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No nosso país agora pode tudo, a depender do juiz e do réu.

Já tinha publicado minha coluna dominical e me preparava para sair às pressas para um compromisso importante no almoço de domingo.

Quando estava saindo, tocou o celular. Era um amigo dando a notícia:

“A Justiça mandou soltar o Lula, você sabia?”

A princípio, pensei que era brincadeira, um trote ou dessas fake news de que tanto falam.

Voltei correndo ao computador e era verdade: estava nas manchetes de todos os portais, anunciando que Lula seria solto ainda no domingo.

Não costumo fazer isso, dou sempre um tempo para me informar melhor antes de escrever, mas acabei me empolgando, e escrevi um texto a toque de caisa, feliz com a iminente libertação do meu velho amigo de 40 anos, preso há mais de três meses numa solitária da PF em Curitiba.

Repórteres não devem mostrar emoção no que escrevem, recomendam velhos manuais.

Mas nesse caso não tinha jeito, e acabei sendo criticado, com razão, por alguns comentaristas do Balaio, que cobram isenção dos outros.

Errei feio por acreditar naquela velha máxima de que decisão da Justiça não se discute, cumpre-se.

Antes mesmo de chegar ao restaurante, ouvi no rádio do táxi que o juiz Sergio Moro, o isento mor, o imparcial, o justo, deu ordem para a Polícia Federal não cumprir a ordem de soltura imediata de Lula, expedida por um desembargador que estava de plantão no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre.

Achei que não tinha entendido direto: como pode um juiz de primeira instância desobedecer a um juiz do tribunal de segunda instância por considerá-lo incompetente?

No nosso país agora pode tudo, a depender do juiz e do réu.

Mesmo com Moro estando de férias em Portugal (como viaja esse rapaz…), ele se achou no direito de simplesmente proibir a libertação de Lula. Afinal, o preso é dele ou da Justiça?

Na minha matéria, nem tinha entrado no mérito da decisão do desembargador Rogério Favreto.

Não sou advogado e nem dava tempo, não queria me atrasar.

Estava começando ali, enquanto eu almoçava, a anarquia jurídica que tomou conta do país no domingo, com decisões conflitantes se sucedendo nas diferentes instâncias.

Pensando bem, seria mesmo impossível que aquela ordem do desembargador pudesse ser cumprida, qualquer que fosse o mérito ou a justificativa.

Como é que a Justiça brasileira, de uma hora para outra, iria soltar o ex-presidente investigado, denunciado, condenado e preso num processo tocado a Lava Jato, a menos de três meses das eleições?

Não tinham feito tudo exatamente para que ele não pudesse se candidatar e muito menos ser eleito presidente pela terceira vez?

Bem que o Lula muitas vezes me criticou no trabalho de assessor de imprensa por ser muito ingênuo, confiar em qualquer pessoa.

Ele mesmo, segundo o noticiário desta segunda-feira, não acreditou que seria solto quando os deputados do PT lhe deram a notícia.

Quando cheguei de volta em casa, o noticiário já tinha mudado o enfoque: agora se falava mais das ligações antigas do desembargador Favreto com o PT, o que serviria para desqualificar a sua decisão durante um plantão judiciário. Onde já se viu? Um juiz petista querer soltar o Lula?

Esqueceram-se que os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Carlos Ayres Brito, o do mensalão, também tinham ligações antigas com o PT, e nunca foram criticados por isso.

Claro, depois de investidos na suprema magistratura votaram sempre contra o PT, assim como a presidente Cármen Lúcia, nomeada por Dilma Rousseff, da mesma forma como Rogério Favreto.

Se o juiz tiver notórias ligações com tucanos, como Sergio Moro, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, aí não tem problema a simpatia partidária?

A frenética movimentação que atravessou o domingo para manter Lula preso serviu, pelo menos, para mais uma vez expor a politização do Judiciário, escancaradamente a favor de um lado e contra outro, a determinar o rumo da campanha eleitoral.

Em resumo: o ex-presidente Lula não pode sair da prisão antes das eleições. E os inconformados que se queixem ao bispo ou ao papa, se for o caso.

Podem entrar os advogados de Lula com mais um milhão de recursos que seu nome não estará na urna eletrônica.

Isto está decidido há muito tempo aqui e lá fora. E ponto final.

Vida que segue.

Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho 

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