Levantamento do Ministério Público do DF revela aumento no número de medidas protetivas de urgência recebidas. Pena média para o crime de feminicídio é de 20 anos de prisão
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Na mira do Judiciário: 96% dos feminicidas foram condenados no DF
Levantamento do Ministério Público do DF revela aumento no número de medidas protetivas de urgência recebidas. Pena média para o crime de feminicídio é de 20 anos de prisão
Darcianne Diogo
postado em 09/03/2023 05:51 / atualizado em 09/03/2023 06:20
(crédito: Minervino Júnior/CB)
Em um ano, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) recebeu mais de 15 mil solicitações de medidas protetivas de urgência para casos de violência contra a mulher. O número, de 2022, é o maior dos últimos 16 anos e consta em uma análise estatística inédita realizada pelo MP. O levantamento traz, ainda, os quantitativos dos requerimentos de medida protetiva e de prisão e das principais incidências penais dos inquéritos policiais (IPs) e termos circunstanciados (TCs).
O levantamento revela uma diminuição de quase 6,2% no número de inquéritos e termos circunstanciados recebidos pelo MPDFT entre 2021 e 2022 (veja Ips e TCs recebidos). Enquanto em 2021, o quantitativo foi de 15.928, no ano passado, o número ficou em 14.942. No entanto, o dado pode trazer um outro lado e, por isso, é preciso uma análise mais detalhada, destaca o promotor Thiago Pierobom, titular da 2ª Promotoria de Violência Doméstica em Brasília e colaborador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT. “É um dado que precisamos amadurecer. Por que houve redução desses registros? Será que é um reflexo dessa tendência restritiva na interpretação da Lei Maria da Penha, que os casos agora estão deixando de ser considerados de violência doméstica contra a mulher? Será que são as mulheres que estão denunciando menos”, indaga.
Quanto às denúncias oferecidas pelo MP no que diz respeito à violência doméstica, o Ministério Público ajuizou, em 2022, um total de 5.638 denúncias, um aumento de 9,8% comparado ao ano de 2021 (5134 denúncias). Chama a atenção às denúncias oferecidas em 2018 e 2019, os dois anos que apresentam os maiores quantitativos, com 6.791 e 6.481, respectivamente. “Apesar dos registros de ocorrência que o MP recebeu terem diminuído no ano passado, isso mostra que precisamos compreender melhor. Saber o que podemos, por exemplo, fazer para aumentar a confiança das mulheres em denunciarem”, enfatiza.
O promotor cita, ainda, uma segunda pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que revela um número significativo de mulheres que optam por não registrar ocorrência policial contra o companheiro ou o ex, mas resolver o problema com a ajuda de familiares ou instituições de apoio.
Com o propósito de assegurar que toda mulher tenha direito a uma vida sem violência, as medidas protetivas são uma das portas ao combate à violência. Ela busca, com base na Lei Maria da Penha, evitar o contato do agressor e pode ser concedida em até 48 horas pelo juiz. O crescimento no número de medidas protetivas de urgência recebidas pelo MP acende um alerta. Desde 2006, o maior número de medidas recebidas foi no ano passado (15.044). Em 2021, o quantitativo foi de 14.587. Já em 2020, 13.539.
As medidas protetivas podem ser pedidas por qualquer mulher que tenha sido vítima de violência doméstica e familiar. Os pedidos são feitos nas delegacias, no Ministério Público ou na Defensoria Pública. A Lei Maria da Penha não prevê limite de validade para a medida protetiva, de modo que o juiz deve conceder um prazo a analisar caso a caso.
Para o promotor Thiago, as condenações nos casos de violência doméstica, como ameaça, lesão corporal ou stalking (perseguição), são brandas. Mas, na avaliação dele, não é a quantidade da pena que inibe o agressor — a se dar como exemplo o feminicídio, que mesmo o autor estando sujeito a uma sentença de 30 anos de prisão, não deixa de cometer o crime —, mas as ações socioculturais desenvolvidas. “Querer aumentar as penas não vai resolver o problema da mulher. O ofensor não lê o Código Penal antes de praticar a violência. Não é só aumentar, mas transformar essas representações socioculturais”, pontua.
Como exemplo em ações preventivas e educacionais, o promotor cita a realização de um conjunto de políticas públicas de prevenção e proteção à mulher articuladas entre os diversos setores, como o Judiciário, Executivo e Legislativo. “Estamos falando das de saúde, educação, assistência social, trabalho, emprego e renda. De uma maior inclusão de mulher nos espaços de poder, de decisão, nas mudanças culturais que a médio e longo prazo desconstroem a normalidade de comportamentos violentos no âmbito da masculinidade.”
