O Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com auditores ficais do trabalho, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Polícia Civil do Distrito Federal, o Conselho Tutelar do Gama e a Subsecretaria de Políticas para Crianças e Adolescentes da Secretaria de Justiça e Cidadania do DF, deflagrou, nesta quinta-feira (7/3), operação para investigar trabalho escravo em seita religiosa no Gama. A ação foi realizada na sede da Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia e tinha o objetivo de apurar a prática de submissão de pessoas a condições análogas às de escravidão.
No local, os auditores fiscais encontraram, nesta quinta (7) ao menos 95 trabalhadores em condição degradante de trabalho e de vida. A operação resultou na interdição dos alojamentos usados pelos fiéis. Mas o total de vítimas pode alcançar de 200 a 300 pessoas, informaram as autoridades.
Investigações conduzidas pela 20ª Delegacia da Polícia Civil (Gama) apontam que a líder da seita, Ana Vindoura Dias Luz, e alguns dos seus obreiros vêm, reiteradamente, cometendo atos em relação aos seus fiéis que podem se enquadrar na prática de trabalho escravo.
A pedido do MPF no DF, o juiz federal Ricardo Leite expediu mandados de busca e apreensão. O objetivo da ação era colher provas acerca das denúncias já feitas, esclarecer detalhes sobre os crimes praticados a partir de depoimentos e outras medidas de apuração. Além disso, a ideia era resgatar fiéis que estivesses com a liberdade cerceada ou submetidos ao regime de trabalho escravo.
No pedido enviado à Justiça, o MPF explica que denúncias noticiando a prática de possíveis crimes na comunidade religiosa começaram a ser entregues a órgãos públicos ainda em 2016. As investigações, no entanto, não avançavam por falta de provas, dado o temor das vítimas diante de represálias que Ana Vindoura poderia submetê-las.
O caso tomou novos rumos quando uma moradora da comunidade conseguiu ser libertada pela Polícia Civil. Após o caso, outras pessoas sentiram-se encorajadas e passaram a denunciar as ilegalidades.
O Metrópoles noticiou o caso em janeiro deste ano, quando a polícia resgatou uma jovem de 18 anos vítima de cárcere privado. De acordo com o delegado Vander Braga, da 20ª DP, a garota fazia serviços domésticos na casa da líder do grupo e era mantida presa sob o argumento de que “estava endemoniada”.
No reino dos céus
As apurações revelaram que a líder da seita e alguns de seus obreiros, sob a justificativa de garantir a entrada dos fiéis no reino dos céus e a salvação de suas almas, obrigavam as vítimas a trabalharem sem receber qualquer pagamento. Os relatos dão conta de que fiéis trabalhavam vendendo pães e livros no DF.
“Após o envio do material colhido durante a diligência, será analisada a conexão dos crimes de competência da Justiça Comum Estadual com o crime de redução à condição análoga à de escravo”, esclarecem as autoridades responsáveis pelo caso.
Os auditores relatam que a operação não teve o objetivo de interferir na crença de qualquer cidadão. No entanto, cabe ao Estado agir positivamente para que os trabalhadores tenham seus direitos fundamentais assegurados, como determina a legislação brasileira. O cerne das investigações está na garantia dos direitos sociais dos trabalhadores ali instalados.
Planilhas
Os auditores verificaram a precariedade do local que comportava os dormitórios comunitários. Alguns moradores dormiam em ônibus ou caminhões mal-adaptados, sujos e que expunham os indivíduos a questões básicas de insegurança.
Um dos alojamentos, por exemplo, ficava ao lado do espaço em que eram armazenados produtos agrotóxicos. Nessa área, a separação dos ambientes se dava por meio de uma parede improvisada de papelão, permitindo com que o cheiro dos pesticidas invadisse os dormitórios.
DIVULGAÇÃO/MPF
A deflagração da operação permitiu constatar ainda que os fiéis precisavam pagar R$ 10 por dia à liderança da igreja como contrapartida por habitarem na comunidade. As roupas usadas pelos moradores também precisavam ser compradas lá dentro, assim como a comida consumida por todos. Nesse sentido, foram encontradas inúmeras planilhas que registravam os gastos e os débitos de cada pessoa com a igreja. Os documentos comprobatórios foram apreendidos.
O ambiente de trabalho dos seguidores da seita também era insalubre. Segundo os auditores, a área de confecção e costura tinha mobiliários inadequados, com cadeiras quebradas, sem encosto e iluminação precária. Já o local onde eram produzidos os pães vendidos pelos fiéis precisou ser interditado.
DIVULGAÇÃO/MPF
A medida foi aplicada porque verificaram-se irregularidades nas instalações elétricas do espaço e nos equipamentos utilizados pelos trabalhadores, que ficavam expostos a riscos de incêndio. Ainda segundo a apuração, eram produzidos 700 pães por dia, com a finalidade de vendê-los e auferir verba para a comunidade religiosa.
Os trabalhos de produção de hortaliças foi igualmente interditado. Diferentemente daquilo afirmado pelos líderes da seita, os auditores verificaram o uso de agrotóxicos na produção local. “Vale destacar que os trabalhadores manipulavam os produtos sem qualquer proteção individual ou treinamento sobre a aplicação dos agroquímicos. Já no momento da venda, as mercadorias eram apresentadas como de produção orgânica”, diz o MPF.
Fortes indícios de submissão
Todas as informações colhidas na deflagração realizada na manhã desta quinta (7) indicaram fortes indícios de submissão de pessoas a condições análogas às de escravo.
Os empregadores serão notificados para rescindir os contratos existentes, formalizar retroativamente os vínculos trabalhistas e quitar as verbas salariais e rescisórias dos empregados.
Como nesse caso será realizada rescisão indireta dos contratos de trabalho, determinada pelos auditores fiscais, as pessoas terão direito a receber três parcelas do benefício de seguro-desemprego especial de trabalhador resgatado. (Com informações do Ministério Público Federal)
Por Metropolis
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