O celular de Ricardo vibrou enquanto conversávamos, avisando que uma mensagem de texto havia chegado. Era de um preso da Penitenciária Estadual de Piraquara 1, conhecida como PEP1, na região metropolitana de Curitiba. É o presídio em que ficam confinados os membros do Primeiro Comando da Capital, o PCC, condenados no Paraná.
Os dois se conheceram na própria PEP1, onde Ricardo passou parte dos 18 anos em que ficou preso em regime fechado. “Tá vendo? Todo ladrão tem um [smartphone]”, disse, se referindo ao remetente da mensagem e apontando para seu aparelho celular, que tinha a tela aberta no aplicativo Threema. É o mais usado pelo PCC para troca de mensagens, por não guardar praticamente nenhum dado dos usuários.
Ricardo sabe do que fala: ele mesmo já teve celulares no presídio em seus tempos de detento. Segundo ele, as “compras” dos aparelhos foram todas negociadas diretamente com agentes penitenciários, atualmente rebatizados de policiais penais.Assine nossa newsletterConteúdo exclusivo. Direto na sua caixa de entrada.Eu topo
Entre o fim de outubro e o início de novembro, o Intercept entrevistou, além do ex-detento Ricardo, dois ex-agentes penitenciários que concordaram em falar sob a condição de não ter a identidade revelada. Os três expuseram detalhes do intenso comércio ilegal – de celulares, principalmente – nos corredores do complexo penitenciário de Piraquara.
Além da PEP1, ele tem outras cinco unidades e ao todo abriga 7 mil presos. Um alto funcionário do Departamento Penitenciário do Paraná, o Depen-PR, que falou comigo sob a condição de sigilo por temer retaliações, confirmou que o esquema de fato existe e é corriqueiro nas prisões.
No primeiro semestre, o portal G1 publicou um balanço do Depen-PR que mostra um avanço bastante expressivo das apreensões no sistema penitenciário paranaense. No primeiro quadrimestre de 2020, o número de celulares apreendidos chegou a 1.501, um aumento de 126% em relação ao mesmo período de 2019.
Outro levantamento do Depen-PR apontou que só no complexo penitenciário de Maringá, a 425 quilômetros de Curitiba, foram apreendidos 524 celulares, 67 carregadores e 118 chips entre janeiro e agosto de 2020.
“Eu te garanto que só em Piraquara eu comprei pelo menos 15 [celulares]. O primeiro foi em 2012. Era fácil, todo mundo sabia como funcionava o esquema”, me disse Ricardo, que progrediu ao regime aberto em novembro de 2018. Quando esteve preso, a entrega de cada aparelho custava entre R$ 5 mil e R$ 10 mil.
A julgar pela mensagem que Ricardo recebeu de um detento durante nossa conversa, de lá para cá o custo subiu ao menos uns 30%: agora, está entre R$ 8 mil e R$ 15 mil. “Ninguém vive sem celular lá dentro. O Comando [o PCC] precisa continuar a fazer o crime girar aqui fora. Como faz isso sem celular? Não tem jeito”, explicou.
Além de celulares, os presos conseguem comprar dos agentes uma série de objetos proibidos, de drogas ao cimento usado para esconder celulares nas paredes da cela. Segundo o G1, nos quatro primeiros meses de 2020 as apreensões de maconha cresceram 342% ante o mesmo período de 2019. As buscas retiraram 53 quilos da droga de presídios e cadeias do Paraná.
“A única coisa que tive ciência de que não se negocia no presídio é arma de fogo. De resto, tem de tudo”, me disse Ricardo. Quando questionei Ramon, um dos ex-agentes entrevistados, sobre por que admitia vender de tudo, menos revólveres ou pistolas, a resposta veio em tom de ironia: “Aí também, não. É uma questão de ética profissional”, gargalhou.
Ilustração: Rayssa da Penha para o Intercept Brasil
‘Tem até concorrência’
Ramon foi contratado para prestar serviço temporário como agente penitenciário em 2012. Inicialmente, foi escalado para trabalhar na Penitenciária Central do Estado, a PCE, outra das unidades do complexo de Piraquara. Ali, começou a ser assediado pelos presos já na primeira semana de serviço. As propostas chegavam nas “pipas”, pequenos bilhetes manuscritos em tiras finas de papel e entregues aos agentes pelos presos.
A partir daí, o novato passou a prestar atenção em detalhes da rotina do presídio e acabou cedendo à tentação. Com a venda de um único celular, chegava a ganhar o dobro dos R$ 2,7 mil que recebia, como agente temporário, para trabalhar em escalas de 12 por 36 horas.
