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Em seu clássico Bases e Sugestões para uma Política Social, Alberto Pasqualini argumentava, com fina ironia, que o “trabalho também não se valoriza com hinos ao trabalhador, nem com a demagogia dos que lhe exploram a ingenuidade, a ignorância e a boa fé”.

A mesma coisa vale para política externa, seja de governos, seja de partidos. Para que seja consequente e objetiva, é preciso que ela tenha em mente o alcance de resultados práticos.

Eu sou crítico da cobertura que a imprensa, e não só brasileira, faz da realidade política venezuelana. Há muito exagero, sensacionalismo, manipulação. Tanto que não dá mais para saber a verdade. É uma situação triste, dramática, porque a imprensa no qual poderíamos confiar, como a Telesur, pressionada pelo ataque midiático global a seu único patrocinador, o governo venezuelano (Lula nunca quis ajudar a Telesur, um erro grave seu), não faz qualquer crítica ao regime. Essa é uma repetição cansativa do histórico erro de comunicação da esquerda (isso já tem mais de cem anos): blindar-se dos ataques da imprensa classista através do controle exagerado da mídia – uma estratégia que, no médio e longo prazo, está sempre predestinada ao fracasso.

A Venezuela, para superar o assédio midiático terrível em que se encontra, teria que investir (ainda mais do que já o fez) na transparência, na comunicação direta com a opinião pública mundial, e, sobretudo, numa imprensa livre e plural. É o que fez Chávez, com relativo sucesso. É o que o próprio regime bolivariano tenta fazer ainda hoje, infelizmente sem o sucesso de antes.

Todos os consulados venezuelanos, no mundo inteiro, estarão abertos, no dia da posse de Maduro, para a imprensa alternativa. A revolução bolivariana apenas conseguiu resistir até aqui porque jamais esqueceu a importância da comunicação.

Mas a propaganda contra a Venezuela permanece extremamente pesada, e por isso achei falta de timing do PT, este anúncio de que irá comparecer à posse de Nicolas Maduro.

Gleisi Hoffmann publicou uma nota, no próprio site do PT, dizendo: “Estarei em Caracas esta semana participando da posse de Maduro” (ver íntegra da nota abaixo).

Seria mais útil, ao Brasil e à Venezuela, que o partido, que ainda goza de prestígio junto a setores importantes da opinião pública internacional, usasse sua influência para mediar a relação do regime com a imprensa nacional e estrangeira, articulando a ida à Venezuela de cada vez mais jornalistas e repórteres, aumentando a oferta e a pluralidade das informações que nos chegam do país.

Do jeito que estamos, essa visita da Gleisi serve para jogar ainda mais lenha na fogueira, prejudicando a própria Venezuela, porque incita o governo Bolsonaro, na ânsia se diferenciar do PT (e abafar trapalhadas dos primeiros dias de governo) a elevar suas agressões ao país vizinho, e prejudica o próprio campo progressista, que passa a ser associado a um regime descrito por toda a nossa mídia como uma ditadura sangrenta, decadente, fracassada (embora isso não seja verdade).

É uma lógica simples de entender. Por exemplo, Haddad tem passado os últimos anos retuitando todos os dias, quase sempre acriticamente, reportagens da Folha de São Paulo, um jornal que chama o regime venezuelano de ditadura. E aí, no pior momento político da Venezuela, o PT faz questão de anunciar, aos quatro ventos, que irá comparecer à posse de Maduro. Entendem como isso dá um curto circuito na cabeça de muita gente?

Não importa que as coisas não sejam bem assim. Não importa que o regime venezuelano seja, porventura, menos autoritário do que o brasileiro, com nossos golpes de Estado, nossas perseguições políticas e judiciais, nossa imprensa plutocrática e manipuladora, nossos assassinatos políticos recorrentes (vide o caso Marielle).

Qual regime é mais violento e autoritário?

Não importa. A imprensa enfiou na cabeça da maioria da nossa opinião pública, incluindo parte da esquerda, que a Venezuela é uma ditadura, e/ou que se trata de um regime horrendo, do qual deveríamos nos afastar de todas as maneiras. E ponto final. Ai de quem discordar! O mundo de hoje é dominado pela imagem, pela comunicação, pelo simulacro. São tempos de guerra híbrida! Para avançar nesse jogo de xadrez, é preciso saber como se movimentam as peças.

Se o PT fosse um partido revolucionário, com domínio sobre armas nucleares, sobre um exército inteiro, como o Partido Comunista Chinês, ou estivesse numa posição de hegemonia política no país, como Putin, então a decisão de Gleisi poderia soar como audácia, estratégia, enfrentamento geopolítico.

Lopez Obrador, presidente do México, tomou uma atitude corajosa em relação à Venezuela, recusando-se a assinar a decisão do Grupo de Lima, que não reconheceu o governo Maduro. Mas Obrador acaba de ser eleito. Está no auge de sua força. E ele não vai à posse de Maduro… Apenas mandará, discretamente, um representante.

A maneira como foi divulgada a decisão do PT, por sua vez, lhe fez parecer uma provocação de centro acadêmico, o que não ajuda nem um lado, nem outro.

