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As ameaças giram em redomoinho em torno do presidente: as mortes diárias pelo vírus no Brasil agora são as mais altas do mundo, investidores estão fugindo do país e o mandatário, filhos e aliados estão sob investigação. A chapa que o elegeu pode até mesmo ser cassada.

A crise se tornou tão grave que alguns dos personagens militares mais poderosos do Brasil lançam alertas falando em instabilidade – e causam calafrios com a possibilidade de tomarem o poder e desmantelarem a maior democracia da América Latina.

Mas, longe de atacar a ideia, o círculo íntimo do presidente Jair Bolsonaro parece conclamar os militares a entrarem na briga. Na verdade, um dos filhos do presidente, um deputado que entoou louvores à ditadura militar brasileira, disse que uma ruptura institucional do tipo é inevitável.

“Não é mais questão de se, mas quando vai acontecer”, disse recentemente Eduardo Bolsonaro em entrevista a um conhecido blogueiro brasileiro, referindo-se ao que chamou de iminente “ruptura” do sistema democrático brasileiro.

O Brasil vem de um cenário em que a economia patinava, escândalos de corrupção derrubaram ou envolveram vários líderes e uma batalha em torno de um impeachment tirou do poder um poderoso governo de esquerda.

Bolsonaro, um ex-capitão do Exército, chegou em meio a esse tumulto, celebrando o passado militar do país e prometendo restabelecer a ordem. Mas está recebendo críticas pesadas por ter subestimado o vírus, sabotado medidas de isolamento e exercido a presidência com negligência em meio à maior taxa de mortes do mundo. “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”, afirmou.

O presidente, familiares e apoiadores são ainda investigados por acusações como abuso de poder, corrupção e disseminação ilegal de informação falsa. No entanto, quase metade da equipe do presidente é composta de militares e, no momento, afirmam críticos, Bolsonaro recorre à ameaça de intervenção militar para se esquivar dos riscos que cercam seu mandato.

Provocação

Um general aposentado que integra o gabinete de Bolsonaro, Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, chacoalhou o país em maio ao ameaçar “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” após a Suprema Corte dar andamento a uma investigação que atinge apoiadores de Bolsonaro.

Um outro general, ministro da Defesa, rapidamente endossou a provocação, enquanto Bolsonaro também partiu para o ataque, sugerindo que a polícia ignore “ordens absurdas” da Corte.

“Isso desestabiliza o país, bem no meio de uma pandemia”, disse Sergio Moro, ex-ministro da Justiça que rompeu com Bolsonaro em abril, sobre as ameaças de intervenção militar. “É lamentável. O país não precisa conviver com esse tipo de ameaça”.

Líderes políticos e analistas afirmam que uma intervenção militar por enquanto é improvável. Ainda assim, a possibilidade paira sobre as instituições democráticas do país, que fazem um escrutínio na vida de Bolsonaro e familiares em múltiplas frentes.

Dois filhos do presidente são investigados por campanhas de desinformação e difamação que ajudaram o pai e se eleger em 2018 e, no mês passado, a Polícia Federal cumpriu mandados em diversos locais ligados a aliados influentes de Bolsonaro. O Tribunal Superior Eleitoral tem autoridade para usar provas do inquérito para anular a eleição e tirar o presidente do cargo.

Dois filhos do mandatário também são investigados por corrupção. A Suprema Corte recentemente autorizou um inquérito para averiguar acusações de que Bolsonaro buscou substituir o chefe da Polícia Federal com o objetivo de proteger a família e amigos.

Até as ações do presidente com relação à pandemia enfrentam questionamentos jurídicos: na segunda-feira, um ministro da Suprema Corte determinou que o governo pare de ocultar dados relativos ao crescente número de mortes no Brasil.

As ameaças de intervenção militar provocaram ampla reação, inclusive de altas patentes das Forças Armadas. O general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, acabou dizendo que não apoia um golpe e sua manifestação foi mal interpretada.

No entanto, membros militares e civis do governo Bolsonaro – bem como aliados do presidente no Congresso, grandes igrejas evangélicas e associações de militares – afirmam que a manobra destina-se a impedir qualquer tentativa das instituições legislativas e judiciárias de derrubar o presidente.

Fujimori

Silas Malafaia, televangelista de direita próximo a Bolsonaro, garantiu que o presidente não disse nada sobre qualquer plano de intervenção militar. Ele argumentou, entretanto, que as Forças Armadas teriam o direito de impedir que os tribunais invadissem as funções do presidente ou até mesmo o tirassem do poder. “Isso não é golpe”, disse. “É implementar ordem onde há desordem”.

Os membros do governo pró-Bolsonaro que espalham esse tipo de ameaça, em sua maioria, não se referem à maneira com que os golpes em geral foram levados a cabo na América Latina, com as Forças Armadas substituindo um líder civil por um dos seus.

Em vez disso, parecem defender algo similar ao que aconteceu no Peru em 1992, quando Alberto Fujimori, o mandatário de direita, usou as forças armadas para dissolver o parlamento, reorganizar o judiciário e perseguir oponentes políticos.