“O agente não se aguenta de tanta proposta que recebe. Nas duas primeiras semanas, eu fiquei só sacando como a coisa funcionava. Quando eu vi que já tinha um esquema [montado], entrei nessa. Em um ano, eu passei pelo menos 50 [celulares]. Teve vez de eu passar nove num dia”, contabilizou Ramon. “Tem até uma concorrência oculta. Você sabe que tal área é de tal agente. Se atravessar, dá treta. Eu nunca atravessei”, afirmou.‘Em um ano, eu passei pelo menos 50 celulares. Teve vez de eu passar nove num dia’.
Os “corres”, como Ramon se refere à entrega de celulares aos presos, começaram efetivamente quando ele se deu conta de uma falha na segurança da PCE. O turno dos agentes da manhã começava às 7h, quando a equipe batia o ponto e ia para uma sala onde a escala do dia era explicada. Naquele momento, os detectores de metal ainda estavam desligados. Ele aproveitava para entrar com até três celulares e os respectivos carregadores escondidos sob o colete de identificação sem correr riscos.
Se estivesse no turno da tarde, a estratégia era outra: Ramon deixava sua carteira e suas chaves sobre um balcão antes de passar pelo detector de metais. “Ia um celular dentro da carteira e um debaixo. Debaixo do meu celular, ainda ia outro [aparelho]. Eu passava pelo detector e pegava tudo. Desse jeito, eu colocava três [celulares] para dentro de uma vez”, disse.
Se a jornada fosse na Penitenciária Estadual do Piraquara 2, a PEP2, no mesmo complexo penal, Ramon recorria a outro subterfúgio: fazia-se de amigo do agente que ficava no controle do detector de metais. “Eu chegava e falava [para o agente]: ‘Ô, mano! Vai lá fumar que eu cuido aqui’. Aí, contornava o detector. Quando ele voltava, eu já tava dentro com os celulares. Já era”, afirmou. Ramon disse nunca ter sido revistado por colegas. Atribuiu isso ao que chamou de “faro”: julgava saber esperar a hora certa para agir sem despertar suspeitas.
Mas confessou que sempre sentiu medo.“Claro que eu tinha. Cagaço, mesmo. Tinha dia que eu entrava [com os celulares], mas não encontrava o preso. Aí tinha que dar um jeito de sair fora [com os aparelhos] de novo”, contou. “Quando tava tudo muito quieto, eu ficava noiado. Achava que era sujeira, que a casa ia cair. Aí, eu dava um tempo [com a distribuição] e esperava a poeira baixar”, recordou.
Vendas em lotes
Se no varejo dava certo, por que não tentar no atacado? Foi com isso em mente que detentos e os agentes penitenciários que participavam do esquema pensaram numa estratégia para a entrada em massa de aparelhos nas cadeias – 20, às vezes até 50 deles – de uma vez só, segundo os ex-agentes e o ex-detento com quem conversei. O negócio ficou conhecido como “malote” no jargão de presos e agentes penitenciários.
São lotes adquiridos exclusivamente por facções criminosas, que distribuem os aparelhos entre seus membros ou os usam para aliciar outros detentos. Na dinâmica do presídio, os smartphones são uma ferramenta que o PCC usa para seduzir novos integrantes.
“O cara é de Foz do Iguaçu, tá fodido ali, sozinho, longe da família. O Comando dá proteção, empresta celular. Mas não é de graça. Esse cara vende a alma para o Comando”, explicou Ricardo.
Também ex-agente temporário, Silva descreveu como entregou dois malotes no complexo de Piraquara no segundo semestre de 2019. Em uma das ocasiões, colocou os aparelhos em um saco de lixo, que ficou escondido em um veículo do Depen-PR, estacionado em frente à PEP2. Esperou a hora exata em que o preso encarregado pela limpeza passaria por ali. Naquele momento, Silva saiu do carro e colocou o saco em um latão de lixo.
O detento, é claro, já sabia do que se tratava. “O [preso da] faxina é que era o contato. Ele que distribuiu para os outros. Quando o ‘ladrão’ pega [o malote], aí, é com ele”, disse. “Dessa vez, foram 35 [celulares]”, Silva relatou.
A operação de entrega do outro malote envolveu um detento que trabalhava no almoxarifado do complexo de Piraquara. Nas duas ocasiões, Silva negociou com o mesmo preso, que falava em nome do PCC. “Eu nunca fiz varejo, porque sempre achei sujeira se arriscar por pouco. Eu só ia no atacado e no bote certo”, disse Silva, antes de explicar sua motivação: “Dinheiro. Com um malote eu ganhava mais do que em um ano de trabalho”, acrescentou.
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