Neste sábado, 7 de julho, faz um mês que o astrólogo Olavo de Carvalho, 74, desembarcou no aeroporto de Guarulhos, Região Metropolitana de São Paulo.
Em menos de duas horas em solo brasileiro, operou uma façanha.
Por orientação do cardiologista José Antonio Franchini Ramires, deu entrada na emergência do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), onde foi atendido e internado durante dez dias pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Ramires liderou o tempo todo a equipe médica que assistiu o paciente.
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) abriu inquérito civil para apurar as circunstâncias do atendimento, que tem lances enigmáticos, desde o pouso do voo da American Airlines 951, em Cumbica, às 8h45 de 8 de julho.
8 de julho, 11h50. Igor Gadelha, do site Metrópoles, divulga em primeira mão a notícia da chegada de Olavo de Carvalho ao Brasil para tratamento médico.
8 de julho, 18h30. O InCor, em nota à imprensa, informa que Olavo que “deu entrada na Unidade de Emergência, em ambulância UTI móvel, às 10h30, devido mal estar súbito ocorrido durante voo”.
8 de julho, 21h30. A repórter Cláudia Collucci, da Folha de S. Paulo, revela:
“Em grupos de WhatsApp, médicos de hospitais públicos da capital paulista mostravam indignação com a internação de Olavo no InCor. Segundo eles, o escritor teria dado entrada na instituição pelo SUS, sem passar pela central de regulação de leitos (Cross) do governo paulista.
Os profissionais afirmaram nas mensagens que aguardam há meses por um leito para pacientes do SUS e criticaram o fato de Olavo ter conseguido uma vaga no InCor vindo dos Estados Unidos”.
9 de julho, 18h10. O próprio doutor Ramires confirma o que já se ventilava desde o dia anterior, a internação de Olavo pelo SUS:
— Ninguém pagará nada. Como paciente SUS, não pagará honorário.
— O urologista Miguel Srougi e o oncologista Paulo Hoff, que estão atendendo Olavo, também não cobrarão.
— Em pleno feriado, estivemos os três com ele [Olavo] para examiná-lo e discutirmos novos passos. A responsabilidade profissional não depende de honorários.
Os três médicos são professores titulares da Faculdade de Medicina da USP.
Ramires, de Cardiologia, Srougi, de Urologia. Paulo Hoff, de Oncologia Clínica.
— Ele [Olavo] viria para se consultar comigo. Meu consultório é no InCor. Como passou mal (no avião), indiquei que viesse à emergência, onde eu e outro colega o vimos e indicamos internação.
Sobre a indignação de médicos com tratamento diferenciado dispensado a Olavo, rebate:
— Ele foi atendido na emergência do InCor, onde foi solicitada a internação. Portanto, seguiu todos os procedimentos habituais do “sistema”.
FATOS OU FAKES? MP PAULISTA INVESTIGA
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É o que apura o inquérito civil instaurado pelo promotor Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Direitos Humanos do MPSP.
“O ponto central deste procedimento não é questionar, de forma alguma, o tratamento do paciente por meio do SUS”, frisa o documento.
“Busca-se investigar, somente, se efetivamente a situação clínica do paciente era adequada para que fosse atendido, na forma da urgência/emergência, no pronto-socorro do InCor e internado imediatamente naquele Hospital”, observa.
O promotor abriu o inquérito no dia 12 de julho.
Em 18 de julho, após dez dias internado, Olavo teve alta hospitalar.
VIOMUNDO QUESTIONA, MÉDICO NÃO RESPONDE
Para esclarecer vários pontos nebulosos, o Viomundo, via assessoria de imprensa do InCor, enviou 15 perguntas ao cardiologista.
Vinte e quatro horas depois, a resposta:
“Enviei o seu pedido diretamente para o Dr. Ramires, médico responsável pelo caso, que respondeu não estar concedendo entrevistas sobre o paciente neste momento”.
Algumas indagações feitas:
— Nos últimos anos, quantos atendimentos pelo SUS o Olavo teve?
— Como foi possível entrar direto pelo SUS?
— Quem o regulou para o Incor pelo SUS?
— Já que Olavo passaria em consulta no seu consultório privado no InCor, por que a mudança para o SUS?
— Considerando que o SUS é universal, qualquer paciente pode ser atendido pelo senhor no InCor tal qual o Olavo?
Todo cidadão brasileiro tem o direito de ser atendido pelo SUS.
A regra mãe é a Constituição Federal de 1988.
O artigo 196 diz:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo 198 detalha:
As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único.
Em seu portal, o InCor explica a hierarquização de modo bem didático:
PRONTO-SOCORRO: PORTA “ABERTA” PARA OLAVO É FECHADA À POPULAÇÃO
As unidades básicas (UBS) ou postos de saúde são a “porta de entrada” para atendimento no sistema público brasileiro.