Jair Bolsonaro, que ainda tem o apoio de cerca de 30% da população, se coloca como a imagem da cultura militar brasileira e retrata as Forças Armadas como éticas e eficientes. As Forças já exercem influência excepcional em seu governo. Os militares, incluindo generais de quatro estrelas aposentados, lideram 10 de 22 ministérios. O governo nomeou recentemente cerca de 2,9 mil militares da ativa para postos administrativos.

A influência das Forças Armadas brasileiras ficou evidente quando líderes congressistas praticamente os livraram de uma reforma da Previdência em 2019, o que permitiu aos militares evitar cortes mais duros em benefícios que atingiram outros setores da sociedade.

A resposta de Jair Bolsonaro à pandemia revelou o papel ascendente dos militares em seu governo, assim como o risco para os líderes da Forças Armadas quando os brasileiros começarem a atribuir culpas, conforme a situação toma o pior rumo possível.

Apoiando-se na tradição de sucesso do sistema público de saúde brasileiro no enfrentamento a epidemias anteriores, o Ministério da Saúde fez uma abordagem precoce à crise, recorrendo a medidas de distanciamento social para desacelerar a disseminação do vírus.

Incompetência

Mesmo Bolsonaro pareceu concordar com a abordagem, dissuadindo seguidores de comparecerem a manifestações de rua. Em seguida, mudou abruptamente de posição, cumprimentando manifestantes na porta do palácio presidencial. O presidente também transferiu o enfrentamento à pandemia para mais um general, chefe da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto.

Escanteado e recusando-se a ampliar o uso de hidroxicloroquina, droga usada contra a malária promovida por Bolsonaro e cuja eficiência contra o vírus não foi comprovada, o ministro da Saúde foi trocado. O sucessor durou algumas semanas até pedir demissão e foi substituído por um general do Exército, Eduardo Pazuello.

Um ex-funcionário do ministério da Saúde afirmou que as mudanças repentinas criaram a impressão de caos no órgão, resultando em semanas de mau funcionamento e paralisia no momento mais crucial, em que o país devia lutar contra a disseminação descontrolada do vírus.

Ministro da Saúde no início da pandemia, Luiz Henrique Mandetta declarou que Bolsonaro coloca a estabilidade econômica acima de prioridades sanitárias ao preferir uma figura militar à frente do ministério. “Ele precisava de alguém como um general ou coronel, que enxergasse o ministério como um trampolim, um caminho para obter uma promoção por ato de bravura”, disse.

Atualmente, o Brasil tem mais de 700 mil casos de coronavírus confirmados, atrás apenas dos Estados Unidos. Pelo menos 37 mil pessoas morreram vítimas do vírus no Brasil até terça (9), com a contagem das mortes constantemente superando mil por dia.

Carlos Fico, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro que estuda o Exército brasileiro, afirma que o crescente poder das Forças Armadas pode revelar sua incompetência em áreas cruciais.

“Eles acreditam que declarações bombásticas vão resolver as coisas como acontece no mundo militar, em que uma ordem é dada e as patentes menores obedecem”, comentou. Mas com os militares guiando o enfrentamento à pandemia, acrescenta Fico, “correm o risco de ser responsabilizados pela sociedade pelo que vier a acontecer”.

Pressão

Os maiores aliados de Jair Bolsonaro insistem que as Forças Armadas não planejam golpe. “Não há um só general de quatro estrelas a favor de intervenção militar”, disse Sóstenes Cavalcante, um deputado de direita. Mas, em seguida, Cavalcante defendeu que algo tem de ser feito para limitar o poder da Suprema Corte. Segundo o deputado, a declaração do filho de Jair Bolsonaro sobre um golpe destinava-se apenas a pressionar o judiciário. “Pode-se interpretar que a Suprema Corte extrapolou sua autoridade”, disse.

Ao mesmo tempo, membros do governo Bolsonaro analisam ativamente cenários em potencial para intervenção. Um militar no governo afirmou que intervenção militar segue fora do radar no momento, mas que certas manifestações do judiciário, como determinar uma busca no palácio presidencial no âmbito das investigações, poderiam mudar a situação.

Da mesma forma, acrescentou o militar, a eventual anulação da eleição de 2018 por um juiz seria considerada inaceitável, pois afastaria não só Bolsonaro, mas também o vice-presidente, Hamilton Mourão, general aposentado eleito na mesma chapa.

Mourão assegurou repetidas vezes que os militares não consideram qualquer forma de tomada de poder. Mas o próprio debate sobre intervenção militar aumenta a preocupação quanto à resiliência das instituições democráticas brasileiras, assim como o retorno do país a uma instabilidade política crônica, com constante interferência militar.

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente civil exilado durante a ditadura militar, disse não acreditar que um golpe seja iminente. Mas teme a intensificação das táticas de intimidação de Bolsonaro. “Como as democracias morrem? Não precisa ser golpe militar. O próprio presidente pode assumir poderes extraordinários” disse Cardoso, 88 anos, que chegou a conclamar Bolsonaro a renunciar ao cargo.

Fonte: The New York Times

Tradução: Mariana Branco

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