A Rússia ajuda com armas e trigo. A China ajuda com dinheiro e infra-estrutura. O PT, o que oferece, concretamente, à Venezuela, além de atiçar o ódio oportunista do nosso governo, que por sua vez age como capacho e vassalo da administração Trump?

Uma política real, consequente, precisa levar em consideração essas coisas.

De um lado, a Venezuela precisa de apoio de força, que é um apoio que nós, do Brasil, não podemos dar no momento, mas que aparentemente está vindo da Rússia e da China.

De outro, a Venezuela precisa reconquistar a opinião pública internacional; é aí que o Brasil e sua esquerda poderiam ajudar. Para isso é preciso haver transparência e jornalismo crítico, porque poucas pessoas no Brasil, na Europa ou nos EUA, fora do universo diminuto do esquerdismo radical, darão apoio à Venezuela sem antes se sentirem mais seguras e informadas sobre o que está acontecendo, de fato, por lá.

Além do mais, o PT acaba de se recusar a comparecer à posse de Jair Bolsonaro, presidente de seu próprio país, eleito com 57 milhões de votos. Como vai explicar à opinião pública brasileira que agora vai comparecer à posse do presidente de um outro país, num processo político questionado (quero acreditar que injustamente, mas isso não importa) por metade do mundo, por boa parte dos governos latino-americanos, e, o mais grave, por correntes majoritárias da opinião pública brasileira, incluindo setores progressistas influentes?

Essa é a razão pela qual era tão importante que o PT (e outros partidos) comparecessem à posse de Bolsonaro. Isso lhes garantiria mais autonomia para, eventualmente, e sem alarde, comparecerem à posse de Maduro, ou a de qualquer outro presidente, desde que eleito num processo democrático ou soberano.

Dito isso, o Cafezinho deseja que a Venezuela e seu povo reencontrem o caminho da estabilidade econômica e da paz social. Independente dos nossos cálculos políticos, é preciso ser contra qualquer agressão ao nosso país vizinho e a seu povo, a qualquer tentativa de intervenção, sanção ou boicote, a qualquer ação que vise prejudicar ainda a mais a sua economia já tão fragilizada.

Do nosso lado, que não temos armas, dinheiro, governo, a única maneira de ajudar a Venezuela é, reitero, estimular um jornalismo crítico, plural, convincente, sobre tudo que acontece no país. Os jornalistas contribuem através da oferta desse material. O público ajuda qualificando a demanda, e buscando, compartilhando, interagindo. É o que vamos procurar fazer.

Outra forma de ajudar a Venezuela é não fazer muita besteira (digo, aqui no Brasil), reconquistar a opinião pública (a nossa), ganhar eleições, e, exercendo o governo, contribuir concretamente para a estabilidade econômica e política da grande pátria de Bolívar.

***

No site do PT

Gleisi Hoffmann leva apoio do PT ao povo da Venezuela

Gleisi participa nesta semana da posse do presidente da Venezuela e rechaça o intervencionismo e a posição agressiva do atual governo brasileiro contra o país

09/01/2019 15h58

Nota do PT: Repúdio à posição de Bolsonaro em relação à Venezuela

Estarei em Caracas esta semana participando da posse de Maduro:

1. Para mostrar que a posição agressiva do governo Bolsonaro contra a Venezuela tem forte oposição no Brasil e contraria nossa tradição diplomática.

2. Para deixar claro que não concordamos com a política intervencionista e golpista incentivada pelos Estados Unidos, com a adesão do atual governo brasileiro e outros governos reacionários. Bloqueios, sanções e manobras de sabotagem ferem o direito internacional, levando o povo venezuelano a sofrimentos brutais.

3. Porque é inaceitável que se vire as costas ou se tente tirar proveito político quando uma nação enfrenta dificuldades. Trata-se de um país que tem relações diplomáticas e comerciais importantes com o Brasil. Impor castigos ideológicos aos venezuelanos também resultará em graves problemas imigratórios, comerciais e financeiros para os brasileiros.

4. Porque o PT defende, como é próprio da melhor história diplomática de nosso país, o princípio inalienável da autodeterminação dos povos. Nossa Constituição se posiciona pela não-intervenção e a solução pacífica dos conflitos. Os governos liderados por nosso partido sempre foram protagonistas de mediações e negociações para buscar soluções pacíficas e marcadas pelo respeito à autonomia de todas as nações.

5. Porque somos solidários à posição do governo mexicano e de outros Estados latino-americanos que recusaram claramente a posição do chamado Grupo de Lima, abertamente alinhada com a postura belicista da Casa Branca.

6. Porque reconhecemos o voto popular pelo qual Nicolas Maduro foi eleito, conforme regras constitucionais vigentes, enfrentando candidaturas legítimas da oposição democrática.

7. Em qualquer país em que os direitos do povo estiverem ameaçados, por interesses das elites e dos interesses econômicos externos, o PT estará sempre solidário ao povo, aos que mais precisam de apoio. O respeito à soberania dos países e a solidariedade internacional são princípios dos quais não vamos abrir mão.

Gleisi Hoffmann
Presidenta do PT

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