— Qualquer pessoa passando mal por problema cardiológico ou pulmonar pode então dirigir-se diretamente ao pronto-socorro do InCor?
— Ou tem que passar primeiro em uma unidade mais próxima da casa dela para ser avaliada?
— Se não for referenciada para o InCor, a pessoa não será atendida na instituição?
O InCor localiza-se à Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44.
O Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP fica na mesma avenida, 255.
Na hora do sufoco, há quem bata numa e noutra porta.
Por isso, fizemos pergunta parecida ao HC, já que o Incor faz parte do complexo hospitalar Hospital das Clínicas, por sinal o maior da América Latina.
O HC fechou a porta do seu pronto-socorro, sem substituir o serviço de urgência e emergência, alegando que o complexo efetua somente atendimentos referenciados.
O InCor é especializado em cardiologia, pneumologia e cirurgias cardíaca e torácica.
Em formato de notas (na íntegra, ao final), as respostas são iguais, diferem apenas no modo de escrever.
O InCor informa que a sua Unidade de Emergência Referenciada (o negrito é nosso) atende:
Casos graves que chegam por ambulâncias, resgate ou por helicóptero da Polícia Militar, por intermédio da regulação das Centrais de Urgências e Emergências do Complexo Regulador Municipal (Crue) e da Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (Cross), dentro do sistema de referência e contrarreferência do SUS (Sistema Único de Saúde).
Por ser um serviço de emergência cardiopneumológica, atende pacientes em potencial risco de gravidade clínica.
O Hospital das Clínicas informa (negrito também nosso) afirma:
Conta com um serviço de emergência referenciada para atendimento de casos graves, com risco de morte, que chegam ao seu Pronto Socorro por ambulâncias, resgate ou pelo helicóptero águia da PM e que passam pela regulação das Centrais de Urgências e Emergências do Complexo Regulador Municipal (CRUE) e da Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (CROSS).
Traduzindo: InCor e HC não têm mais pronto-socorro de porta aberta, como possuíam até alguns anos atrás, quando a pessoa passava mal, ia até um deles e era socorrida.
Hoje, isso não é possível mais.
O pronto-socorro do InCor e o do HC são porta fechada.
Portanto, só atendem casos graves referenciados.
Ou seja, encaminhados, por exemplo, pelos níveis de assistência básica, o que implica passar por uma central de regulação de leitos. Ou quem chega de ambulância, com risco de morrer.
RECOMENDAÇÃO DO PRÓPRIO INCOR NÃO FOI SEGUIDA
O telefone para obter informações sobre os serviços do Incor é 011 2661 5000
A secretária digital atende e segue esta gravação.Tocador de vídeo
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Aos 55 segundos, faz um alerta:
E, atenção!
Em caso de emergência cardíaca ou pulmonar, vá ao serviço de urgência mais próximo da sua residência. Tempo é vida.
Na emergência, é importante chegar ao serviço médico rapidamente.
Por isso, quando passageiro passa mal em voo que pousa no aeroporto de Guarulhos/Cumbica, a conduta é encaminhá-lo para um dos hospitais próximos à cidade.
Cada terminal tem também um centro médico para que, em casos de emergência, a equipe chegue rápido ao local.
Curiosamente, no caso de Olavo (teve “mal súbito” no voo, segundo o seu médico), recomendação do próprio InCor não foi seguida.
Após desembarcar em Cumbica, ele foi levado para o InCor, em Cerqueira César, na capital paulista.
Um trajeto de 32km. De carro, em condições rápidas de tráfego, dura 1h09, segundo o aplicativo Maps, do Google. De motocicleta, 1h.
POR QUE NÃO FOI DIRETO PARA HOSPITAL DE GUARULHOS?
Diante disso, Viomundo perguntou ao doutor Ramires:
— Por que Olavo de Carvalho não foi levado direto a um hospital de Guarulhos, para ser atendido prontamente, já que ele teve “mal súbito” no voo?
— Por que se optou por ele percorrer a longa distância entre o aeroporto de Guarulhos e o Incor, ainda que numa ambulância UTI?
— O senhor foi o médico que tomou a decisão de levá-lo direto para o Incor?
— Não era então uma emergência?
Reportagem de Thais Oyama, do UOL, contesta o comunicado do InCor de 8 de julho: Olavo veio na 1ª classe, jantou e não teve mal súbito, afirmam passageiros.
São passageiros do voo American Airlines 951, o mesmo que trouxe Olavo dos EUA.
Eles relataram à jornalista (os negritos são nossos) que:
“O escritor e filósofo embarcou em uma cadeira de rodas vestindo camisola hospitalar.
Jantou uma massa (apimentada demais, conforme reclamou), tomou Coca-Cola diet e dormiu durante todo o voo.
Desembarcou sem incidentes junto com os outros passageirosàs 8h45 de ontem [08/07], no aeroporto de Guarulhos”.
No twitter, as reações foram duras, mas pertinentes.