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Uma verdadeira cruzada contra o ensino e a pesquisa está em andamento no Brasil. Nenhuma área-chave escapou da ofensiva do governo Bolsonaro. Os danos à ciência e ao desenvolvimento do país podem ser irrecuperáveis.

Deutsche Welle

Diante de uma pilha de cem bombons, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, desdobrava-se para tentar suavizar o impacto do congelamento de 30% do orçamento de custeio e investimento das universidades públicas do país.

Durante a transmissão semanal do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, nesta quinta-feira (09/05), ele separou três chocolates e contou com a ajuda do presidente para quebrar mais um ao meio.

“Esses três chocolatinhos e meio a gente não está falando para a pessoa que vai cortar. Não está cortado. Deixa para comer depois de setembro. É só isso que a gente tá pedindo. Isso é segurar um pouco”, argumentou, enquanto Bolsonaro mastigava o pedaço que levou à boca.

O esforço didático do ministro pode ser lido como uma tentativa de melhorar sua imagem após duas semanas de intenso desgaste.

Uma verdadeira cruzada contra as universidades está em curso no Brasil, marcada por polêmicas, recuos e gafes.

Não à toa, rapidamente começou a se apontar, nas redes sociais, um suposto erro de cálculo de Weintraub, ao se referir a um bloqueio orçamentário bem inferior ao número oficial na conta dos chocolates.

Uma semana antes, ele bateu o pé ao ser contestado por jornalistas quando anunciava o custo de apenas R$ 500 mil para realizar a avaliação da alfabetização infantil no país.

“Os impostos do contribuinte são sagrados, mas vejam que R$ 500 mil é um valor muito abaixo do que é normalmente destinado a iniciativas da Educação”.

Horas depois, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo exame junto com o Ministério da Educação (MEC), reconheceu publicamente o equívoco. O custo seria de R$ 500 milhões. A inconsistência foi atribuída a um equívoco na planilha de custos apresentada pelo Inep.

Apesar do histórico de deslizes, na live com Bolsonaro, o ministro se referia ao impacto sobre o orçamento total das instituições de ensino superior, de 3,4%.

A escolha de sua base de cálculo é estratégica. Ao incluir despesas de pessoal, que representam 85,34% do total e não são manejáveis, ele passa a impressão de haver um exagero na reação da opinião pública.

Fato é que o bloqueio de verbas nas universidades federais chega a R$ 2 bilhões, 30% do total de despesas discricionárias, aquelas que não são obrigatórias. Ao todo, o MEC sofreu um corte de R$ 7,3 bilhões, na esteira do contingenciamento de R$ 30 bilhões em todo o orçamento do Executivo.

Educação básica não escapa

Nos últimos dias, o governo tem justificado o congelamento de verbas nas universidades pela priorização do ensino básico, especialmente a educação infantil, alfabetização e ensino profissional.

“Não dá para fazer tudo com recurso financeiro finito, então onde a gente vai, como nação, colocar nossos recursos limitados para melhorar nosso desempenho?”, questionou o ministro em audiência na Comissão de Educação do Senado, na última terça-feira (7/5). “A gente quis pular etapas e colocou muito recurso no telhado”.

Entretanto, as áreas ditas prioritárias não escaparam dos cortes.

Foram bloqueados R$ 680 milhões da educação básica, que compreende a educação infantil até o ensino médio, e 17% dos R$ 125 milhões autorizados para a construção e manutenção de creches e pré-escolas.

Ambas as rubricas estão inseridas no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é vinculado ao MEC e teve cortes de R$ 1,02 bilhão – 21% do discricionário.

Outra bandeira da atual gestão, o ensino técnico e profissional registrou um corte de R$ 99,9 milhões dos R$ 250 milhões autorizados.

O discurso do governo fica ainda mais frágil por ter deixado claro o peso do fator ideológico no bloqueio de verbas do ensino superior.

No dia 26 de abril, Bolsonaro anunciou no Twitter que Weintraub planejava “descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)”, a fim de priorizar áreas que geram “retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina”.

A viabilidade da proposta foi logo questionada por especialistas do setor, que viram na iniciativa a expressão de um profundo desconhecimento em relação ao funcionamento das universidades públicas.

Pela Constituição Federal, elas têm autonomia assegurada para definir cursos, bem como os currículos e investimentos requeridos.

Dias depois, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, Weintraub anunciou um corte de 30% nos repasses a três instituições: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal Fluminense (UFF).

“Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”, declarou ao jornal.

Para explicar ao que se referia por “balbúrdia” – termo que foi logo massificado nas redes sociais de forma crítica –, o ministro citou eventos políticos, manifestações partidárias e festas que considera inadequadas.

“A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”, disse. Em sua visão, isso seria exemplificado pela presença de “sem-terra dentro do campus, gente pelada dentro do campus”.

No dia seguinte, ao constatar que o corte de verbas por critérios ideológicos poderia ser contestado na Justiça, Weintraub estendeu o contingenciamento de 30% a todas as universidades federais, incidindo a partir da verba do segundo semestre.

Risco de paralisação

Em resposta à decisão, diversas instituições se posicionaram e indicaram um risco concreto de paralisação das atividades nos próximos meses caso a medida não seja revista.

Com a crise econômica e a entrada em vigor da Emenda Constitucional 95, que congelou o aumento dos gastos públicos por 20 anos, as universidades já vinham enfrentando dificuldades para garantir seu funcionamento.

A versão do governo para os cortes tornou a apresentar inconsistências nos últimos dias. Desta vez, no seio da família Bolsonaro.

Em entrevista à apresentadora Luciana Gimenez, transmitida na noite de terça-feira (07/05), o presidente apresentou sua justificativa. “Ninguém vai cortar dinheiro por prazer. Para algumas universidades, que formam militantes apenas, talvez o corte seja um pouquinho maior”, declarou.

Horas depois, o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) apresentou leitura distinta.

“É extremamente importante frisarmos que os cortes e remanejamentos feitos nos ministérios não têm cunho político ideológico algum. Todos os ministérios estão sentindo para que o Poder Executivo Federal cumpra com as leis vigentes”, escreveu em seu perfil no Twitter.

No mais recente capítulo da ofensiva contra as universidades, o governo bloqueou, na última quarta-feira (08/05), de forma generalizada, bolsas de mestrado e doutorado que seriam oferecidas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Todas elas estavam em um período de transição, à espera de novos pesquisadores já aprovados ou em fase de seleção.

Além de ser a única forma pela qual vários estudantes conseguem cursar a pós-graduação, as bolsas garantem a realização de pesquisas de fundamental importância para diversas áreas do país.

Mais de 90% da pesquisa do país é produzida nas universidades públicas, e a medida coloca em risco a continuidade de importantes projetos em curso nas mais diversas áreas.

Entidades científicas denunciam que os cortes vão causar danos irrecuperáveis à ciência e ao desenvolvimento do país.

Quando confrontado com os possíveis efeitos do desmonte orçamentário da Educação, o ministro Weintraub sinaliza que só vai rever a política caso a reforma da previdência seja aprovada.

“Não houve corte, há um contingenciamento. Se a economia tiver um crescimento com aprovação da nova Previdência, se retomarmos a dinâmica de arrecadação, revertemos. Precisamos cumprir a lei de responsabilidade fiscal”, afirmou no Senado.

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