofreu muito.”
“Conseguimos um atestado de óbito (muitos anos depois), mas que não traz nenhuma informação sobre a morte. Na verdade, é um atestado de ausência.”
Elizabeth também era filiada ao PCdoB à época, hoje integra o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, entidade que luta na defesa dos direitos humanos.
GRAVE DENÚNCIA
No período da redemocratização, ela e a mãe passaram a procurar fotos de Luiz Renê em órgãos públicos. Ele havia rasgado as fotografias em que aparecia, para evitar que caíssem nas mãos da repressão e colocassem a família também em perigo.
“A minha mãe queria uma foto dele. Fomos ao Instituto Félix Pacheco (onde ele havia tirado o documento de identidade), e não tinha o registro dele lá. Fomos à Unirio e também não tinha nenhum dado sobre ele lá. A ditadura não desapareceu só com o corpo do meu irmão. Promoveu o apagamento de sua história. Isso é muito grave! É um absurdo!”, afirma indignada.
Elizabeth acredita que os outros dois colegas do irmão também tiveram o apagamento de suas histórias.
“Quando fomos à Unirio, o funcionário que nos atendeu, disse que não havia nenhum documento dele nem de outros, porque a polícia tinha levado. A gente sabia que devia estar se referindo ao Elmo e a Lúcia.”
A maior parte das informações que foram obtidas sobre os guerrilheiros do Araguaia são fruto da luta dos familiares que estiveram várias vezes na região, conversando com camponeses que viviam no local quando os parentes se instalaram na área.
Foi por meio desses relatos e do de alguns sobreviventes, que conseguiram construir esse período temporal da vida dos familiares. De documentos do irmão, Elizabeth só tem a certidão de nascimento.
“A diplomação é uma reparação. Comprova que ele existiu, frequentou o curso de Medicina e desapareceu sendo aluno da UnIversidade.”
“Eu tenho dois netos. E não vou deixar que esses crápulas (militares) façam tudo outra vez. Quero saber os nomes e denunciá-los, para a família e os vizinhos saberem que eram torturadores e assassinos. Quero mostrar que são criminosos”, frisa.
Segundo ela, Luiz Renê já ia para plantões no hospital em Marechal Hermes, no subúrbio do Rio. “Ele fez um curso de especialização em Obstetrícia na Santa Casa, e acho que o Elmo o levava junto para acompanhar o plantão em Marechal Hermes.”
RESISTÊNCIA
Victória Grabois, que perdeu o pai, o irmão e o companheiro executados pela repressão militar na Guerrilha do Araguaia, também elogia a homenagem da Unirio aos guerrilheiros que combateram ao lado de seus familiares.
“É muito importante, ainda mais neste momento tão difícil do Brasil . É o resgate da memória”, destaca.
Ela também fui punida pela ditadura, que a expulsou do curso de Ciências Sociais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em 1964, por meio do AI-2, o Ato Institucional número 2.
Em 1999, a Universidade a reintegrou, assim como a outros estudantes que haviam sido expulsos pela ditadura militar, mas ela optou por não retornar ao curso.
Assim como Elizabeth, Victória é dirigente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio e dedica sua vida em defesa da memória, verdade e justiça.
USP
Para o ex-presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Adriano Diogo, a homenagem da Unirio é importante por resgatar a história dos que combateram a ditadura militar. “Iniciativa importantíssima.”
Recentemente, ele compareceu a uma cerimônia na USP, a Universidade de São Paulo, que também entregou os diplomas post mortem dos amigos e colegas de classe no curso de Geologia, Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz.
Adriano critica, no entanto, a lentidão da USP para homenagear os demais alunos que também foram vítimas das forças de repressão do regime.
Pelos dados da Comissão da Verdade da Universidade, 47 estudantes e professores foram mortos pela ditadura militar durante os Anos de Chumbo.
Com informações do VioMundo
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