Já para casos de feminicídios consumados ou tentados, o promotor garante: não há impunidade. Uma pesquisa do MPDFT documentou que nos feminicídios cometidos em 2016 e 2017 na capital federal, em 96% dos casos os agressores foram condenados pela Justiça a penas médias de 20 anos de prisão. Entre janeiro e março de 2023, o DF registrou um total de nove assassinatos de mulheres em menos de três meses. O número é quase a metade do total de feminicídios praticados em todo o ano de 2022.
- 08/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia – DF. Manifestação das mulheres no dia internacional das mulheres na Funarte.Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
- pri-0903-violenciaFoto: Lucas Pacifico
Marcha por mais direitos da mulher
Mulheres se uniram no Dia Internacional da Mulher para marchar por políticas de enfrentamento à violência de gênero, e também em “defesa do bem viver, contra a fome, o machismo, o racismo e o facismo”. O ano de 2023 começou marcado por oito vítimas de feminicídios no DF, o que causou a revolta de muitas mulheres e uma das maiores motivações para a marcha que aconteceu, ontem, no Eixo Cultural Ibero-Americano.
A artista plástica, Daniela Iguizzi, 51 anos, levou um trabalho feito há quatro anos para expor na marcha, onde tentou expor várias vezes o trabalho em Brasília, mas foi censurada. “Alguns artistas que são a representação do machismo vão contra ao meu trabalho. Eu falo com certa força, então esse trabalho representa muito para as mulheres, queria poder expor no Ministério da Mulher”, ressalta. A obra se chama “Medo”, por representar o que as mulheres sentem ao estar em transportes públicos, em todo lugar, até mesmo na própria casa.
Com representantes de movimentos femininos e sindicais, estudantes, trabalhadoras de todas idades e crianças, o grupo andava em direção ao Palácio do Buriti, com várias marchinhas, como “Você vai se arrepender de levantar a mão para mim” e “Mulheres negras não param de lutar”.
Entre as mulheres presentes, estava a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) que contou ao Correio, a importância da retomada às ruas. “Nós, mulheres indígenas, realizamos a marcha mesmo no contexto da covid-19. Entendemos que o parlamento mais forte é o chão de luta, uma voz importante no combate ao feminicídio, mas sobretudo ao ‘amorcídio’, porque quando matam mulheres, a humanidade está perdendo a capacidade de amar.”
Realizada de forma anual, a assessora técnica e de articulação política do CFEMEA, Jolúzia Batista, explica que a marcha é uma iniciativa política própria dos movimentos de mulheres feministas no mundo inteiro. “Existe há mais de um século. No Brasil, desde o período da redemocratização as marchas têm acontecido em todos os estados, possivelmente”.
Entre tantas protestantes, cada uma fazia o apelo com o próprio simbolismo, algumas com cartazes, outras com dança e música, standards, como a aposentada Inês Vargas Marques, 63, que faz parte do grupo “Mães da Resistência”, em defesa dos filhos LGBTQIA por um espaço na sociedade. “Estar aqui hoje é lutar pela vida, que é algo sagrado para as mulheres e nós estamos sendo mortas com cada vez mais frequência.”, diz.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que realizou o evento, começou o ato a partir do Acampamento 8M, onde reuniu 150 mulheres, em Planaltina-DF, no instituto de falar sobre a violência contra as mulheres.
Quatro perguntas para
Mayla Santos, sócia-fundadora do Instituto Retomar
Como você avalia a penalização para crimes de violência contra a mulher e de feminícidio?
O Brasil tem boas leis no combate à violência contra a mulher e feminicídio, sendo que a Lei Maria da Penha já foi, inclusive, reconhecida pela ONU como a terceira melhor lei de proteção à mulher do mundo. Contudo, ter boas leis no combate à violência de gênero não impedem que mulheres sofram todos os tipos de violência e sejam mortas pelo simples fato de serem mulheres, todos os dias.
Acredita que o Judiciário tem desempenhado uma boa função no combate a crimes desse tipo?
O Judiciário desempenha uma função importante no combate à violência doméstica e de gênero, principalmente, se considerarmos a análise e deferimento de medidas protetivas de urgência em tempo hábil, como o afastamento do agressor do lar e proibição de aproximação da vítima. Minha crítica ao Judiciário seria ao tratamento dado a vítima de violência doméstica, que muitas vezes não é feito sobre uma perspectiva de gênero, apesar de termos juízes bastante engajados e atuantes no TJDFT. Em 2021 o CNJ lançou um Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que deve ser observado por todo o Judiciário, e tem como escopo nortear o trabalho dos magistrados de modo que os julgamentos se realizem em observância ao direito à igualdade e não discriminação, sem violência institucional.
Qual sua análise sobre os agressores que já foram condenados e estão nas ruas?
Não raras vezes vemos casos em que o agressor já sofreu uma ação penal ou mesmo já teve medidas protetivas em seu desfavor por uma outra relação afetiva, mas voltou a ter as mesmas condutas ou até condutas mais graves em uma relação futura. Isso nos demonstra que para além de punir agressores, precisamos investir em políticas de educação e reabilitação.
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